Depois de A Promessa, outro tesouro do cinema de 2001 acaba de ser resgatado do limbo digital: Os Outros (The Others), dirigido por Alejandro Amenábar e protagonizado por Nicole Kidman, está disponível no MGM.
Aquele ano foi um divisor de águas na vida e na carreira de Kidman. Em fevereiro, ela se divorciou de Tom Cruise, com quem estava casada desde 1990. Depois da separação, a estadunidense de Honolulu (no Havaí) criada na Austrália deixou de ser a sra. Tom Cruise para se tornar a atriz do momento, desafiando-se a ponto de sofrer bastante, como aconteceu nos bastidores de Dogville (2003).
Só em 2001, estrelou três filmes, sempre num papel diferente. Foi uma mãe atormentada pelo sobrenatural em Os Outros. Foi uma escroque russa e morena em A Isca Perfeita. E foi uma cortesã parisiense no musical Moulin Rouge!: Amor em Vermelho, que valeu a Kidman a primeira de suas quatro indicações ao Oscar de melhor atriz — venceria na temporada seguinte, por As Horas (2002), na pele da escritora Virginia Woolf. Ela competiu também por Reencontrando a Felicidade (Rabbit Hole, 2010) e Apresentando os Ricardos (2022), e ainda disputou a estatueta de coadjuvante por Lion: Uma Jornada para Casa (2016).
Mas bem que Kidman também merecia concorrer por Os Outros, filme no qual repete a aura, o penteado e até o nome de Grace Kelly no clássico Janela Indiscreta (1954), de Alfred Hitchcock. Pelo menos foi indicada ao Bafta, da Academia Britânica, e ao Globo de Ouro, concedido pela imprensa estrangeira em Hollywood.
Hitchcock, com seu cinema do oculto, é uma influência assumidíssima no longa-metragem escrito, dirigido e musicado por Amenábar, cineasta chileno radicado na Espanha que depois ganharia o Oscar e o Globo de Ouro de melhor filme internacional pelo drama sobre eutanásia Mar Adentro (2004). Outra inspiração evidente é o romance de Henry James A Outra Volta do Parafuso (1898), sobre uma preceptora que cuida de duas crianças atormentadas pelo sobrenatural.
Ao falar sobre Os Outros, Amenábar disse que sua infância sempre esteve associada ao medo: medo do escuro, medo das portas entreabertas, medo dos armários e de tudo o que pudesse esconder alguém ou alguma coisa. Sua intenção foi compartilhar com o público os arrepios na espinha, "que são uma sensação pouco agradável, mas também uma das mais intensas que existem".
A história se passa em 1945, no fim da Segunda Guerra Mundial, na enevoada Ilha de Jersey, entre a Inglaterra e a França. Enquanto espera a incerta volta do marido do front, Grace (Nicole Kidman) cuida do casal de filhos pequenos (Alakina Mann e James Bentley) numa mansão vitoriana.
Como as crianças sofrem de uma doença rara — não podem se expor à luz forte —, as cortinas ficam sempre fechadas, e nenhuma porta deve ser aberta sem que a anterior seja trancada. A esse ambiente claustrofóbico e soturno chegam uma governanta (Fionnula Flanagan), um velho jardineiro e uma criada muda. Respira-se a atmosfera apavorante quando Anna, a filha de Grace, revela que há "outros" na casa. A guria diz falar com um menino, Victor, e ver uma senhora que parece cega.
Embora aposte em elementos clássicos do horror — corredores escuros e sibilantes, móveis cobertos por lençóis, empregados estranhos e pianos que "tocam sozinhos" —, Amenábar não se rende a truques fáceis. Não espere, por exemplo, a cena em que a personagem se olha no espelho e, subitamente, surge o reflexo de uma figura ao fundo. O diretor é mais criativo e elegante na arte de proporcionar o prazer de sentir medo. E, de quebra, inscreve Os Outros na galeria das mais marcantes reviravoltas do cinema.