Nas duas décadas de ditadura militar (1964 a 1985) se perpetuaram incontáveis casos de desaparecimentos de adversários do regime e fatos misteriosos sem que a verdade jamais chegasse ao conhecimento dos brasileiros. Mas dois dos maiores enigmas foram desvendados por reportagens de Zero Hora publicadas no final de 2012. Às vésperas de se completar 55 anos da instauração da ditadura e em meio à polêmica provocada pelo presidente Jair Bolsonaro, que mandou os quartéis celebrarem a data, relembre os episódios investigados por ZH.
Um dos fatos, ocorridos no auge da repressão, refere-se à morte do ex-deputado federal paulista Rubens Paiva, levado em janeiro de 1971 para o quartel do Destacamento de Operações e Informações do Exército - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), no Rio de Janeiro, de onde nunca mais voltou.
O outro episódio é o atentado a bomba no centro de convenções Riocentro, também na capital fluminense, em 1981, já nos estertores do governo militar, que durante décadas se esforçou para atribuir o crime a movimentos de esquerda.
A verdade sobre os dois casos foram reveladas por ZH em reportagens sobre os desdobramentos do assassinato do coronel reformado do Exército Julio Miguel Molinas Dias, 78 anos. Vítima da violência urbana em Porto Alegre, Molinas foi atacado a tiros por ladrões quando chegava de carro em frente à residência dele no bairro Chácara das Pedras, na noite de 1º de novembro de 2012.
Armado, o militar reagiu, frustrando o assalto, mas tombou sem vida, atingido por três disparos. Dias depois, a Polícia Civil prendeu três soldados da Brigada Militar, que foram condenados como autores do crime. Ao investigar as razões do assalto — roubar uma coleção de armas de Molinas —, a polícia soube que ele tinha chefiado o DOI-Codi, no Rio de Janeiro, no começo dos anos 1980, e guardava documentos sigilosos que escondiam a verdade sobre os dois grandes segredos dos anos de chumbo.
O desaparecimento e morte de Rubens Paiva
Aos 41 anos, o ex-deputado federal paulista pelo PTB, Rubens Beyrodt Paiva, vivia com a mulher e cinco filhos no bairro do Leblon, no Rio de Janeiro. Empresário e engenheiro civil, ele estava afastado da política por ter sido cassado pelo regime militar.
Em 20 de janeiro de 1971, feriado de São Sebastião, padroeiro da Cidade Maravilhosa, Rubens Paiva foi surpreendido em casa por seis agentes armados com metralhadoras da CISAer, Centro de Inteligência da Aeronáutica. O político teria sido delatado como destinatário de cartas enviadas por brasileiros exilados no Chile.
Rubens Paiva foi dirigindo seu próprio carro para a unidade da Aeronáutica. De lá, foi levado para o Destacamento de Operações e Informações do Exército - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), onde seguiu sendo espancado até a morte. Mas, oficialmente, o Exército sempre negou o ingresso de Rubens Paiva naquele centro de tortura. Alegou que Rubens Paiva tinha sido sequestrado por guerrilheiros armados durante a transferência para o quartel, passando a condição de foragido e desaparecido.
Essa versão foi sustentada pelas Forças Armadas por quatro décadas, até a localização de documentos na casa do coronel reformado do Exército Júlio Miguel Molinas Dias, após o assassinato dele em um assalto, em Porto Alegre, em 2012. Chefe do DOI-Codi, do Rio de Janeiro no começo do anos 1980, Molinas guardava em casa, uma pasta com o registro de entrada de Rubens Paiva no DOI-Codi. Uma folha de papel amarelada com timbre do Ministério do Exército e cabeçalho "turma de recebimento", continha dados de identificação do político e, detalhadamente, as peças de roupas que vestia, pertences pessoais e objetos que portava quando tinha saído de casa. Estava desfeito o mistério.
O atentado no Riocentro
A noite seria de comemoração antecipada do Dia do Trabalhador naquele 30 de abril de 1981 no centro de convenções do Riocentro, no Rio de Janeiro. Cerca de 20 mil pessoas se reuniram para shows com Alceu Valença, Beth Carvalho, Elba Ramalho, entre outros artistas, em protesto contra o regime militar, já em em fase terminal.
A atmosfera de mudanças no país desagrava militares radicais, contrários à abertura democrática. Eles praticavam ações terroristas, atribuídas a grupos de oposição com a finalidade de manter o controle do país.
O atentado foi planejado por militares do Destacamento de Operações e Informações do Exército - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), comandado, à época, pelo coronel Júlio Miguel Molinas Dias.
O objetivo era instalar duas bombas, uma junto ao palco, e outra no gerador de energia elétrica. As explosões deveriam provocar pânico na escuridão, e, tudo indica, resultaria em mortes. Mas o plano deu errado. A primeira bomba explodiu no colo do sargento Guilherme do Rosário, dentro do Puma do capitão Wilson Machado que ficou gravemente ferido. O segundo artefato detonou no pátio, mas longe da casa de força.
De imediato, os militares se apresentaram como vítimas. Placas de trânsito pichadas com a sigla VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), reforçariam a tese de que o grupo seria o responsável pelo crime. Embora recheada de explicações nada convincentes, essa versão prevaleceu entre militares por três décadas. Até ser desmontada por completa com a morte de Molinas, em 2012.
Os arquivos do ex-chefe do DOI-Codi, continham detalhes da Missão Nº 115, o nome oficial da fracassada manobra no Riocentro. Na maior parte das 200 páginas de anotações, havia uma espécie de diário, iniciado na noite de 30 abril que perdurou por mais de uma semana. Os registros com horários e codinomes dos agentes, revelaram a montagem de uma farsa. Ordens e telefonemas para ocultar pistas, forjar e distorcer provas com a finalidade de evitar que fatos avessos aos interesses dos militares viessem a público. Estava desfeita a mentira.