Quando se pensa em escapismo no cinema, o senso comum é automático: nada é mais alienado do que um musical.
O que seria mais artificial do que um casal que subitamente desata a cantar enquanto atravessa a rua ou um carteiro que entrega a correspondência sapateando no meio-fio? Paradoxalmente, é graças a essa encenação implausível do mundo que o gênero comunica sentimentos e ideias de maneira tão eficiente. Ao abrir mão do naturalismo, que ilude com sua encenação enganosamente realista, a comédia ou o drama musical ficam o tempo todo lembrando ao espectador que ele está diante de uma representação – e, portanto, está livre para sentir e pensar o que está assistindo sem acreditar que aquilo seja de verdade.
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O efeito é similar ao distanciamento crítico proposto por Bertolt Brecht – o dramaturgo alemão, não por acaso, escreveu muitas peças embaladas por canções.
Pois La La Land: Cantando Estações – o subtítulo em português é uma referência à sucessão das estações do ano, que marcam os diferentes atos da história – abraça com sensibilidade e inteligência essa peculiar premissa ambígua do musical, capaz de revelar o autêntico pela via do maneirismo. O filme que estreou nesta semana nos cinemas é uma ode ao musical que, sem pretender reinventá-lo, prova o quão o estilo ainda pode ser pertinente hoje. O filme do diretor e roteirista Damien Chazelle, 32 anos completados ontem, foi o recordista da história do Globo de Ouro, levando sete estatuetas neste ano – incluindo melhor filme, diretor, ator e atriz –, e despontando como um dos favoritos ao Oscar.
Os letreiros iniciais de La La Land informam aos saudosistas que a produção foi rodada em Cinemascope – tecnologia de filmagem e projeção popular em Hollywood nas décadas de 1950 e 1960. Já a primeira sequência é uma virtuosística coreografia em meio a um engarrafamento de uma autopista em Los Angeles, na qual as pessoas saem de seus carros para cantar e dançar – para júbilo dos aficionados e, talvez, exasperação dos incrédulos. Canto e dança, porém, não são onipresentes na história: os encontros e desacertos entre Mia (Emma Stone), atendente de cafeteria em um estúdio de cinema que sonha ser atriz, e Sebastian (Ryan Gosling), pianista semidesempregado que almeja ter seu clube de jazz, seguem o registro da comédia romântica agridoce.
La La Land não renega o legado que o antecedeu: estão lá na tela a memória dos antológicos musicais da Metro dos anos 1930 aos 1950, as elaboradas coreografias dos filmes de Busby Berkeley, as cores exuberantes do Technicolor, as citações a títulos como O Picolino (1935), Sinfonia de Paris (1951) e A Roda da Fortuna (1953). Há ainda lembranças a clássicos não musicais, como Casablanca (1942), Juventude Transviada (1955) e até 8 1/2 (1963). Os longos números musicais com poucos cortes, em que a câmera acompanha os personagens em fluidos planos-sequência, ressaltam a inspiração em duas obras-primas do musical: Cantando na Chuva (1952), de Gene Kelly e Stanley Donen, e Os Guarda-Chuvas do Amor (1964), de Jacques Demy.
A inspirada trilha sonora de Justin Hurwitz, premiada com o Globo de Ouro, é defendida com competência pela dupla protagonista. Pela terceira vez juntos – as outras vezes foram em Amor a Toda Prova (2011) e Caça aos Gângsteres (2013) –, Emma Stone e Ryan Gosling mostram em La La Land que, tanto no musical como na vida, a química entre os parceiros é mais importante do que a habilidade para cantar e dançar. Do mesmo modo que em seu longa anterior, o elogiado Whiplash: Em Busca da Perfeição (2014), sobre dois músicos de gerações diferentes obcecados cada qual a sua maneira pelo jazz, Damien Chazelle celebra em La La Land, com uma alegria temperada por melancolia, a teimosia das coisas que insistem em ainda serem relevantes – como os filmes musicais, os cinemas de calçada, os pianistas de jazz e os amores românticos.
La La Land: Cantando estações
De Damien Chazelle. Musical, EUA, 2016, 128min. Cotação: 4 de 5.
Salas e horários:
CÓPIA DUBLADA
Cinespaço Wallig 2 (13h30, 16h, 18h30)
CÓPIAS LEGENDADAS
Cinemark Barra 2 (19h10), Cinemark Barra 3 (12h45, 15h30, 18h20, 21h10), Cinemark Ipiranga 7 (12h, 14h50, 17h45, 20h50), Cinespaço Wallig 2 (21h), Espaço Itaú 4 (13h50, 16h20, 18h50, 21h30), GNC Iguatemi 3 (16h40, 19h15, 21h50), GNC Moinhos 2 (13h45, 16h25, 19h, 21h40), GNC Moinhos 4 (19h20, 21h50), GNC Praia de Belas 6 (16h15, 19h, 21h30) e Guion Center 1 (14h10, 16h30, 18h50, 21h10).