Gilmar Marcílio

Escritor, filósofo e palestrante. Autor de oito livros, entre eles, A Elegância do Silêncio e Jardim de Bolso. É curador da Galeria de Arte Gerd Bornheim e da Sala de Cinema Ulysses Geremia, em Caxias do Sul. Gosta de viver dialeticamente, cercando-se de silêncio e indo em busca de encontros. Lê poesia diariamente, faz longas caminhadas pelas pequenas estradas do interior, onde mora. Aprendeu, com Sêneca, que quem não é dono de dois terços de seu dia, é escravo. Não é. Medita, lê, cultiva o senso de humor. É feliz.

Crônica
Opinião

Velho demais pra se divertir?

A maturidade nos liberta de inúmeras amarras e poderemos nos tornar jovens outra vez

Gilmar Marcílio

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Esta indagação jamais seria feita pelo meu amigo Décio Bombassaro. Ele ostenta com orgulho seus 86 anos de idade. E segue se divertindo! Está sempre cercado por pessoas interessadas no que tem a dizer, sobretudo os jovens. É agradável ouvi-lo contar suas histórias inspiradas. 

Na semana passada me disse: “Desconheço quanto viverei ainda, mas vou continuar aproveitando cada minuto.” Professor e jornalista, mantém grande interesse no humano e na filosofia. É um homem atento, perspicaz. Seu tempo é agora. Não o ouço proferir uma frase saudosista sequer. Assim devemos aproveitar o que nos é entregue. Lamentos devem ser ocasionais. 

Um jeito bom é ir colhendo modestas oferendas no cotidiano, pois nelas está a base real da felicidade. E, convenhamos, a adolescência, tão incensada, é uma época de tormentos hormonais e poucas alegrias desmesuradas. E sabe como a gente alcança o bem-estar? Deixando de dar importância ao pensamento alheio. Experimente: é gratificante.

Referindo-me a isso, lembrei de ter visto um vídeo que me causou impacto. Mark Bryan, um americano de 61 anos, treinador de futebol, precisou chegar a essa idade para assumir em público que gosta de usar vestido e sapatos femininos. Define-se heterossexual e mora em Dallas, no Texas, um estado ultraconservador. A esposa e os filhos o apoiam e incentivam. Admirável! Até porque, convenhamos, a indumentária está longe de ser definidora de caráter. Nero dava ordens de saia. Luís XV, de saltos altos. E não causavam estranheza alguma. 

Obedecemos aos códigos da nossa época e o receio de deixar de se guiar pelo senso comum nos paralisa. A maturidade nos liberta de inúmeras amarras e poderemos nos tornar jovens outra vez. Costuma demorar décadas para voltar-mos a ter atitudes audazes. Aliás, uma das coisas que venho aprendendo é a colocar em prática o que pertencia apenas à ordem dos desejos. Devagar, sem agredir ninguém, faço e digo o me parece conveniente. Talvez de maneira provisória. 

A leveza é obtida pela capacidade de incorporar as contradições. Simplesmente continuemos caminhando, validando ou rechaçando conceitos absorvidos de terceiros. O corpo diminui a sua potência, mas a mente se expande em busca de mais liberdade.

Tenho resistência em utilizar o termo idoso. Melhor idade, nem pensar. Vamos ficando é velhos mesmo. Há certa luminosidade em assimilar a ideia de, em algum momento, precisarmos ceder nosso lugar para o novo. É lei da natureza. Portanto, nada de ficar choramingando por dores reais ou imaginárias. 

Estou me esforçando o quanto posso para conhecer todos os brinquedos. Os parques ficarão abertos até o último dia, basta frequentá-los. Até sinto medo de me aventurar em alguns. Então, pego na mão de alguém para me sentir seguro. Sem desistir.

É uma boa aventura essa, a de passear pela existência sem permitir que as inevitáveis perdas definam comportamentos futuros. Nem sempre haverá uma roda-gigante para frequentar. Às vezes, só precisamos de uma prosaica gangorra para nos equilibrar.

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