Lançado no Festival Internacional da Índia em janeiro de 2021, o filme gaúcho A Primeira Morte de Joana finalmente chega ao circuito comercial. O segundo longa-metragem da diretora Cristiane Oliveira estreia nesta quinta-feira (4) em três cinemas de Porto Alegre: CineBancários, Espaço Bourbon Country e Sala Eduardo Hirtz.
De lá pra cá, o título realizado pela Okna Produções e pela produtora francesa Epicentre Films competiu em outros festivais, como o de San Sebastian (Espanha), o de Atenas (Grécia) e o de Gramado, onde recebeu três Kikitos: melhor fotografia (Bruno Polidoro), melhor montagem (Tula Anagnostopoulos) e o troféu da crítica. Como no seu longa de estreia, o também premiado Mulher do Pai (2016) — ganhou, por exemplo, a categoria de direção no Festival do Rio —, Cristiane volta a retratar um rito de passagem juvenil e volta a olhar para cenários não urbanos do Rio Grande do Sul. Depois da região da Campanha, é a vez de Osório e Santo Antônio da Patrulha.
Escrita pela diretora e por Silvia Lourenço, a trama se passa no verão de 2007, à época da inauguração do Parque Eólico de Osório. Paisagens e sentimentos se misturam: os cata-ventos aludem ao momento de transformação da protagonista, Joana (interpretada com delicadeza por Letícia Kacperski), que, aos 13 anos, está em meio à descoberta da sexualidade e de segredos familiares. Já o lago remete à estagnação dos personagens, presos a dilemas, a tradições, a estereótipos, a preconceitos. E o cruzamento da colonização alemã com a cultura de matriz africana na região possibilita à cineasta trabalhar "como os afetos são atravessados pelas religiões", conforme ela disse em entrevista ao repórter William Mansque, de GZH, às vésperas da estreia de A Primeira Morte de Joana no festival indiano.
Joana vive com sua mãe, a ríspida Lara (Joana Vieira), e sua simpática avó, Norma (Lisa Gertum Becker), que trabalham vendendo cucas. O ponto de partida é a morte de Rosa, tia-avó da adolescente. Dizem que Rosa faleceu sem nunca ter namorado alguém — talvez nem beijado uma boca — ao longo de seus 70 anos de vida. Intrigada, a adolescente empreende uma investigação sobre o passado da parente querida.
Na mesma conversa com William Mansque, Cristiane Oliveira disse que Rosa foi inspirada em uma personagem real que ela conheceu:
— Era uma pessoa muito ativa artisticamente e socialmente. Era alguém que fugia do estereótipo do que se esperava de uma mulher de sua época. Essa história me fazia pensar em uma coragem de ser quem você é. Ao mesmo tempo ficava me questionando: o que levou ela a isso, de nunca ter compartilhado sua história com outra pessoa?
A investigação de Joana é conduzida em um ritmo introspectivo e contemplativo, fazendo seus 90 minutos de duração parecerem bem mais. No processo, a protagonista vai esbarrar no silêncio ou mesmo na repressão de algumas das mulheres da família. Mas terá o apoio da melhor amiga, Carolina (Isabela Bressane), também com 13 anos.
Essa relação e seus desdobramentos convidam a um diálogo de A Primeira Morte de Joana com o filme belga Close (2022), que concorreu ao Oscar internacional. Assim como os garotos Léo e Remi, ambos igualmente com 13 anos, Joana e Carolina estão pressionadas, por um lado, pela confusão emocional típica da puberdade; por outro, pelas convenções sociais.
"Nosso corpo pode ser uma janela para nos conectarmos uns aos outros ou uma chave para nos isolar do mundo", declara Cristiane Oliveira no material de divulgação do filme. "Quando você não se encaixa nos estereótipos sobre como se tornar uma mulher, precisa ter a coragem de criar as próprias referências. Em especial no Rio Grande do Sul, Estado em que eu nasci e cresci, onde a supremacia do homem branco hétero está enraizada na cultura local. A Primeira Morte de Joana lida com essas questões por meio da jornada sensorial de uma jovem de 13 anos, que aprende sobre o amor e sobre si mesma enquanto observa como as mulheres da família vivenciam suas intimidades. É essencial que os jovens recebam informação qualificada sobre gênero e sexualidade como expressões da nossa identidade. O filme surgiu num momento em que os movimentos contrários ao ensino desses temas nas escolas ganham força. Por quê? Assim como Joana mergulha na sua imaginação para encontrar as próprias respostas, a realização desse filme me proporcionou ampliar as possibilidades de diálogos sobre esses temas."