Já está disponível na plataforma Star+ um dos filmes mais premiados da temporada, mas que se tornou o maior perdedor do Oscar 2023 (o que foi uma grande injustiça): Os Banshees de Inisherin.
A lista de 133 prêmios inclui três Globos de Ouro (melhor comédia ou musical, ator, para Colin Farrell, e roteiro), quatro Baftas (melhor filme britânico, ator coadjuvante, para Barry Keoghan, atriz coadjuvante, para Kerry Condon, e roteiro original) e dois troféus no Festival de Veneza: a Copa Volpi de melhor ator e a Osella de Ouro de melhor roteiro. No Oscar, foram nove indicações: melhor filme, direção (Martin McDonagh, que também é o roteirista e um dos produtores), ator (Farell), ator coadjuvante (Brendan Gleeson e Barry Keoghan), atriz coadjuvante (Kerry Condon), roteiro original, edição (Mikkel E.G. Nielsen) e música (Carter Burwell). Não ganhou nada.
Se serve de consolo, outros filmes que concorriam a várias estatuetas douradas também saíram de mãos abanando da festa promovida pela Academia de Hollywood (Elvis, que disputava oito, Os Fabelmans, sete, e TÁR, seis — este último também foi bastante injustiçado, mas como disputava menos troféus, não é o "mais injustiçado"). E Os Banshees de Inisherin tampouco é o maior perdedor na história: o recorde negativo pertence a Momento de Decisão (1977) e a A Cor Púrpura (1985), ambos com 11 indicações e zero vitórias. Bravura Indômita (2010) e Trapaça (2010) ficam em segundo lugar, com 10/0.
Os Banshees de Inisherin não merecia ter entrado nessa lista. Se eu fosse membro da Academia, teria escolhido Farrell como melhor ator e Keoghan como coadjuvante. Na categoria de roteiro original, votaria em Martin McDonagh, por ter escrito a história que era realmente a mais surpreendente entre as cinco indicadas — a despeito da criatividade e do desprendimento dos Daniels ao liquidificarem referências cinematográficas em Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo, seu filme é uma mistura previsível de aventura, drama familiar e comédia agridoce. E o script de McDonagh também é o que mais faz o espectador se colocar no lugar dos personagens.
Nascido em Londres e filho de pais irlandeses, McDonagh, que comemora 53 anos em 26 de março, alterna a carreira entre o teatro e o cinema e se tornou figura assídua no Oscar. Foi indicado por quatro dos cinco títulos que dirigiu — e ganhou o prêmio de curta-metragem por O Revólver de Seis Tiros (2004). Depois, concorreu por Na Mira do Chefe (2008), pelo roteiro original, e por Três Anúncios para um Crime (2017), nas categorias de melhor filme (como um dos produtores) e roteiro original.
Em O Banshees de Inisherin, o cineasta volta a trabalhar com Colin Farrell, 46, protagonista de Na Mira do Chefe e de Sete Psicopatas e um Shih Tzu (2012), seu segundo longa. E novamente coloca o ator irlandês a contracenar com seu conterrâneo Brendan Gleeson, 67 — no filme de 2008, os dois haviam demonstrado química ao interpretarem assassinos de aluguel que precisam se esconder na cidade medieval de Bruges, na Bélgica.
A trama agora se passa na fictícia ilha de Inisherin, na Irlanda dos anos 1920. Farrell encarna Pádraic Súilleabháin, um pequeno produtor de leite que leva uma vida pacata na companhia de sua irmã, Siobhán (Kerry Condon, das séries Roma, Ray Donovan e Better Call Saul), e da burrica Jenny. Ela — Siobhán — parece ser a única moradora com maiores aspirações, o que provavelmente não inclui corresponder ao interesse amoroso de Dominic (Barry Keoghan, de Dunkirk e Chernobyl), o bobo do vilarejo, mas também um sujeito sensível e sofrido.
Essas duas características do personagem serão observadas pouco a pouco, pois, embora os 114 minutos de duração tornem Os Banshees de Inisherin o segundo mais curto competidor no Oscar de melhor filme — oito dos 10 ultrapassam as duas horas —, McDonagh e seu montador, o dinamarquês Nielsen (oscarizado por O Som do Silêncio), adotam um ritmo que pode ser considerado lento. Por outro lado, a cadência e a contemplação possibilitam ao público apreciar não apenas a beleza das paisagens gélidas e verdejantes e a rusticidade dos cenários, captadas pelo diretor de fotografia Ben Davis, mas também as nuances de interpretação — um outro tipo de paisagem, a do rosto dos atores. E a quietude, quando quebrada, valoriza os diálogos ora mordazes, ora pungentes, escritos como se fossem peças de ourivesaria.
Pádraic, por sua vez, parece ter como único compromisso a cerveja escura que toma no pub local, todos os dias, sempre às 14h, com seu melhor amigo, o violinista e compositor Colm Doherty (Brendan Gleeson). A propósito, o nome do filme vem de uma música na qual Colm está trabalhando e do folclore irlandês. Banshees são espíritos femininos que gritam e lamentam, sinalizando que um membro da família morrerá em breve. Em cena, a Sra. McCormick (papel de Sheila Flitton), uma velha fumante de cachimbo, alude a essa figura.
De cara, surge o conflito dramático: unilateralmente, sem dar muita explicação, Colm rompe a amizade. Passa a evitar o outrora companheiro de trago e conversa. Pádraic não se conforma, e a partir daí Os Banshees de Inisherin transforma-se em uma tragicomédia.
Por si só, a situação engaja e intriga o espectador. Pensamos sobre nossos amigos, sobre o que oferecemos a eles, e vem à mente a clássica pergunta, "o que você faria?", tanto no lugar de Pádraic quanto no de Colm. Mas basta uma olhada ao horizonte para entender por que não foi somente o elenco de Os Banshees de Inisherin que disputou e conquistou prêmios.
Os personagens de Martin McDonagh vivem em uma ilha, que geográfica e simbolicamente funciona como um microcosmo. Assim como há algo maior do que a ilha — o continente —, há algo maior no filme do que a cisão entre os dois amigos. Na costa do outro lado da água de Inisherin, pode-se vislumbrar as explosões denunciadas pelo som das balas de canhão. O pano de fundo histórico é uma época tumultuada para a Irlanda: de 1919 a 1921, aconteceu a guerra pela independência; em 1921, foi criada a Irlanda do Norte, cuja maioria é protestante (na Irlanda, predomina o catolicismo) e unionista, ou seja, quer permanecer parte do Reino Unido; entre 1922 e 1923, houve uma guerra civil provocada por desentendimentos no movimento republicano a respeito do Tratado Anglo-Irlandês.
A batalha pessoal de Pádraic e Colm evoca esse confronto no qual homens que lutaram lado a lado agora enfrentam um ao outro. Mas o microcosmo de Inisherin não serve como metáfora apenas da Irlanda ou apenas de uma guerra civil. Representa qualquer cenário onde alguma diferença — política, religiosa, sexual, esportiva etc. — se impõe e anula as muitas semelhanças. Onde as pessoas dão um dedo para não dar o braço a torcer. Onde o ressentimento queima e se alastra.