O anúncio dos filmes concorrentes no 52º Festival de Cinema de Gramado e de mais uma atração fora de competição — o primeiro episódio da série Cidade de Deus: A Luta Não Para — aqueceu a manhã geladíssima desta terça-feira (9). Também foi revelado o ganhador da mais tradicional honraria, o Troféu Oscarito, que neste ano será entregue a Matheus Nachtergaele.
Os termômetros na cidade serrana marcavam 3ºC quando, às 10h37min, Rosa Helena Volk, presidente da Gramadotur, autarquia que organiza o Festival de Gramado, e o crítico Marcos Santuário, responsável pela seleção ao lado do ator e diretor Caio Blat, começaram a apresentar os títulos e os homenageados da edição que será realizada de 9 a 17 de agosto. Antes, houve uma notícia ruim, mas que pode ser explicada neste cenário de drástica restrição do tráfego aéreo provocada pela enchente de maio no RS. As disputas de curtas-metragens nacionais e a de documentários só serão realizada via Canal Brasil, com exibições entre os dias 12 e 16. Os competidores serão divulgados no dia 17 de julho, no Hotel Laghetto Stilo, em São Paulo.
— Perdemos por um lado, sem as sessões dos curtas e dos documentários no Palácio dos Festivais, a presença das equipes, os debates, as trocas, mas ganhamos por outro. A experiência durante a pandemia de covid-19 mostrou que as exibições no Canal Brasil aumentam muito o alcance de público desses filmes e atraem atenção também para o Festival de Gramado — afirmou Marcos Santuário no restaurante do hotel Buona Vitta, em Gramado.
Dos mais de mil filmes inscritos, foram selecionados sete longas-metragens nacionais, cinco documentários, 22 curtas brasileiros, cinco longas gaúchos e 16 curtas do RS.
No papel, a competição de longas nacionais promete um páreo duro na briga pelos Kikitos. As produções representam quatro das cinco regiões do país: Centro-Oeste, Nordeste, Sudeste e Sul. Os gêneros são variados — há drama, comédia, faroeste —, e todos os títulos farão no Palácio dos Festivais sua primeira exibição nacional.
— Isso atesta o desejo dos grandes e novos realizadores de apresentar seus filmes aqui, como primeira tela no Brasil. É uma honra e uma alegria saber como o festival se mantém importante no universo cinematográfico nacional. Gramado é um festival onde os filmes nascem, em suas telas e seus debates — comentou Santuário.
Vale ressaltar a presença do olhar feminino: quatro dos sete filmes são dirigidos por mulheres.
Coprodução entre Mato do Grosso do Sul e São Paulo, Cidade; Campo tem a assinatura de Juliana Rojas, coautora, com Marcos Dutra, de Trabalhar Cansa (2011) e As Boas Maneiras (2017). O filme trata da migração entre o meio urbano e o rural em histórias protagonizadas por Fernanda Vianna, Mirella Façanha e Bruna Linzmeyer e valeu a Rojas o troféu de melhor direção na mostra Encounters (dedicada a cineastas independentes) do Festival de Berlim.
Pasárgada (RJ) marca a estreia como diretora da atriz Dira Paes, vencedora do Kikito de melhor coadjuvante por Noite de São João, em 2003, e do prêmio de atriz em curtas nacionais por Ribeirinhos do Asfalto, em 2011. Ela mesma faz o papel principal, o de uma ornitóloga solitária que, durante projeto de pesquisa no meio da floresta, "redescobre sua tropicalidade após conhecer Manuel (Humberto Carrão), um jovem guia que fala a língua dos pássaros e traz à tona seus dilemas como mulher, mãe e profissional".
O Clube das Mulheres de Negócios (SP) promove o retorno a Gramado de Anna Muylaert, realizadora de Durval Discos (2002), vencedor de sete Kikitos, e de É Proibido Fumar (2009), ganhador de oito Candangos no Festival de Brasília, e Que Horas Ela Volta? (2015), laureado em Berlim e em Sundance. Trata-se de uma comédia ambientada em um mundo imaginário onde os estereótipos de gênero estão invertidos. Na trama, conforme Muylaert contou em entrevista em novembro de 2023, "mulheres poderosas, num dia de folga, recebem a visita de dois jornalistas. Uma série de situações absurdas vai revelando questões de gênero e de classe". O elenco inclui Irene Ravache, Louise Cardoso, Grace Gianoukas, Cristina Pereira, Itala Nandi e Polly Marinho.
Representando o Rio Grande do Norte, Filhos do Mangue é dirigido por Eliane Caffé, de Narradores de Javé (2003), que levou nove prêmios Calunga no Festival de Recife. Segundo a sinopse, um homem (Felipe Camargo) aparece ferido e sem memória em uma comunidade ribeirinha. A população o acusa de roubo e, em um julgamento popular, vem à tona uma trama que envolve desvio de verba pública, exploração da prostituição e violência doméstica.
No papel, tem similaridade com Oeste Outra Vez. É outro faroeste de Erico Rassi, diretor de Comeback: Um Matador Nunca se Aposenta (2016). Agora, em um lugar isolado no sertão de Goiás, "homens rudes, incapazes de lidar com suas próprias fragilidades, são constantemente abandonados pelas mulheres que amam. Tristes e amargurados, eles se voltam violentamente uns contra os outros". No elenco, Ângelo Antônio, Babu Santana e Tuanny Araújo.
Os outros dois títulos da competição geram bastante expectativa. Barba Ensopada de Sangue (SP) é a versão do cineasta Aly Muritiba — dos premiados filmes Para Minha Amada Morta (2015), Jesus Kid (2021) e Deserto Particular (2021), do documentário O Caso Evandro (2021) e da série Cangaço Novo (2023-) — para o romance do escritor Daniel Galera, ganhador do Prêmio São Paulo em 2013. O personagem principal é vivido por um dos atores mais badalados do momento, Gabriel Leone, que foi coadjuvante na cinebiografia Ferrari (2023), do veterano Michael Mann, e que vai estrelar a minissérie da Netflix sobre Ayrton Senna. Segundo o resumo divulgado pelo Festival de Gramado, o protagonista com uma condição neurológica que o impede de reconhecer rostos ganhou nome (Gabriel), e o cenário mudou de Garopaba, em Santa Catarina, para a praia da Armação, no litoral paulista. Lá, ele investiga o sumiço de seu avô, uma figura misteriosa e algo mítica, e "uma cidade que quer enterrar seu passado a qualquer custo".
Por fim, teremos a continuação de Estômago (2007), comédia criminal com sabor brasileiro e inspiração italiana que conquistou cinco categorias no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro: melhor filme, diretor, roteiro, ator coadjuvante (Babu Santana) e escolha do público. Em Estômago 2: O Poderoso Chef, o diretor paranaense Marcos Jorge volta a fazer parceria com o ator baiano João Miguel. Agora, Raimundo Nonato é o chef dos chefs na prisão, encantando com sua comida e sua lábia tanto o diretor do presídio quanto o veterano líder dos detentos. Até que um mafioso vindo da Itália aparece no pedaço. O elenco conta com Paulo Miklos, Nicola Siri e Projota.
Filmes gaúchos
A competição de longas-metragens gaúchas também promete. Entre os cinco concorrentes, estão Até que a Música Pare, rodado em Antônio Prado, Nova Roma do Sul, Nova Bassano e Veranópolis por Cristiane Oliveira, diretora dos premiados Mulher do Pai (2016) e A Primeira Morte de Joana (2021), e Memórias de um Esclerosado, documentário no qual o cartunista Rafael Corrêa (que assina a direção com Thais Fernandes) compartilha sua experiência como paciente de uma doença degenerativa, a esclerose múltipla. Esse título foi o grande vencedor do Cine-PE, o Festival de Recife, onde recebeu cinco Calungas, incluindo melhor filme — tanto pelo Júri Oficial quanto pelo Júri Popular —, ator coadjuvante (para o próprio Rafael) e roteiro. Saiba mais sobre esses dois títulos e os outros três longas:
Até que a Música Pare, de Cristiane Oliveira
Depois que o último filho sai de casa, Chiara, matriarca de uma família descendente de italianos, decide acompanhar o marido em suas viagens como vendedor pelos botecos da Serra Gaúcha. Uma tartaruga e baralhos de carta colocarão à prova mais de 50 anos de vida a dois. No elenco, Elisa Volpatto, da série Bom Dia, Verônica.
A Transformação de Canuto, de Ariel Kuaray Ortega e Ernesto de Carvalho
Em uma pequena comunidade Mbyá-Guarani entre o Brasil e a Argentina, todos conhecem o nome Canuto: um homem que muitos anos atrás sofreu a temida transformação em uma onça e depois morreu tragicamente. Agora, um filme está sendo feito para contar a sua história.
Infinimundo, de Bruno Martins e Diego Müller
Em uma cidade fabular, um jovem contador de histórias apaixona-se pela compositora da banda de música local, mas na hora de declarar seu amor pela moça, a cidade é invadida por forasteiros, e ele precisará utilizar de sua destreza e sabedoria para contornar a situação e vivenciar esse grande amor.
Memórias de um Esclerosado, de Thais Fernandes e Rafael Corrêa
Em busca de respostas e um pouco de aventura, o cartunista brasileiro Rafael Corrêa decide fazer um filme para organizar suas memórias e descobrir se a morte de um sapo é a origem de sua doença degenerativa.
Um Corpo Só, de Cacá Nazario
Documentário com elementos de ficção, teatro e delírio que acompanha a trajetória da Tribo de Atuadores Oi Nóis Aqui Traveiz, onde o íntimo e o político são borrados pela possibilidade de entender a imaginação criadora como ferramenta de resistência.
Curtas-metragens gaúchos
Os 16 curtas concorrem em 11 categorias do Troféu Assembleia Legislativa:
- A um Gole da Eternidade (Novo Hamburgo), de Camila de Moraes e Paulo Ricardo de Moraes
- Natal (Santa Maria), de Alan Orlando
- Pastrana (Novo Hamburgo), de Melissa Brogni e Gabriel Motta
- Cassino (Rio Grande), de Gianluca Cozza
- Zagerô (Bagé e Porto Alegre), de Victor Di Marco e Márcio Picoli
- Janeiro (Porto Alegre), de Boca Migotto
- Correnteza (Porto Alegre), de Diego Müller e Pablo Müller
- Não Tem Mar nessa Cidade (Pelotas), de Manu Zilveti
- Chibo (Tiradentes do Sul), de Gabriela Poester e Henrique Lahude
- Flor (Esteio), de Joana Bernardes
- Viagem para Salvador (São Leopoldo e Porto Alegre), de João Pedro Fiuza
- Posso Contar nos Dedos (Pelotas), de Victória Kaminski
- Entrega (Porto Alegre), de Luiz Azambuja e Pedro Presser
- Noz Pecã (Itaqui e Porto Alegre), de Aline Gutierres
- Está Tudo Bem (Porto Alegre), de Rodrigo Herzog
- Envergo mas Não Quebro (Porto Alegre), de Tatiana Sager