Prêmios podem não ser a medida exata da qualidade de um filme, mas a comparação dos currículos dá a ideia da diferença colossal que existe entre Um Filho (The Son, 2022), que estreia nos cinemas nesta quinta-feira (23), e Meu Pai (2020), primeiro longa-metragem de seu diretor, o francês Florian Zeller.
Ambos são versões cinematográficas de peças escritas por Zeller, 43 anos, que, nos dois casos, trabalhou na adaptação com o roteirista britânico Christopher Hampton, oscarizado por Ligações Perigosas (1988) e concorrente por Desejo e Reparação (2007). Por Meu Pai, a dupla ganhou o Oscar de roteiro adaptado, e o título também valeu a Anthony Hopkins a estatueta dourada de ator, além de disputar as categorias de melhor filme, atriz coadjuvante (Olivia Colman), edição e design de produção. A lista de troféus inclui dois Baftas, da Academia Britânica, dois prêmios da Academia Europeia, a escolha do público no Festival de San Sebastián, o César (da Academia Francesa) e o Goya (da Academia Espanhola) de longa estrangeiro, além de indicações ao Globo de Ouro, ao Critics' Choice, ao SAG Awards (do Sindicato dos Atores dos EUA) e ao DGA Awards (do Sindicato dos Diretores).
Já Um Filho competiu no Globo de Ouro de melhor ator em drama, com Hugh Jackman.
E foi praticamente só isso. Não à toa, suas notas são baixas em dois sites que agregam críticas: 45 no Metacritic e 28% no Rotten.
Dada a expectativa criada por Zeller com Meu Pai, Um Filho é a grande decepção da temporada até agora.
Se no primeiro filme havia surpresa e até suspense, dada a condição do protagonista, que está ameaçado pela perda da memória e pelo avanço da demência, agora tudo é previsível, da primeira até as últimas cenas, neste drama sobre uma família que precisa lidar com a depressão do filho adolescente.
Se em Meu Pai a montagem de Yorgos Lamprinos explorava com fluidez tais desvãos e também pregava peças no público, em Um Filho o editor greco-francês parece ter apertado o botão do piloto automático.
Se antes a cenografia comandada por Peter Francis e fotografada por Ben Smithard era um personagem à parte, "ajudando" o espectador a se colocar no lugar do desorientado octogenário encarnado por Hopkins, agora o design de produção assinado por Simon Bowles tem aquela elegância genérica, apenas realçada pela iluminação do mesmo diretor de fotografia.
Até o elenco deixa a desejar, ainda que conte com Hugh Jackman, indicado ao Oscar de melhor ator por Os Miseráveis (2012), Vanessa Kirby, concorrente à estatueta de melhor atriz por Pedaços de uma Mulher (2020), e Laura Dern, oscarizada coadjuvante de História de um Casamento (2019) — além de uma participação especialíssima de Anthony Hopkins: em uma única cena, ele joga uma sombra terrível tanto sobre o drama encenado por Florian Zeller quanto sobre a atuação de seus colegas de elenco. Já o jovem australiano Zen McGrath, que faz o filho do título, é prejudicado tanto pela falta de experiência quanto pelo roteiro: além de seu personagem praticamente não ter outra característica que não seja a depressão, ainda tem de encarar diálogos que não soam naturais.
O conflito de Um Filho é exposto logo de cara, o que não é um problema, vide, por exemplo, o recente Os Banshees de Inisherin (2022). Mas o filme ambientado em uma ilha irlandesa dos anos 1920 toma caminhos inesperados e que convidam o público a se relacionar com os dilemas dos personagens, o que raramente ocorre com a adaptação da peça de Florian Zeller.
Tudo começa com o consultor político Peter Miller (papel de Hugh Jackman) e sua jovem esposa, Beth (Vanessa Kirby), se dividindo nos cuidados de seu bebê recém-nascido. Então, bate à porta sua ex-mulher, Kate (Laura Dern), que acaba de ser informada pela escola que o filho adolescente deles, Nicholas (Zen McGrath), já está há um mês sem frequentar as aulas. Nicholas também não quer mais morar com a mãe, e, por isso, mesmo a contragosto de Beth, Peter decide acolhê-lo em seu apartamento.
Embora se mostre bastante inferior na comparação com Meu Pai, Um Filho tem seus pontos altos. Talvez o principal seja lembrar que não existe solução milagrosa no tratamento da depressão. Não basta uma mudança de endereço, não basta o amor dos pais. Aliás, o amor dos pais às vezes pode até jogar contra, pois a emoção turva o olhar. Ainda mais o olhar de um pai que, no fundo, não conhece tanto o seu filho.