Sem resvalar para o spoiler, há pelo menos sete acertos em Missão: Impossível — Acerto de Contas: Parte 1 (Mission: Impossible — Dead Reckoning: Part One, 2023), filmaço de ação dirigido por Christopher McQuarrie e estrelado por Tom Cruise que é um dos títulos mais vistos na Netflix. Nesta segunda-feira (17), ocupava o segundo lugar no top 10 da plataforma de streaming.
Antes, porém, vale ressaltar um aviso dado no subtítulo: o final é sem fim. Só o conheceremos em maio de 2025, quando estrear M:I 8. O diretor disse que a história estava extensa demais para encaixar em um único longa-metragem — mesmo que com 163 minutos de duração — e que queria dar tempo para o desenvolvimento emocional dos muitos personagens.
Mas talvez o principal objetivo fosse econômico: maximizar o faturamento nas bilheterias. Havia expectativa alta, motivada pelo passado recente da franquia e pelo sucesso estrondoso da aventura anterior protagonizada por Tom Cruise, Top Gun: Maverick (2022), que arrecadou US$ 1,49 bilhão e concorreu ao Oscar de melhor filme. Missão: Impossível 7 fez um bom dinheiro nos cinemas, US$ 567,5 milhões, mas ficou abaixo dos três predecessores: Protocolo Fantasma (2011), com US$ 694,7 milhões, Nação Secreta (2015), com US$ 682,7 milhões, e Efeito Fallout (2018), com US$ 791,6 milhões. No total, a cinessérie soma US$ 4,1 bilhões.
Abaixo, listei sete atrações do filme:
1) A trama sobre um tema quente
O diretor Christopher McQuarrie — realizador dos dois filmes anteriores da franquia, Nação Secreta (2015) e Efeito Fallout (2018) — e o roteirista Erik Jendresen (da série Band of Brothers) começaram a escrever Acerto de Contas antes da pandemia de covid-19. Calhou de a estreia coincidir com um momento em que o mundo discute os riscos da inteligência artificial — a grande vilã do filme.
Na trama, o agente secreto Ethan Hunt (Tom Cruise) aceita a missão de encontrar uma chave que pode controlar uma IA capaz de destruir a verdade como a conhecemos. Modifica identidades, reescreve o passado, comete fraudes financeiras, gerencia armas nucleares...
2) A cutucada em Hollywood
Por um lado, M:I 7 reforça como somos dependentes ou mesmo reféns da realidade digital. Por outro, enaltece como virtude uma "falha" de Ethan Hunt, a de sempre priorizar as pessoas em detrimento das missões a cumprir. É uma dupla estocada na subserviência das superproduções de Hollywood à computação gráfica — Tom Cruise é um defensor ardoroso do fator humano, por isso que, mesmo sessentão, segue dispensando dublês nas cenas de ação. E o combate a um algoritmo do mal espelha a postura do astro em relação ao streaming: ele disse que nunca cogitou lançar seus filmes diretamente nas plataformas, porque "são feitos para a tela grande" e porque e reverencia a comunhão do público na sala de cinema, uma experiência impossível de repetir na sala de casa.
3) O superelenco feminino
Na história da franquia, nunca houve um filme com tantas personagens femininas proeminentes.
Interpretada pela atriz sueca Rebecca Ferguson, de Duna (2021), Duna: Parte 2 (2024) e da série Silo (2023), a rebelde agente britânica Ilsa Faust aparece pela terceira vez, após estrear em Nação Secreta e firmar-se em Efeito Fallout.
Desse longa-metragem, também retorna Alanna Mitsopolis, a Viúva Branca, uma negociadora de armas e segredos de Estado, que herdou os negócios da mãe, Max (Vanessa Redgrave), de Missão: Impossível (1996), e é encarnada pela inglesa Vanessa Kirby, indicada ao Oscar por Pieces of a Woman (2020).
Outra atriz inglesa, Hayley Atwell, a Peggy Carter do Universo Cinematográfico Marvel, faz em Acerto de Contas o papel de Grace, ladra que literalmente rouba a cena. Desde seu primeiro encontro com Ethan Hunt, Atwell exala uma mistura irresistível de charme e ironia, de agilidade e fragilidade (dirigir, por exemplo, não é sua praia).
O quarteto fantástico de mulheres é completado por mais um nome egresso da Marvel: a francesa Pom Klementieff. Aqui, a doce e bizarra Mantis das aventuras dos Guardiões da Galáxia dá lugar a Paris, uma assassina tão fria quanto obcecada.
4) Os personagens do passado
Acerto de Contas traz à tona dois personagens do passado de Ethan Hunt. Um havia sido visto pela primeira e única vez quase 30 anos atrás, em Missão: Impossível: Eugene Kittridge (vivido por Henry Czerny), um diretor da Força Missão: Impossível — cuja sigla, tanto em português quanto em inglês, rende uma piada com o Fundo Monetário Internacional, o FMI. Seu retorno dá uma noção de continuidade à franquia.
O outro é inédito na cinessérie — trata-se, portanto, de um lance de continuidade retroativa (retcon), a alteração de fatos previamente conhecidos, um recurso comum nos quadrinhos de super-herói e também em franquias cinematográficas longevas, como Velozes e Furiosos e Missão: Impossível.
Esse personagem se chama Gabriel e é interpretado por Esai Morales, das séries Nova York Contra o Crime, Ozark e Titãs. Está ligado tanto a um trauma de Ethan que não conhecíamos quanto aos desafios do agente no presente (detalhar ambos seria incorrer em spoilers). Sua adição abre novas possibilidades narrativas na franquia.
5) O impacto dos cenários reais
Desde o início, as locações em cenários reais são um elemento essencial da franquia. "A localização dita a ação", diz o diretor Christopher McQuarrie. Portanto, em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, teremos tanto as paisagens desérticas (incluindo uma impressionante tempestade de areia) quanto os empreendimentos bilionários — no caso, um novo terminal de passageiros, o Midfield, do aeroporto internacional da cidade, construído de forma assimétrica para refletir as dunas do entorno e com inauguração prevista para dezembro. Como ainda estava em funcionamento, a equipe de filmagem não teve de lidar com muitas limitações.
Já na Europa, Ethan Hunt e companhia visitam Roma, Veneza e os Alpes Austríacos — que, na verdade, foram simulados na Noruega, onde foi recriado o trem do famoso Expresso do Oriente, praticamente um personagem em uma das sequências mais vertiginosas da temporada.
A capital italiana serviu de locação para tiroteios e perseguições de carro e de moto sobre suas apertadas ruas de paralelepípedo, tendo ao fundo cartões-postais históricos como o Coliseu, as escadarias da Piazza di Spagna e a igreja Trinita dei Monti, do século 16.
Em Veneza, ao contrário do esperado, a ação não se deu nos célebres canais, mas nos prédios de arquitetura gótica. Como as cenas foram rodadas durante um inverno sem turistas, por causa da pandemia, elenco e equipe puderam explorar bastante vielas e pontes.
6) O desafio de Tom Cruise à morte
Missão: Impossível não seria o que é se não fossem as loucuras cometidas por Tom Cruise para, a um só tempo, injetar realismo nas cenas, assombrando o público, e gerar bastidores, atraindo a atenção da imprensa. Depois de fugir de um imenso aquário que explode (Missão: Impossível), escalar uma montanha de pedra no Utah, nos EUA (M:I 2) e o prédio mais alto do mundo, o Burj Khalifa, em Dubai (M:I 4), se pendurar do lado de fora de um avião que está levantando voo (M:I 5) e pilotar ele próprio um helicóptero (M:I 6), entre outras façanhas, o ator diz que a coisa mais perigosa que fez aparece em Acerto de Contas. É quando seu personagem salta de um penhasco com 1,2 quilômetro de altura (o Helsetkopen, localizado na Noruega), de moto, tendo de puxar um paraquedas na sequência, a cerca de 150 metros do chão. Os ensaios demandaram mais de um ano, e, para ter certeza de que a filmagem estava perfeita, Cruise repetiu a cena outras sete vezes — ou melhor, arriscou a vida outras sete vezes.
7) A ação incessante
As duas horas e 43 minutos praticamente não dão respiro. As sequências de ação são extensas, há reviravoltas na trama e, vale lembrar, personagens assumem identidades falsas — as máscaras faciais podem enganar não apenas quem está em cena, mas também quem se distrair na audiência.