Indisponível no streaming, o sensível e premiado filme gaúcho A Primeira Morte de Joana (2021), da cineasta Cristiane Oliveira, é a atração de mais uma sessão especial da Cinemateca Paulo Amorim, instituição da Secretaria de Estado da Cultura (Sedac), no Goethe-Institut. A exibição será nesta sexta-feira (26), às 19h, seguida de bate-papo com a produtora Gina O'Donnel. Os ingressos custam R$ 10 e podem ser comprados antecipadamente, pela chave Pix 91.343.103/0001-00, ou na hora, com cartão de débito. O Goethe fica na Rua 24 de Outubro, 112, em Porto Alegre.
Realizado pela Okna Produções e pela produtora francesa Epicentre Films, A Primeira Morte de Joana é o segundo longa-metragem de Cristiane, que agora em agosto vai disputar os Kikitos da competição de longas gaúchos no 52º Festival de Gramado com seu terceiro filme, Até que a Música Pare (2023). A sessão faz parte da programação de títulos produzidos no Rio Grande do Sul que dialogam com a cultura alemã, integrando as comemorações dos 200 anos da chegada dos primeiros imigrantes da Alemanha ao Estado.
A Primeira Morte de Joana foi lançado no Festival Internacional da Índia, em janeiro de 2021, e competiu em mostras como a de San Sebastian (Espanha) e a de Atenas (Grécia). Em Gramado, recebeu três Kikitos: melhor fotografia (Bruno Polidoro), melhor montagem (Tula Anagnostopoulos) e o troféu da crítica.
Como no seu longa de estreia, o também premiado Mulher do Pai (2016) — ganhou, por exemplo, a categoria de direção no Festival do Rio —, Cristiane volta a retratar um rito de passagem juvenil e volta a olhar para cenários não urbanos do RS. Depois da região da Campanha, é a vez de Osório e Santo Antônio da Patrulha (e, em Até que a Música Pare, as locações foram Antônio Prado, Nova Roma do Sul, Nova Bassano e Veranópolis).
Escrita pela diretora e por Silvia Lourenço, a trama se passa no verão de 2007, à época da inauguração do Parque Eólico de Osório. Paisagens e sentimentos se misturam: os cata-ventos aludem ao momento de transformação da protagonista, Joana (interpretada com delicadeza por Letícia Kacperski), que, aos 13 anos, está em meio à descoberta da sexualidade e de segredos familiares. Já o lago remete à estagnação dos personagens, presos a dilemas, a tradições, a estereótipos, a preconceitos. E o cruzamento da colonização alemã com a cultura de matriz africana na região possibilita à cineasta trabalhar "como os afetos são atravessados pelas religiões", conforme ela disse em entrevista ao repórter William Mansque, de Zero Hora, às vésperas da estreia de A Primeira Morte de Joana no festival indiano.
Joana vive com sua mãe, a ríspida Lara (Joana Vieira), e sua simpática avó, Norma (Lisa Gertum Becker), que trabalham vendendo cucas. O ponto de partida é a morte de Rosa, tia-avó da adolescente. Dizem que Rosa faleceu sem nunca ter namorado alguém — talvez nem beijado uma boca — ao longo de seus 70 anos de vida. Intrigada, a adolescente empreende uma investigação sobre o passado da parente querida.
Na mesma conversa com William Mansque, Cristiane Oliveira disse que Rosa foi inspirada em uma personagem real que ela conheceu:
— Era uma pessoa muito ativa artisticamente e socialmente. Era alguém que fugia do estereótipo do que se esperava de uma mulher de sua época. Essa história me fazia pensar em uma coragem de ser quem você é. Ao mesmo tempo ficava me questionando: o que levou ela a isso, de nunca ter compartilhado sua história com outra pessoa?
A investigação de Joana é conduzida em um ritmo introspectivo e contemplativo, fazendo seus 90 minutos de duração parecerem mais. No processo, a protagonista vai esbarrar no silêncio ou mesmo na repressão de algumas das mulheres da família. Mas terá o apoio da melhor amiga, Carolina (Isabela Bressane), também com 13 anos.
Essa relação e seus desdobramentos convidam a um diálogo de A Primeira Morte de Joana com o filme belga Close (2022), que concorreu ao Oscar internacional. Assim como os garotos Léo e Remi, ambos igualmente com 13 anos, Joana e Carolina estão pressionadas, por um lado, pela confusão emocional típica da puberdade; por outro, pelas convenções sociais.
"Nosso corpo pode ser uma janela para nos conectarmos uns aos outros ou uma chave para nos isolar do mundo", declara Cristiane Oliveira no material de divulgação do filme. "Quando você não se encaixa nos estereótipos sobre como se tornar uma mulher, precisa ter a coragem de criar as próprias referências. Em especial no Rio Grande do Sul, Estado em que eu nasci e cresci, onde a supremacia do homem branco hétero está enraizada na cultura local. A Primeira Morte de Joana lida com essas questões por meio da jornada sensorial de uma jovem de 13 anos, que aprende sobre o amor e sobre si mesma enquanto observa como as mulheres da família vivenciam suas intimidades. É essencial que os jovens recebam informação qualificada sobre gênero e sexualidade como expressões da nossa identidade. O filme surgiu num momento em que os movimentos contrários ao ensino desses temas nas escolas ganham força. Por quê? Assim como Joana mergulha na sua imaginação para encontrar as próprias respostas, a realização desse filme me proporcionou ampliar as possibilidades de diálogos sobre esses temas."