A lista para este fim de semana não traz exatamente aqueles que considero os melhores filmes de todos os tempos. Mas são títulos que eu não me canso de ver — e que talvez não me cansasse de ficar assistindo repetidamente caso fosse condenado a viver em uma ilha deserta.
Por garantia, para reduzir o risco de me entediar, procuraria misturar gêneros na mala virtual. Tem um pouco de tudo: policial, comédia, terror, clássico, documentário, drama romântico, ficção científica, desenho animado... E a seleção contempla muitos dos meus diretores prediletos.
Como a ideia da coluna é, sempre que possível, servir de guia sobre o que ver nas plataformas de streaming, precisei deixar de fora alguns dos meus filmes preferidos, como a dobradinha bergmaniana Morangos Silvestres (1957) / O Sétimo Selo (1957), Excalibur (1981), de John Boorman, Zelig (1983), de Woody Allen, Depois da Vida (1998), de Hirokazu Kore-eda, A Hora do Show (2000), de Spike Lee, e Oldboy (2003), de Park Chan-wook, todos atualmente indisponíveis.
Ah, sim: a trilogia O Poderoso Chefão, rodada entre 1972 e 1990 por Francis Ford Coppola e disponível em HBO Max e Paramount+, é hors-concours.
1) Crepúsculo dos Deuses (1950)
Assim escreveu Roger Lerina em Zero Hora quando o diretor Billy Wilder morreu, aos 95 anos, em 2002: "O sistema de estrelas que movimentou a fábrica de sonhos hollywoodiana até meados dos anos 1950 é mostrado em seus estertores: atores e cineastas da velha guarda colocados de lado, roteiros originais trocados por fórmulas de sucesso, vulgaridade no lugar de bom gosto, pipoca em vez de cinefilia. Tudo isso narrado retrospectivamente por um roteirista morto, boiando na piscina de uma mansão decadente de Sunset Boulevard". Foi um pecado Sunset Boulevard (título original) ter saído da festa do Oscar com apenas três estatuetas (roteiro, direção de arte em preto e branco e música). Concorreu também a melhor filme, diretor, ator (William Holden), atriz (Gloria Swanson, praticamente resgatada do limbo), ator coadjuvante (Erich von Stroheim, diretor na época do cinema mudo), atriz coadjuvante (Nancy Olson) e fotografia em preto e branco. O elenco inclui Cecil B. DeMille, Buster Keaton e Hedda Hopper vivendo seus próprios papéis. (Belas Artes à La Carte, canal Telecine do Globoplay e para aluguel em Amazon Prime Video, Apple TV e Google Play)
2) O Iluminado (1980)
A versão do diretor Stanley Kubrick para um romance do escritor Stephen King é um dos marcos da história do cinema a ser visto e revisto. E é também um dos mais notórios casos no debate sobre adaptações de obras literárias. Basicamente, King, 75 anos completados em setembro, reclama da falta de fidelidade por parte de Kubrick (1928-1999), especialmente em relação ao protagonista. No livro, o aspirante a escritor Jack Torrance é um bom pai que, aos poucos, vai sucumbindo ao alcoolismo e ao isolamento no Overlook, um hotel assombrado nas montanhas do Colorado, nos EUA, onde ele vai trabalhar como zelador durante os cinco meses em que o lugar fica fechado por causa da neve. No filme, a bebida mal aparece, e desde os primeiros minutos o personagem interpretado por Jack Nicholson é detestável. Mas um detestável adorável, né? Somos capazes de decorar e repetir todas as suas falas e seus trejeitos enquanto começa a surtar e a ameaçar sua esposa e seu filho pequeno e sensitivo (daí o "iluminado" do título) — Wendy (Shelley Duvall, excelente no papel) e Danny (Danny Lloyd, em seu único trabalho de ator). (HBO Max e para aluguel em Amazon Prime Video, Apple TV e Google Play)
3) Touro Indomável (1980)
A longa e potente parceria entre o diretor Martin Scorsese e o ator Robert De Niro não poderia ficar de fora. Em um preto e branco deslumbrante, o cineasta retrata a ascensão e a queda do boxeador Jake LaMotta (1922-2017), papel que rendeu o Oscar a De Niro. A cena da luta pelo título contra Sugar Ray Robinson consegue ser a um só tempo linda, violenta e repugnante. Mostra a incapacidade do protagonista de reconhecer a derrota. Sustentado pelas cordas, o pugilista permite que Robinson bata até desfigurar seu rosto e jorrar sangue pelo ringue e na plateia — mas, como LaMotta provoca ao final, ele nunca caiu. Trata-se de uma aula de direção, trabalho de câmera, edição (também premiada com o Oscar) e efeitos sonoros. Touro Indomável concorreu ainda aos troféus de melhor filme, diretor, ator coadjuvante (Joe Pesci), atriz coadjuvante (Cathy Moriarty), fotografia e som. (Amazon Prime Video, MGM e para aluguel em Apple TV e Google Play)
4) Um Tiro na Noite (1981)
Este é um filme que Quentin Tarantino também levaria para uma ilha deserta, como o cineasta falou à época do lançamento de Pulp Fiction (1994). Trata-se de um exitoso fracasso. Produzido ao custo de US$ 20 milhões, Um Tiro na Noite arrecadou US$ 13,8 milhões, a despeito das críticas positivas dos prestigiados Roger Ebert e Pauline Kael. Reza a lenda que a propaganda boca a boca sobre o tom desolador do final arruinou as pretensões comerciais. E tampouco o título foi lembrado na temporada de premiações — uma constante na carreira do diretor Brian De Palma, que nunca concorreu ao Oscar.
No filme, De Palma mistura Blow-Up (1966), de Michelangelo Antonioni, e A Conversação (1972), de Francis Ford Coppola; reflete sobre o assassinato do presidente John F. Kennedy, em 1963 — o grande trauma político dos Estados Unidos — e sobre o próprio ofício cinematográfico; e exibe seus temas e seus maneirismos: a culpa, a conspiração, o voyeurismo, a presença masculina como uma ameaça às mulheres, os planos-sequência, o uso do split focus (literalmente, foco dividido), a montagem que parte a tela em duas etc. Na trama, John Travolta interpreta Jack Terry, um técnico de efeitos sonoros que, sem querer, registra um acidente de carro, do qual salva uma moça encarnada por Nancy Allen. Ao ouvir suas gravações, o sonoplasta se descobre testemunha de um possível atentado político e passa a tentar reconstituir os acontecimentos daquela noite. (MGM e para aluguel em Google Play)
5) Monstros S.A. (2001)
Poderiam ser todos da Pixar os filmes a levar para uma ilha deserta. O meu escolhido não é necessariamente o que considero melhor, repito, mas aquele pelo qual, desde que estreou, nutro um enorme carinho — renovado quando vi com a Helena, hoje com quase 13 anos, e depois com a Aurora, nove. Dirigido por Pete Docter, Monstros S.A. aborda o maior de todos os medos infantis. Os personagens Sulley (grande, com chifres e pelo azul) e Mike (uma espécie de bola verde com um olho apenas) têm a missão de assustar as crianças para gerar energia em seu mundo. A graça é que, ao conhecerem a menininha Boo, eles descobrem que fazer rir é muito mais vantajoso. (Disney+)
6) Edifício Master (2002)
Vencedor da Mostra Internacional de São Paulo, do Festival de Gramado e menção honrosa em Havana, foi um dos grandes documentários deixados pelo paulistano Eduardo Coutinho. O diretor e sua equipe visitam um antigo e tradicional prédio de Copacabana, no Rio, e revelam condôminos como Daniela, uma professora de Inglês que viveu oito anos fora do Brasil e sofre de fobia social. Ou o viúvo aposentado Henrique, que se apropriou da canção My Way como lema de vida. Ou ainda a jovem Alessandra, que se assume como mentirosa, mas garante que só disse a verdade diante da câmera. Coutinho tinha a habilidade para encontrar e ouvir o que chamava de "pessoas interessantes": "Se a pessoa consegue se expressar com força, do ponto de vista do vocabulário, da sintaxe, da construção da frase e, ao mesmo tempo, entra no jogo, porque a entrevista é um teatro, um jogo, essa é uma pessoa interessante", disse ao jornalista Eduardo Veras, de ZH, em 2005. (Globoplay e Looke)
7) Match Point (2005)
O próprio Woody Allen considera este suspense existencial um de seus melhores filmes. Certamente é o mais sensual e o mais trágico — não à toa, a tradicional trilha de jazz de suas comédias românticas foi substituída por árias de ópera, gênero que sempre associou desejo sexual à fatalidade. E, em vez de Nova York, estamos em Londres. O protagonista é o ex-tenista Chris Wilton (Jonathan Rhys Meyers), irlandês de origem humilde que, desde as primeiras cenas, demonstra um distorcido senso de moral: "Prefiro ter sorte a ser bom". Ao ser contratado para dar aulas em um clube, ele vê em Tom Hewett (Matthew Goode) sua porta de entrada para a alta sociedade londrina. Como em Teorema (1968), de Pasolini, Chris seduz a família Hewett — há uma sugestão homoerótica na aproximação a Tom, e logo ele passa a namorar a irmã dele, Chloe (Emily Mortimer). O paraíso, porém, guarda uma serpente: Nola (Scarlett Johansson), uma jovem dos EUA aspirante a atriz e noiva do amigo rico. (Amazon Prime Video)
8) A Origem (2010)
Este é um filme que vale a pena ver mais de uma vez — para tentar decifrar o que é sonho e o que é realidade, para comprovar ou não as teorias elaboradas pelos fãs, para identificar a coleção de referências, para admirar o engenho técnico. Vencedor de quatro Oscar (melhor fotografia, efeitos visuais, edição de som e mixagem de som) e indicado a outras quatro estatuetas (incluindo melhor filme e roteiro original, assinado pelo diretor, Christopher Nolan), A Origem conquistou, simultaneamente, bolsos e cabeças — um fato raro, convenhamos. Arrecadou US$ 828,3 milhões abordando temas que são um prato cheio para psicanalistas: a interpretação dos sonhos. Os arquivos secretos nos escaninhos da mente. As projeções que fazemos de quem nos cerca e de nós mesmos. Os pontos de fuga em um mundo interior. A engenharia da identidade. A tênue fronteira entre memória e imaginação. Os mecanismos de defesa do inconsciente. A culpa que atormenta a consciência. A realidade como uma construção mental.
Na sua única parceria com o cineasta, Leonardo DiCaprio interpreta Dom Cobb, um ladrão de sonhos — um Extrator. É capaz de penetrar na mente das pessoas enquanto elas estão dormindo para roubar segredos industriais. O sucesso de Cobb exige um preço alto: ele se tornou um fugitivo internacional, um sujeito impedido de voltar para casa. Como em qualquer filme de bandido, o protagonista tem a chance de se redimir com "um último trabalho". É recrutado não para um furto, mas para o oposto: uma inserção (a inception do título original), ou seja, plantar uma ideia na cabeça do herdeiro de uma megacorporação, Robert Fischer (Cillian Murphy). Precisa transformar uma emoção em uma decisão racional. Para a missão, Cobb e seu parceiro Arthur (Joseph Gordon-Levitt) devem convocar uma equipe que inclui um Arquiteto, o responsável por fabricar o cenário onírico, que deve ser o mais labiríntico possível — quanto mais difícil o caminho de volta, mais a vítima custa a acordar. (HBO Max, NOW e para aluguel em Amazon Prime Video, Apple TV e Google Play)
9) Drive (2011)
Assinado pelo dinamarquês Nicolas Winding Refn (prêmio de melhor direção no Festival de Cannes), Drive é um sofisticado exercício estilístico sobre um arquétipo recorrente em Hollywood: o do homem calado e calejado, às vezes travestido de justiceiro, noutras de criminoso, não raramente mocinho e bandido na mesma persona. O protagonista encarnado pelo canadense Ryan Gosling não tem nome. Ganha a vida pilotando carrões para bandos de assaltantes em fuga ou como dublê em cenas de perseguição em produções cinematográficas. É um sujeito deslocado, que se apega a uma jovem mãe (a inglesa Carey Mulligan) sem entender ao certo o que sente. Mas é por ela que se envolve numa ciranda típica dos filmes de roubo, em que um erro sucede o outro e a violência explode. Só que, quando isso acontece, já estamos embarcados na carona, embalados pela trilha sonora e admirando a paisagem produzida pela combinação de visual retrô, fusões de imagens e cenas em câmera lenta. (Amazon Prime Video, Belas Artes à La Carte e Netflix)
10) Relatos Selvagens (2014)
Embora eu seja muito fã de Quanto Mais Quente Melhor (1959), Um Convidado Bem Trapalhão (1968), Apertem os Cintos... O Piloto Sumiu! (1980) e O Virgem de 40 Anos (2005), acredito que seria melhor levar para a ilha deserta uma comédia mais contemporânea, menos vista por mim e nada linear — de modo que eu pudesse assistir a uma história por vez, para demorar a enjoar. Indicada ao Oscar de melhor filme internacional, a obra do argentino Damián Szifron apresenta seis episódios independentes, um deles protagonizado por Ricardo Darín. Ele faz um engenheiro especializado em implosões, mas que explode diante da burocracia e do pouco caso que os serviços públicos dispensam ao contribuinte. Entre as outras histórias, uma se passa em um avião, onde revela-se que todos os passageiros são desafetos do piloto, e outra em uma festa de casamento, onde a noiva descobre que o noivo é amante de uma das convidadas. Os personagens vão até as últimas consequências, sem se preocuparem com a moral nem a lei, proporcionando um riso catártico do espectador. O filme causa gargalhadas em cenas que deveria chocar, mas não exclui o comentário social: mostra como nossa ilusão de civilização está sempre por um fio, ainda mais nesses tempos em que as redes sociais contribuíram para a agressividade e as polarizações. (HBO Max e para aluguel em Google Play)
11) Parasita (2019)
A trama do diretor sul-coreano Bong Joon-ho sobre uma família pobre que se infiltra na casa de uma família rica começa como comédia farsesca. Depois, com um misto de fluidez e imprevisibilidade, deriva para o thriller de suspense, para o drama com crítica social, para o terror urbano, até que tudo se embaralha. Essa transição entre gêneros e entre tons (da caricatura à gravidade) é um dos trunfos neste filme sobre a desigualdade que se tornou a primeira produção não falada em inglês a conquistar a principal estatueta no Oscar, além de faturar outros 307 prêmios, incluindo a Palma de Ouro no Festival de Cannes. (canal Telecine do Globoplay, NOW e para aluguel em Apple TV e Google Play)
12) Retrato de uma Jovem em Chamas (2019)
Não poderia faltar na lista um filme ambientado em uma ilha. Escrito e dirigido pela francesa Céline Sciamma, Retrato de uma Jovem em Chamas se passa em 1776, quando uma pintora (Noémie Merlant) é contratada para retratar uma garota (Adèle Haenel) prometida em casamento para um cavalheiro de Milão. A artista e a musa se apaixonam, mas esse romance precisa ser nutrido em silêncio. Aliás, o som ambiente é uma das virtudes da obra vencedora do prêmio de melhor roteiro e da Palma Queer no Festival de Cannes. O crepitar de uma lareira ou o estouro das ondas marcam cenas — o fogo como símbolo do desejo que cresce, o mar bravio como símbolo da perturbação emocional das personagens. (canal Telecine do Globoplay, NOW e para aluguel em Apple TV e Google Play)