Quase deu para sentir saudade do tapa que o ator Will Smith deu no comediante Chris Rock, no Oscar do ano passado, tamanha a falta de surpresas na cerimônia da 95ª premiação da Academia de Hollywood. Conforme previsto, Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo — que era líder em indicações, com 11, e está disponível no Amazon Prime Video — conquistou as estatuetas douradas de melhor filme, direção (Daniel Kwan e Daniel Scheinert), atriz (Michelle Yeoh), ator coadjuvante (Ke Huy Quan), atriz coadjuvante (Jamie Lee Curtis) e roteiro original (assinado pelos próprios cineastas). Embora não fosse a favorita na categoria, a aventura no multiverso também ganhou em montagem (Paul Rogers), fechando a conta em sete troféus.
— Dedico às mamães do mundo, especificamente minha mãe e meu pai: obrigado por não esmagar minha criatividade quando eu estava fazendo filmes de terror realmente perturbadores ou filmes de comédia realmente pervertidos ou me vestindo de travesti quando criança, o que é uma ameaça para ninguém! — disse Scheinert, 35 anos, no palco do Teatro Dolby, em Los Angeles, na noite deste domingo (12) nos Estados Unidos, madrugada de segunda-feira (13) no Brasil.
— Existe grandeza em cada pessoa, não importa quem sejam. Se você tem um gênio esperando para entrar em erupção, você só precisa encontrar as pessoas certas para desbloqueá-lo. Muito obrigado a todos que desbloquearam meu gênio — falou Kwan, que também tem 35 anos e que, com Scheinert, tornou-se a terceira dupla a ganhar o Oscar de direção, após Robert Wise e Jerome Robbins, pela primeira versão de Amor, Sublime Amor (1961), e os irmãos Ethan e Joel Coen, por Onde os Fracos Não Têm Vez (2007). Ambos os títulos também levaram o troféu principal.
Em "segundo lugar", ficou o drama sobre a Primeira Guerra Mundial Nada de Novo no Front, que valeu à Alemanha seu quarto Oscar de melhor filme internacional — depois de O Tambor (em 1980), de Lugar Nenhum na África (em 2003) e de A Vida dos Outros (em 2007) — e venceu ainda em fotografia, design de produção e música original. Cinco dos 10 concorrentes ao principal troféu saíram de mãos abanando: Os Banshees de Inisherin, que tinha nove indicações, Elvis, com oito, Os Fabelmans, com sete, TÁR, com seis, e Triângulo da Tristeza, com três. Repetindo as conquistas nos sindicatos das categorias, Entre Mulheres ganhou em roteiro adaptado, Top Gun: Maverick, em som, e Avatar: O Caminho da Água, em efeitos visuais.
Por falar em Avatar, a ausência do diretor James Cameron, célebre por filmes que duram mais de três horas, motivou uma das boas piadas do apresentador da cerimônia, Jimmy Kimmel:
— A gente sabe que a premiação é longa demais quando nem James Cameron consegue aguentar.
Mas sem surpresas na entrega dos prêmios, o Oscar respeitou rigorosamente o limite de três horas e meia. Ninguém se alongou nos agradecimentos, ninguém quebrou protocolo e, claro, ninguém subiu ao palco para estapear um colega — apesar de que, como brincou Kimmel, "com cinco atores irlandeses indicados (Colin Farrell, Barry Keoghan, Brendan Gleeson e Kerry Condon, de Os Banshees de Inisherin, e Paul Mescal, de Aftersun), a chance de ter outra briga nesse palco aumentou bastante".
Na verdade, até que houve surpresas. Pela primeira vez desde 1961, o tapete vermelho não foi vermelho, mas champagne. E contrariando uma antiga tradição, o primeiro prêmio da noite não foi o de ator coadjuvante, mas o de longa de animação. Que apenas confirmou o favoritismo de Pinóquio de Guillermo Del Toro, anteriormente laureado no PGA Awards (da Associação dos Produtores dos EUA), no Bafta (da Academia Britânica), no Globo de Ouro, no Critics' Choice e no Annie Awards (o "Oscar" específico dos desenhos animados). Na sequência, antes de Navalny, ganhador do PGA e do Bafta, vencer entre os documentários, Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo faturou seus dois primeiros troféus, os de coadjuvante para Ke Huy Quan (que só perdeu o Bafta na temporada) e Jamie Lee Curtis. Ambos disputavam pela primeira vez o prêmio da Academia de Hollywood.
— Minha mãe tem 84 anos e está em casa assistindo. Mãe, eu acabei de ganhar um Oscar! — vibrou, às lágrimas, Quan, 51 anos, que tinha sido um astro mirim na década de 1980, em filmes como Indiana Jones e o Templo da Perdição (1984) e Os Goonies (1985), mas já havia desistido de atuar, por só lhe oferecerem papéis estereotipados.
— Eu sei que parece que estou aqui sozinha, mas não estou. Eu sou centenas de pessoas — disse Curtis, 64 anos.
Os campeões nas categorias de melhor ator e melhor atriz também estavam concorrendo pela primeira vez: Brendan Fraser, 54 anos, por A Baleia, e Michelle Yeoh, 60, que, por Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo, se tornou a primeira artista não branca a conquistar esse Oscar, mais de 20 anos após o triunfo de Halle Berry, por A Última Ceia (2001) — também foi histórica a vitória da figurinista Ruth E. Carter por Pantera Negra: Wakanda para Sempre: é a primeira mulher negra a receber duas estatuetas douradas.
Yeoh, que nasceu na Malásia e foi vista em filmes como 007: O Amanhã Nunca Morre (1997), O Tigre e o Dragão (2000), Memórias de uma Gueixa (2005) e Podres de Ricos (2018), mencionou a sua etnia e a sua idade no discurso de agradecimento:
— Para todos os meninos e meninas que se parecem comigo e estão assistindo a esta noite, este é um farol de esperança e possibilidades. Esta é a prova de que… os sonhos se tornam realidade. E senhoras, não deixe ninguém dizer que vocês já passaram do seu auge.
As premiações prévias haviam pavimentado o caminho para Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo. O longa-metragem dirigido pelos Daniels foi eleito o melhor do ano pela Associação dos Produtores dos EUA — a escolha do PGA Awards, surgido em 1989, coincidira com a do Oscar em 23 das 33 edições anteriores (incluindo a do ano passado, quando No Ritmo do Coração derrotou Ataque dos Cães). O Sindicato dos Atores dos EUA deu a Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo os troféus de melhor elenco, atriz, ator coadjuvante e atriz coadjuvante. Kwan e Scheinert venceram o DGA Awards, do Sindicato dos Diretores dos EUA. Assim, TTLMT tornou-se o 10º filme a conquistar o "triplo cinturão": PGA, SAG e DGA. Dos nove anteriores, oito haviam repetido o triunfo no Oscar: Beleza Americana, Chicago, O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei, Onde os Fracos Não Têm Vez, Quem Quer Ser um Milionário?, O Discurso do Rei, Argo e Birdman. O único que falhou foi Apollo 13, derrotado por Coração Valente.
O currículo de vitórias incluía o de melhor roteiro original no WGA Awards, entregue pelo Sindicato dos Roteiristas dos EUA, o Critics' Choice, concedido pelos críticos de rádio, TV e internet dos Estados Unidos e do Canadá, e o Independent Spirit Awards, dedicado às produções de baixo orçamento. A indústria, a crítica e também o público (com US$ 106,7 milhões, é a maior bilheteria da produtora independente A24) amaram Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo porque Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo ama a indústria, a crítica e também o público.
Trata-se de uma coleção de citações cinematográficas. Pode-se, por exemplo, enxergar Matrix (1999) na trama sobre a imigrante chinesa (papel de Michelle Yeoh) que descobre sua existência em infinitos universos paralelos e precisa acessar as experiências e habilidades (incluindo o kung fu, como Neo) de suas contrapartes para combater a ameaça de um ser maligno. Já a pochete que vira arma nas mãos do marido da protagonista é claramente uma alusão ao cinto com ventosa que o ator Ke Huy Quan utilizava, na pela do personagem Data, em Os Goonies.
Algumas referências são explícitas, como as paródias da clássica ficção científica 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968) e do desenho animado da Pixar Ratatouille (2007). Outras são para cinéfilos mais tarimbados, como a piada com um projecionista que lembra uma de Buster Keaton em Bancando o Águia (Sherlock Jr., 1924) ou o exercício de metalinguagem relacionado à animação japonesa Paprika (2006). Aliás, os Daniels têm o mérito de não se restringirem a Hollywood: a mais bela e surpreendente das homenagens é a Amor à Flor da Pele (2000), filme de Wong Kar-wai sobre o romance não consumado entre dois vizinhos cujos cônjuges estão tendo um caso, na Hong Kong dos anos 1960.
Mas os lances genuinamente bacanas e as maluquices de TTLMT (como a realidade na qual as pessoas têm salsichas no lugar dos dedos, a conversa filosófica entre duas rochas à beira de um penhasco e o uso de um dildo anal em impressionantes cenas de ação) não escondem o fato de que este é um filme meio meloso - pense em Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças (2004) ou Divertida Mente (2015), mas com bem menos ressonância; talvez com mais embalagem do que conteúdo.
A mistura de ação, fantasia, ficção científica e humor dá apenas uma roupagem extravagante para uma série de situações que já vimos antes. Fazendo jus ao título, Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo é, ao mesmo tempo, um novo derivado de Matrix, uma comédia familiar agridoce, uma história de imigrantes que lutam por um lugar ao sol, um drama sobre as complicadas relações entre mãe e filha, uma jornada interior por nossos sonhos e nossas frustrações.
Todos os ganhadores do Oscar (e onde assistir)
- Melhor filme: Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo, produzido por Daniel Kwan, Daniel Scheinert e Jonathan Wang (em cartaz no Amazon Prime Video)
- Melhor direção: Daniel Kwan e Daniel Scheinert (Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo)
- Melhor ator: Brendan Fraser (A Baleia, em cartaz nos cinemas)
- Melhor atriz: Michelle Yeoh (Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo)
- Ator coadjuvante: Ke Huy Quan (Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo)
- Atriz coadjuvante: Jamie Lee Curtis (Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo)
- Roteiro original: Dan Kwan e Daniel Scheinert (Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo)
- Roteiro adaptado: Sarah Polley (Entre Mulheres, em cartaz nos cinemas)
- Fotografia: James Friend (Nada de Novo no Front, na Netflix)
- Edição: Paul Rogers (Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo)
- Design de produção: Christian M. Goldbeck e Ernestine Hipper (Nada de Novo no Front)
- Figurino: Ruth E. Carter (Pantera Negra: Wakanda para Sempre, no Disney+)
- Maquiagem e cabelos: Adrien Morot, Judy Chin e Annemarie Bradley-Sherron (A Baleia)
- Som: Mark Weingarten, James Mather, Al Nelson, Chris Burdon e Mark Taylor (Top Gun: Maverick, no canal Telecine do Globoplay e no Paramount+)
- Efeitos visuais: Avatar: O Caminho da Água (em cartaz nos cinemas)
- Música: Volker Bertelmann (Nada de Novo no Front)
- Canção original: M.M. Keeravani e Chandrabose, por Naatu Naatu (de RRR: Revolta, Rebelião, Revolução, na Netflix)
- Filme internacional: Nada de Novo no Front (Alemanha)
- Longa de animação: Pinóquio de Guillermo Del Toro (na Netflix)
- Documentário: Navalny (na HBO Max)
- Curta de ficção: An Irish Goodbye
- Curta de animação: O Menino, a Toupeira, a Raposa e o Cavalo (na Apple TV+)
- Curta documental: Como Cuidar de um Bebê Elefante (na Netflix)