A Tela Quente desta segunda-feira (17) hoje é imperdível. A partir das 22h40min, na RBS TV, vai ao ar Parasita (Gisaengchung, 2019), a primeira produção não falada em inglês a conquistar o Oscar de melhor filme. Foi o ápice de uma trajetória triunfante, com um total de 308 prêmios — nenhum tem mais troféus entre os ganhadores da estatueta dourada no século 21 (e é possível que em toda a história).
A coleção de Parasita inclui outros três Oscar — melhor direção (o sul-coreano Bong Joon-ho), roteiro original (coescrito pelo cineasta com Han Jin-wan) e longa internacional —, a Palma de Ouro no Festival de Cannes, dois Baftas (entregues pela Academia Britânica), o César (da França), o David di Donatello (da Itália), o Globo de Ouro de obra estrangeira, o Independent Spirit Awards e o troféu de elenco do Sindicato dos Atores dos EUA.
Na premiação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, Parasita alcançou um lugar na história ao qual outros 10 filmes haviam chegado perto. A lista conta com A Grande Ilusão (1937), do francês Jean Renoir, Z (1970), do grego Costa-Gavras, A Vida É Bela (1998), do italiano Roberto Benigni, O Tigre e o Dragão (2000), do taiwanês Ang Lee, Amor (2012), do austríaco Michael Haneke, e Roma (2018), do mexicano Alfonso Cuarón. A comédia romântica francesa O Artista (2011) venceu o Oscar, mas essa é muda, vale lembrar. Após o longa-metragem sul-coreano, o japonês Drive my Car (2021) também concorreu na principal categoria.
Esse passado cheio de títulos clássicos e nomes consagrados só engrandece o feito de Joon-ho, que em Parasita volta a retratar o fosso que separa os ricos e os pobres — como no distópico Expresso do Amanhã (2013) — e a transitar entre gêneros: vai da comédia farsesca ao drama com crítica social, passando pelo thriller policial e flertando com o terror urbano. O diretor já havia demonstrado essa habilidade em O Hospedeiro (2006), uma ficção científica sobre monstros que se faz acompanhar por humor ácido e comentário político, e Okja (2017), que mescla fábula Disney, discurso ambientalista e sátira ao capitalismo globalizado.
Em Parasita, a combinação de conteúdo e forma traz um frescor e um vigor únicos à história de uma família de desempregados que enxerga uma chance de ascensão quando o filho ganha a oportunidade de se passar por professor de inglês para a filha adolescente de um casal abastado.
Revelar mais sobre a sinopse seria estragar a experiência do espectador. Porque há uma virada de roteiro — um plot twist— realmente inesperada, que conduz o filme a caminhos bem distintos daqueles que poderíamos ter vislumbrado.
O que dá para dizer, sem avançar no sinal, é que os quatro personagens principais formam a família Kim, que busca, literalmente, um lugar ao sol — eles moram em uma casa onde quase metade do pé-direito fica abaixo do nível da rua. Às vezes, sua "vista" é atrapalhada por um bêbado urinando na sarjeta. O quarteto se sustenta à base de bicos, como montar embalagens de pizza, caçam o wi-fi da vizinhança e mal se incomodam quando o inseticida aplicado nas calçadas entra pela janela — "Dedetização grátis!", diz o pai.
Em um mundo onde, à época da estreia do filme, os 26 mais ricos somavam o mesmo patrimônio dos 3,8 bilhões mais pobres, Parasita não tem pudor em apontar para quem devemos estender nossa empatia. Sim, os protagonistas são moralmente ambíguos (como de hábito no cinema da Coreia do Sul), fazem trambiques e tomam algumas atitudes drásticas. Mas pai, mãe, filho e filha são unidos, riem juntos, esforçam-se para estarem sempre perto uns dos outros, ao contrário da família da mansão onde Ki-woo vai dar aulas de inglês, os Park, que quase nunca aparece reunida e que trata as pessoas como produtos descartáveis — demitir alguém que trabalha há anos para eles não provoca dor de cabeça.
Aliás, os ricos vivem tão despreocupadamente que acabam alheios à pobreza que os rodeia. A não ser que os miseráveis estejam debaixo de seu nariz. Ah, aí o preconceito vem à tona — a certa altura, Dong-ik, empresário do ramo da tecnologia, reclama do "cheiro de rabanete velho" que sente quando precisa usar o metrô. Para quem viu a adaptação cinematográfica do seriado Downton Abbey, Parasita é uma espécie de contraponto. Se no filme britânico empregados brigam pela honra de servir a realeza, no filme sul-coreano pobres duelam entre si pela sobrevivência, mesmo que isso signifique subserviência, insalubridade e exploração de sua mão de obra. Se em Downton Abbey os patrões são amistosos, a ponto de a indiscrição de um valete gerar não mais do que um olhar de espanto, em Parasita o senhor do castelo deixa claro que há fronteiras a serem respeitadas: "Não suporto pessoas que cruzam o limite".
Os cenários e os enquadramentos foram bastante planejados para ilustrar e reforçar os pontos citados acima. Os Kim moram todos apertados, isto é, estão muito próximos. A casa dos Park tem espaços abertos, quase vazios, simbolizando a falta de calor humano entre os integrantes da família. Merece destaque, como bem apontou o crítico Inácio Araújo na Folha de S. Paulo, o buraco negro que delimita, na mansão, o espaço dos ricos, o que inclui uma sala com ampla iluminação natural, e o dos pobres, subterrâneo e escuro.
O que os Kim querem, como todos nós queremos, é uma vida melhor. Mas o pai, Ki-taek, já é velho o suficiente para ter sofrido as consequências do apartheid social retratado em Parasita. Já anulou seus sonhos em troca de uma resignação, digamos, otimista:
— Se você faz um plano, a vida nunca funciona assim. O melhor plano é não ter planos. Sem planos, nada pode dar errado. Se algo fugir do controle, não importa.