A história do filme é batida: moça de família, prometida ao insensível herdeiro de um milionário, e um rapaz pobre se apaixonam. O final também já é conhecido: o navio afunda. Mas mesmo depois de 25 anos, completados em 19 de dezembro, Titanic (1997) segue insubmergível. E agora volta definitivamente à tona: nesta quinta-feira (9), reestreia nos cinemas, em uma versão remasterizada e com efeitos em 3D, o título dirigido por James Cameron que já está há um bom tempo indisponível nas plataformas de streaming.
Ao lado de Ben-Hur (1959) e de O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei (2003), Titanic é um dos três maiores vencedores do Oscar. Foram 11 estatuetas: melhor filme, direção, fotografia (Russell Carpenter), edição (Cameron, Conrad Buff IV e Richard A. Harris), direção de arte (Peter Lamont e Michael Ford), figurino (Deborah Lynn Scott), som, efeitos sonoros, efeitos visuais, trilha sonora (James Horner, morto em 2015, em um acidente de avião) e canção original (My Heart Will Go On, composta por Horner e Will Jennings e interpretada por Céline Dion). Também concorreu nas categorias de melhor atriz (Kate Winslet), atriz coadjuvante (Gloria Stuart) e maquiagem, o que o torna um dos recordistas em indicações — 14, junto com A Malvada (1950) e La La Land (2016).
Resultado da união de dois grandes estúdios — teve distribuição nos Estados Unidos pela Paramount e no resto do mundo pela Fox —, com um custo declarado de US$ 200 milhões, Titanic foi a mais cara produção de Hollywood à época (só para comparar, o filme que abriu o Universo Cinematográfico Marvel, Homem de Ferro, feito mais de 10 anos depois, saiu por US$ 140 milhões). Pagou-se com sobra, mesmo que suas três horas e 18 minutos de duração limitassem o número de projeções diárias nas salas de cinema. Com US$ 2,19 bilhões arrecadados, é a terceira maior bilheteria de todos os tempos, atrás de Avatar (2009), do próprio Cameron, com US$ 2,92 bilhões, e de Vingadores: Ultimato (2019), com US$ 2,79 bilhões. O quarto colocado também é assinado pelo cineasta canadense de 68 anos: Avatar: O Caminho da Água (2022), que já soma US$ 2,17 bilhões.
Os quase 200 minutos não são nada cansativos, pois James Cameron soube instigar o espectador e equilibrar as partes de seu épico. Na abertura, uma equipe de mergulhadores chefiada por um caçador de tesouros, Brock Lovett (Bill Paxton, morto em 2017, aos 61 anos), procura nos destroços do Titanic um diamante de valor inestimável. Em vez do Coração do Oceano, os exploradores encontram o desenho de uma mulher nua. Nos Estados Unidos, a notícia transmitida pela televisão desperta a memória centenária de Rose (Gloria Stuart, que morreu com cem anos, em 2010).
É o pretexto para recuarmos ao passado e revivermos a primeira, única e fatídica viagem do RMS Titanic, um gigantesco e suntuoso transatlântico inglês tido como "insubmergível" — mas que, depois de bater num iceberg, afundou nas águas geladas do Atlântico Norte, levando mais de 1,5 mil pessoas à morte, nas horas iniciais do dia 15 de abril de 1912. Através das recordações da sobrevivente Rose, James Cameron conta uma história de amor à la Romeu & Julieta, reconstitui os bastidores e os erros cometidos pela tripulação comandada pelo capitão Edward Smith (interpretado por Bernard Hill, que, curiosamente, também está no elenco de O Retorno do Rei), retrata a luta de classes, flagra as variantes (da covardia ao heroísmo, da arrogância à resignação) do comportamento humano diante de uma tragédia — o que permite paralelos com os tempos de coronavírus — e mostra o fim de uma era de confiança cega no progresso tecnológico e no futuro do planeta, que logo depois, em 1914, veria eclodir a Primeira Guerra Mundial.
— O desastre do Titanic foi o rompimento de uma bolha — disse em 2012, à revista National Geographic, Cameron. — Na primeira década do século 20, a sensação era de encantamento. Elevadores! Automóveis! Aeroplanos! Rádio sem fio! Tudo parecia assombroso. E aí tudo desabou.
O par romântico é formado pela jovem Rose DeWitt Bukater (Kate Winslet, que já tinha no currículo uma indicação ao Oscar de atriz coadjuvante por Razão e Sensibilidade, de 1995), filha de uma família aristocrática decadente, e por um passageiro da terceira classe, o aventureiro e desenhista nas horas vagas Jack Dawson (Leonardo DiCaprio, que já havia concorrido à estatueta dourada de ator coadjuvante por Gilbert Grape: Aprendiz de Sonhador, de 1994). Além das barreiras sociais, os dois enfrentam o noivo de Rose, o ricaço egoísta Cal Hockley (o intragável Billy Zane, que tinha protagonizado em 1996 O Fantasma, fraca aventura baseada em quadrinhos).
Os primeiros cem minutos são dedicados ao romance, com insuspeitada sensibilidade do diretor das aventuras de ficção científica O Exterminador do Futuro (1984). Aliens: O Resgate (1986) e O Exterminador do Futuro 2: Julgamento Final (1991). Após o último pôr do sol no Titanic, Cameron coloca em cena os efeitos visuais — então de última geração, mas ainda hoje impressionantes. É o território por excelência do realizador de O Segredo do Abismo (1989), outra empreitada submarina. Na reconstituição do pesadelo de duas horas e 40 minutos, o espectador vê onde foi gasto tanto dinheiro, mas sem conseguir distinguir, nas dramáticas e vultuosas cenas do naufrágio, o que são cenas reais, o que são modelos em miniatura e o que é animação digital.
Em meio à tensão, o cineasta demonstra talento para criar imagens comoventes, como a do casal que morre abraçado na cama do quarto e a dos músicos que tocam enquanto a embarcação naufraga — ambas, aliás, calcadas em fatos. Entre atos pusilânimes ou bravos, Cameron defende os oprimidos: contrasta o tedioso jantar dos ricos com as danças alegres dos pobres e só deu passagens de primeira classe para os seus vilões da história. E, num filme que celebra a magia do cinema e da tecnologia, Titanic relembra a fraqueza do homem diante da natureza e de si mesmo.
Filmagens renderiam outro épico
Os bastidores da realização de Titanic renderiam outro filme, também repleto de aventura e suspense. Tudo começou 11 anos antes. Depois de ver o documentário de Robert Ballard sobre os restos do navio, James Cameron anotou na agenda: "Escrever uma história com abertura de encerramento no presente, no local do naufrágio. Intercalar com lembranças de um sobrevivente".
No começo de 1995, ele levou à Fox uma proposta, orçada em US$ 100 milhões. A fama de gastador — O Exterminador do Futuro 2 custara US$ 100 milhões, assim como True Lies (1994) — adiou a aprovação. Para o papel de Kate Winslet, concorreram Gwyneth Paltrow (pós-Seven: Os Sete Crimes Capitais, de 1995, e pré-Shakespeare Apaixonado, de 1998, que lhe valeu o Oscar), Claire Danes (que havia feito par com Leonardo DiCaprio em Romeu + Julieta, de 1995) e a agora sumida Gabrielle Anwar (de Perfume de Mulher, 1992, e Os Três Mosqueteiros, de 1993). Para o de DiCaprio, havia os nomes de Chris O'Donnell (também egresso de Perfume de Mulher e de Os Três Mosqueteiros e, na época, o Robin dos filmes do Batman) e de Matthew McConaughey (que fizera Tempo de Matar em 1996 e que faria Contato e Amistad em 1997). Kate, então com 21 anos, venceu pela persistência, e Leo, 23, que não quis contracenar com a atriz em um teste (depois, os dois atores tornaram-se grandes amigos), demorou a ceder aos pedidos de Cameron. Aliás, o jovem também não estava a fim de dizer a icônica frase de seu personagem: "Eu sou o rei do mundo!".
As filmagens foram um festival de técnica e de percalços. Cameron passou três semanas no navio russo Academik Keldysh, filmando as sequências subaquáticas. Usou dois mini-submarinos e uma câmera especial, operada por controle remoto. Um enorme tanque d'água salgada, com capacidade para 65 milhões de litros e mais de 10 metros de profundidade, foi construído na praia mexicana de Rosarito. A estrutura abrigou uma réplica do Titanic de 236 metros de comprimento (não muito longe do tamanho real, 269 metros), conectada a um sofisticado sistema hidráulico capaz de incliná-la e afundá-la. Cameron solicitou que o requintado interior do navio fosse fielmente reproduzido — até nos cacos de louça chinesa.
O esquema de trabalho em Rosarito foi definido como "semiescravo". As jornadas diárias não duravam menos de 15 horas. Técnicos mexicanos recebiam abaixo dos padrões salariais. A certa altura, o excesso orçamentário alarmou Bill Mechanic, então novo presidente da Fox, que apresentou ao diretor uma lista de cortes. A resposta foi:
— Para cortar meu filme, você vai ter de me demitir. E, para me demitir, você vai ter de me matar.
Cameron abriu mão de seu cachê e ninguém morreu, mas três dublês sofreram fraturas e foram hospitalizados. O incidente mais rumoroso foi a sabotagem em uma sopa de lagosta, que causou náuseas e alucinações em 80 membros da equipe, inclusive o diretor.
Depois de lançado, Titanic viu-se envolto em outra polêmica (ATENÇÃO: SPOILER PARA QUEM NUNCA VIU O FILME!): a de que, no desfecho da história (EU DISSE QUE SERIA SPOILER), Rose poderia ter arranjado um lugar em cima da porta de madeira que lhe serviu como bote salva-vidas para acomodar Jack. Até a atriz Kate Winslet entrou no coro, ainda que com bom humor. Em dezembro passado, o diretor James Cameron prometeu um documentário para explicar por que Jack não caberia na porta. No fim das contas, após realizar testes, ele admitiu que "Jack poderia ter sobrevivido".
Bem, talvez Rose pudesse ter dado um ladinho, mas antes disso outros passageiros poderiam ter sido menos egoístas, antes disso a tripulação poderia ter ouvido com atenção os avisos de perigo, antes disso o dono do navio poderia ter sido menos ambicioso (ele pediu velocidade máxima para chegar a Nova York a tempo de o desembarque virar manchete)... Enfim: a história do Titanic é a história de uma tragédia. Um final feliz seria uma concessão incoerente.
Transatlântico virou objeto de culto e obsessão
A única viagem do Titanic, construído ao longo de dois anos num estaleiro irlandês, a um custo estimado em US$ 7,3 milhões, começou ao meio-dia e pouco de 10 de abril de 1912. O transatlântico da White Star Line deixou o porto de Southampton, na Inglaterra, em direção a Cherbourg, na França, onde embarcaram passageiros ricos, como Molly Brown (interpretada por Kathy Bates no filme de James Cameron) e John Jacob Astor (papel de Eric Braeden), capazes de pagar US$ 3,1 mil (o equivalente a US$ 83,7 mil em 2021) por uma passagem de primeira classe. Depois de outra parada em Queenstown, na Irlanda, o navio rumou a toda velocidade para Nova York, com 2,2 mil pessoas a bordo. Às 23h40min de 14 de abril, chocou-se com um enorme iceberg. Às 2h20min, partiu-se ao meio, a cerca de 1,6 mil quilômetros de seu destino, deixando apenas 700 e poucos sobreviventes.
Os destroços do Titanic foram encontrados em 1985 por uma expedição liderada pelo oceanógrafo Robert Ballard. Os dois pedaços repousavam a 4.126 metros da superfície do mar, no Atlântico Norte. Alguns dos mistérios que cercavam o acidente passaram a ser desvendados. Descobriu-se, por exemplo, que o aço utilizado no casco não era da melhor qualidade. Isso facilitou o rasgo na estrutura no momento da colisão e fez com que os compartimentos estanque do navio, vitais para a flutuação, fossem rapidamente inundados. Contribuíram para a tragédia decisões de navegação erradas, falta de comunicação ou negligência (houve sete advertências sobre gelo), ausência de procedimentos de emergência, número reduzido de botes salva-vidas (suficientes apenas para metade dos passageiros), a baixa temperatura da água (20°C negativos) e a escuridão.
A relação do cinema com o Titanic foi um caso de amor à primeira vista. Um mês depois do naufrágio, já havia um filme, chamado Saved from the Titanic (Salva do Titanic) e baseado no relato da atriz sobrevivente Dorothy Gibson. Ela interpretou a si mesma.
Entre 1929 e 1930, foram feitas três adaptações — uma alemã, uma inglesa e uma francesa, todas sob direção de E.A. Dupont. Em 1943, em sua campanha difamatória contra Winston Churchill, então primeiro-ministro do Reino Unido, os estúdios da Alemanha nazista produziram Titanic, de Herbert Selpine Werner Klinger. A obra tinha no elenco uma das divas da época, Sybille Schmitz, e ilustrava "a incompetência e a arrogância britânicas". Dez anos depois, Hollywood mergulhou um time de astros em Os Náufragos do Titanic: Jean Negulesco dirigiu Clifton Webb, Barbara Stanwyck e Robert Wagner. O roteiro original conquistou o Oscar.
A Broadway também foi porto para o navio. Em 1997, o espetáculo Titanic ganhou os prêmios Tony de melhor musical, roteiro, trilha sonora, orquestração e cenário. E há uma exposição permanente no Luxor Hotel e Cassino, em Las Vegas.
Centenas de livros já foram publicados, incluindo o relatório oficial do governo britânico, testemunhos de sobreviventes, relatos de Robert Ballard e até um volume de receitas, Last Dinner on the Titanic, com os pratos preparados pela cozinha do navio e o cardápio do último jantar dos passageiros. Em 2006, o escritor gaúcho Sergio Faraco lançou O Crepúsculo da Arrogância, em que radiografa minuto a minuto o naufrágio e acompanha dezenas de personagens. Fruto de uma exaustiva pesquisa em livros, filmes, documentos e fotografias, a obra foi a concretização de uma obsessão iniciada na infância de Faraco, hoje com 81 anos.
"Em meus seis ou sete anos", ele contou em uma de suas crônicas, "minha mãe leu para mim, com inflexão dramática, um relato sobre o naufrágio do Titanic, que começou na noite de 14 de abril de 1912, um domingo, e terminou pouco depois das 2h da madrugada de segunda-feira, matando mais do que o dobro dos 705 sobreviventes. Desde então, aquela noite lancinante me persegue: é o meu assombro face à magnitude do sinistro".