O Dia do Cinema Brasileiro é comemorado duas vezes.
O 5 de novembro lembra a exibição pública inaugural: em 1896, foram projetados oito curtas-metragens para a elite do Rio de Janeiro, na Rua do Ouvidor. No dia 19 de junho de 1898, Affonso Segretto, a bordo de um navio vindo da Itália, registrou as primeiras imagens em movimento no país — sua chegada à Baía da Guanabara.
Para marcar essa data, a Netflix disponibiliza nesta quarta-feira (19) em seu menu uma série de filmes nacionais, incluindo cinco clássicos: Rio, 40 Graus (1955), Vidas Secas (1963), São Paulo Sociedade Anônima (1965), Central do Brasil (1999) e Jogo de Cena (2007). A coleção foi batizada como Simplesmente Cinema Brasileiro e traz também os mais recentes Uma Noite em 67 (2010), Aquarius (2016) e Pacarrete (2020).
1) Rio, 40 Graus (1955)
De Nelson Pereira dos Santos. Entusiasta do neorrealismo italiano, que investia em dramas sociais rodados nas ruas das cidades ainda sob escombros da Segunda Guerra Mundial, o diretor realizou esta obra semidocumental. O filme acompanha um domingo escaldante na vida de cinco garotos de uma favela que tentam vender amendoim em Copacabana, no Pão de Açúcar e no Maracanã.
Movido por suas convicções humanistas e pela militância comunista, Nelson escreveu o roteiro propondo um recorte vertical da narrativa, observando a cidade do morro ao asfalto. Com atores em sua maioria amadores, fez do filme, realizado em regime de cooperativa, uma colagem de situações expondo degradação social, violência, corrupção e miséria a contrastar com as imagens do paraíso turístico. Assim, quebrou paradigmas: até então, a cinematografia brasileira vinha calcada nas ingênuas chanchadas da Atlântida e nos solenes melodramas da Vera Cruz. Na contramão do artificialismo copiado de Hollywood, o cineasta encarou as limitações técnicas e orçamentárias para filmar tudo em locações. E desafiou o racismo ao destacar atores negros em primeiro plano.
2) Vidas Secas (1963)
De Nelson Pereira dos Santos. A adaptação do romance de Graciliano Ramos sobre a família do retirante Fabiano (Átila Iório) e sua cachorrinha, Baleia, que partem pelo sertão em busca de melhores condições de vida, compõe a Trilogia do Sertão com Deus e o Diabo na Terra do Sol (de Glauber Rocha, 1964) e Os Fuzis (Ruy Guerra, 1963). No Festival de Cannes, o realismo da cena da morte de um animal chocou a imprensa e o público. Está na seleção do livro 1001 Filmes para Ver Antes de Morrer e, em 2015, foi apontado pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) como o terceiro melhor filme brasileiro.
3) São Paulo Sociedade Anônima (1965)
De Luis Sérgio Person. Mostra o processo de industrialização do país partir dos anos 1950 puxado pelo setor automotivo. Walmor Chagas vive um melancólico trabalhador de fábrica de autopeças que encara um impasse existencial diante da pressão por ser bem-sucedido e montar uma família.
4) Central do Brasil (1999)
De Walter Salles. É um dos mais famosos títulos do cinema brasileiro: ganhou o Urso de Ouro de melhor filme e o Urso de Prata de melhor atriz (Fernanda Montenegro) no Festival de Berlim, recebeu o Globo de Ouro de longa estrangeiro e concorreu ao Oscar nas categorias de filme internacional e melhor atriz. Visto por mais de 1,1 milhão de pessoas nos cinemas, Central do Brasil conta a história do menino Josué (Vinícius de Oliveira), que, depois da morte de sua mãe, inicia uma jornada para reencontrar o pai que ele não conhece. No seu caminho aparece Dora (Fernanda Montenegro), uma professora aposentada que sobrevive escrevendo cartas para analfabetos na estação carioca. O elenco inclui Marília Pêra, Othon Bastos, Otávio Augusto, Caio Junqueira e Stella Freitas.
5) Jogo de Cena (2007)
De Eduardo Coutinho. Com as presenças de Marília Pêra, Fernanda Torres e Andréa Beltrão, "este já nasceu clássico", brincou meu amigo Marcelo Perrone, que foi crítico durante muitos anos em Zero Hora. E assim escreveu meu colega Daniel Feix: "Esta obra-prima do cinema nacional, que apresenta depoimentos de mulheres comuns reencenados por atrizes famosas (ou vice- versa, descubra se conseguir), demarca um passo definitivo na pesquisa de linguagem de seu diretor rumo à fronteira incerta entre documentário e ficção. Antes, em filmaços como Santo Forte (1999, também disponível na Netflix) e Edifício Master (2002), Coutinho (1933-2014) emocionou o público apresentando histórias reais de grandes personagens. Ao fazer Jogo de Cena, debatia-se sobre o que causava essa emoção. Ao instaurar a dúvida sobre a verdade dos depoimentos apresentados, embaralhou a cabeça do espectador. E provocou outro tipo de epifania".