Está pintando o título que pode levar o Brasil de volta ao Oscar internacional, depois de 26 anos. O novo filme do diretor Walter Salles, Ainda Estou Aqui (2024), que traz no elenco Fernanda Torres, Selton Mello e Fernanda Montenegro, foi selecionado para a competição oficial do 81º Festival de Cinema de Veneza, que será realizado de 28 de agosto a 7 de setembro. É a terceira vez que o cineasta brasileiro participa da mostra italiana, onde concorreu em 2001, com Abril Despedaçado, e foi homenageado em 2009, com o prêmio Robert Bresson, pelo conjunto de sua obra.
Ainda Estou Aqui é o primeiro filme Original Globoplay, produzido por VideoFilmes, RT Features e Mact Productions, em coprodução com ARTE France e Conspiração. Com roteiro assinado por Murilo Hauser e Heitor Lorega, é inspirado no livro homônimo lançado em 2015 por Marcelo Rubens Paiva, sobre a história de sua família.
A sinopse do filme diz o seguinte: "Rio de Janeiro, início dos anos 1970, quando o país enfrenta o acirramento da ditadura militar. Estamos no centro de uma família, os Paiva: um pai, Rubens (papel de Selton Mello), uma mãe, Eunice (vivida por Fernanda Torres), e seus cinco filhos. Vivem numa casa alugada em frente à praia, de portas abertas para os amigos. O amor pela música e pelas conversas, o humor e o afeto que compartilham entre si são suas próprias formas sutis de resistência à opressão que paira sobre o país.
Um dia eles sofrem um ato violento e arbitrário que irá mudar para sempre sua história (a prisão, o desaparecimento, a tortura e o assassinato de Rubens Paiva, engenheiro civil e deputado federal cassado durante a ditadura militar). Eunice é obrigada a se reinventar e traçar um novo destino para si e seus filhos. A história emocionante dessa família, baseada no livro biográfico de Marcelo Rubens Paiva, ajudou a redefinir a história recente do país".
No material de divulgação, Walter Salles comentou:
— Estamos felizes de ir a Veneza com um filme tão pessoal. O livro de Marcelo me marcou profundamente, e nos convida a olhar essa história do ponto de vista de sua mãe, Eunice. No centro desse relato há uma mulher que teve que se reinventar e romper com os laços patriarcais das famílias brasileiras. Eunice, em sua contenção, traça uma forma de resistência incomum. O livro e o filme podem ser vistos como um relato sobre a reconstrução de uma memória individual conduzida por essa mulher, que se sobrepõe à busca pela reconstrução da memória de um país, o Brasil. Essa sobreposição entre o pessoal e o coletivo é uma das razões pelas quais quis fazer este filme. A busca da família Paiva se confunde com a luta pela redemocratização do Brasil.
Este é o primeiro longa-metragem de Salles, 68 anos, desde o documentário Jia Zhangke, um Homem de Fenyang (2014). Ainda Estou Aqui promove um duplo reencontro. O diretor volta a trabalhar com Fernanda Torres, atriz de Terra Estrangeira (1995) e O Primeiro Dia (1998), ambos codirigidos por Daniela Thomas. Na maturidade, a personagem Eunice é encarnada justamente pela mãe de Fernanda Torres, Fernanda Montenegro, a protagonista de Central do Brasil (1998), que disputou o Oscar nas categorias de melhor filme internacional (foi nosso último representante) e melhor atriz, ganhou o Urso de Ouro no Festival de Berlim, o Globo de Ouro de longa estrangeiro e o Bafta de produção em língua não inglesa.
Como se pode ver nos parágrafos acima, há um conjunto de fatores que impulsionam a candidatura de Ainda Estou Aqui para ser o representante do Brasil na briga por uma vaga no Oscar 2025 de filme internacional. Além da conexão com Central do Brasil, há o tema da ditadura militar (presente na penúltima vez que o país competiu, na premiação de 1998, com O que É Isso, Companheiro?) visto na perspectiva de um drama familiar (como em O Ano em que meus Pais Saíram de Férias, o último título nacional a chegar nas semifinais, na edição de 2008). Pesa a favor o próprio nome de Walter Salles, cineasta com prestígio no Exterior (vale lembrar que, em 2005, Diários de Motocicleta, cinebiografia da juventude de Che Guevara, recebeu da Academia de Hollywood a estatueta dourada de melhor canção, para Al Otro Lado del Río, de Jorge Drexler, e foi indicado também na categoria de roteiro adaptado, por Jose Rivera).
Acrescente-se que o filme participará, de 5 a 15 de setembro, do Festival de Toronto, no Canadá, o TIFF, considerado um dos principais termômetros para o Oscar. E Ainda Estou Aqui já tem garantida distribuição nos Estados Unidos, o que também ajuda em uma eventual campanha pela indicação. Será pela Sony Pictures Classics, a mesma que trabalhou mundialmente Central do Brasil.
Tomara que a qualidade de Ainda Estou Aqui fique à altura da expectativa gerada — e que o filme estreie comercialmente no nosso país até 30/9, para ser elegível. Daí, a comissão de seleção da Academia Brasileira de Cinema terá pelo menos um forte candidato na escolha a ser feita em setembro. Já a Academia de Hollywood revela a lista de semifinalistas do Oscar internacional no dia 17 de dezembro. Os indicados saem em 17 de janeiro de 2025, e a cerimônia está marcada para 2 de março.