A Tela Quente desta segunda-feira (26), às 22h25min, na RBS TV, faz uma tabelinha com o Globoplay para mostrar o começo de uma série que todos nós deveríamos estar vendo: Os Outros (2023), que já teve oito episódios disponibilizados na plataforma de streaming (serão 12 na primeira temporada, com uma história fechada — a segunda trará novos personagens em um novo cenário).
Com direção de Luisa Lima e Lara Carmo, a história foi criada por Lucas Paraizo, principal roteirista de Sob Pressão (2017-). Ele citou como inspiração cinco ótimos filmes, cujos temas e situações se fazem visíveis: Beleza Americana (1999), de Sam Mendes, Elefante (2003), de Gus Van Sant, Deus da Carnificina (2011), de Roman Polanski, Relatos Selvagens (2014), de Damián Szifron, e Parasita (2019), de Bong Joon-ho. Por coincidência, Os Outros também tem parentesco com outra série lançada em 2023: Treta, na Netflix. Nessa produção criada por Lee Sung Jin e ambientada na Califórnia, uma discussão no trânsito entre os dois personagens principais desencadeia uma espiral de ódio e vingança que traz à tona mentiras e segredos, retratando a ansiedade e a intransigência do mundo contemporâneo.
Os Outros se passa em um enorme e fictício condomínio do Rio de Janeiro, o Barra Diamond. Uma briga entre dois adolescentes na quadra de futebol vai provocar um baita conflito entre a mãe de Marcinho (Antonio Haddad), guri que chega a desmaiar e quebrar um braço, e o pai do agressivo Rogerio (Paulo Mendes). Essa mãe, a esquentada e superprotetora Cibele, é interpretada por Adriana Esteves, excelente como sempre, e é casada com o pacífico Amâncio (Thomás Aquino, do filme Bacurau). O pai do outro garoto, Wando, um machista de quem o filho herdou a agressividade, é vivido pelo grande ator Milhem Cortaz (de O Lobo Atrás da Porta), e o personagem é casado com Mila (Maeve Jinkings, protagonista de Carvão), que também é mais ponderada.
Como em Treta, cada ação gera uma reação, cada fagulha gera um incêndio, em um ciclo vicioso que tem como combustível outras frustrações — familiares, amorosas, econômicas. Como na minissérie da Netflix, Os Outros recorre a flashbacks que ilustram a jornada de seus personagens para acrescentar camadas aos dramas do presente. Mas não há o clima de absurdo, e os respiros cômicos são involuntários ou mínimos. Aqui, o sufoco é constante: sabemos, desde a primeira cena, que alguma tragédia pode acabar acontecendo.
Essas duas famílias e os demais personagens do condomínio — como a síndica Lúcia (Drica Moraes, em bela atuação), que parece ter mais pose do que posses, e o ex-policial Sérgio (o humorista Eduardo Sterblitch, se revelando um bom ator dramático), cheio de conexões e segundas intenções — são um microcosmo da sociedade brasileira. Uma sociedade marcada pela intolerância e pela belicosidade, uma sociedade em que cada um de nós acha que tem mais razão do que o outro. A gente pensa que o inferno são os outros, mas esquece de olhar para o próprio umbigo. É por isso que, quando o nome da série aparece na tela, primeiro ficam em destaque as letras que formam a palavra SOU.
E uma da virtudes de Os Outros é que, embora algumas situações soem artificiais ou convenientes demais para o roteiro (como um envolvimento romântico que poderia ser melhor trabalhado, aproveitando as incursões ao passado, em vez de surgir quase de supetão), conseguimos nos identificar com os sentimentos e até com as reações dos personagens.
— Eu morro de vergonha de dizer isso, mas percebi que seria capaz de fazer muitas das coisas que os personagens fazem, que estou sujeito a ter reações horríveis, reações que eu não gostaria de ter, mas que são uma consequência da sociedade doente em que vivemos — disse Lucas Paraizo em entrevista à repórter Camila Bengo, em GZH. — A série é um alerta para que a gente pare antes de cruzar o limite.