O novo filme estrelado por Zendaya, Rivais (Challengers, 2024), dirigido pelo italiano Luca Guadagnino, parece um elo perdido entre Wimbledon: O Jogo do Amor (2004) e Passagens (2023).
Por um lado, o cenário e os personagens masculinos remetem à comédia romântica de Richard Loncraine, na qual Paul Bettany encarna o tenista Peter Colt, que já foi 11º colocado do ranking mas agora não tem mais pontos suficientes para competir no torneio de Wimbledon. É graças a um convite que vai jogar na mítica grama do All England Club, a sua despedida das quadras.
Em Rivais, Mike Faist, do Amor, Sublime Amor de Steven Spielberg, interpreta Art Donaldson, um ídolo das raquetes que está em má fase e já pensa em se aposentar. Antes, vai tentar pela última vez conquistar o Aberto dos EUA, o único Grand Slam que nunca venceu. Já Josh O'Connor, o jovem príncipe Charles na série The Crown, faz o papel de Patrick Zweig, que, por ser o número 270 e poucos do mundo, precisa disputar um campeonato do circuito Challenger para ter chance de avançar ao Aberto dos EUA.
Por outro lado, o triângulo amoroso que se forma em Rivais lembra aquele encenado por Ira Sachs em Passagens: novamente, os corpos são como paisagens transbordantes de tesão; novamente, um dos vértices será egoísta e manipulador; novamente, uma garota — Tashi Duncan, a personagem de Zendaya — vai bagunçar o relacionamento de dois rapazes.
Mas Art e Patrick não são um casal propriamente dito. Jamais verbalizam o que sentem um pelo outro — nem seria necessário, tamanha a tensão sexual. Não à toa, Tashi, quando conhece os dois, declara que não é uma "destruidora de lares". Seu surgimento atrapalha, mas também resolve: ela desvencilha um do outro, assume a posição de objeto do desejo de ambos.
Em cartaz a partir desta quinta-feira (25) nos cinemas, o imperdível Rivais é mais um filme em que Luca Guadagnino, 52 anos, explora o erotismo, faz da pele de seus atores uma personagem por si só, quase sempre transpirando, retrata a libido como um doce carrasco e vê o sexo como instrumento de poder. A coleção de títulos inclui 100 Escovadas Antes de Dormir (2005), Um Sonho de Amor (2009), Um Mergulho no Passado (2015), Me Chame pelo seu Nome (2017), que valeu uma indicação ao Oscar de melhor filme, na condição de produtor, Suspíria: A Dança do Medo (2018), sua versão para o clássico giallo de Dario Argentino, e Até os Ossos (2022), romance canibal pelo qual o cineasta recebeu o Leão de Prata no Festival de Veneza.
O roteiro marca a estreia cinematográfica de Justin Kuritzkes, dramaturgo que, curiosamente, é casado com Celine Song, diretora de outro filme recente sobre triângulo amoroso: Vidas Passadas (2023). Há um quê de teatro em Rivais: o elenco enxuto (basicamente, são apenas três personagens), a ourivesaria dos diálogos, a quadra de tênis como um palco. A esses elementos, Guadagnino acrescenta recursos que só o cinema pode oferecer: a câmera que passeia por todos os espaços (operada pelo tailandês Sayombhu Mukdeeprom), os efeitos de slow-motion ou de aceleração, a montagem (assinada pelo italiano Marco Costa) que manipula tanto o tempo da narrativa, ditando o seu ritmo, quanto o olhar do espectador.
A trama começa em 2019, na decisão do fictício torneio Challenger de New Rochelle. De um lado, está Art Donaldson, milionário e reverenciado pela torcida. Do outro, Patrick Zweig, que, ao desembarcar na cidadezinha do Estado de Nova York, sequer tinha dinheiro para pagar o hotel, onde é um ilustre desconhecido — acabou dormindo no carro. O jogo é disputado sob um sol inclemente, que amplifica o gotejar de suor dos tenistas, que já pisam em quadra desgastados e apreensivos, afinal, o tênis é um dos esportes mais exigentes quanto à saúde mental, e as partidas nunca têm hora certa para terminar. A intensidade do duelo é ressaltada pelas imagens, pela edição e pela trilha sonora, uma estrondosa música eletrônica absolutamente dançante e hipnótica, ao estilo das boates europeias, composta por Atticus Ross e Trent Reznor, dupla oscarizada por A Rede Social (2010) e Soul (2020, com Jon Batiste) e indicada por Mank (2020). Volta e meia essa trilha vai irromper no filme, como se traduzisse a urgência sexual do trio de personagens.
Nas arquibancadas, o público balança a cabeça para a esquerda e a direita, seguindo a direção da bola amarela. Mas um rosto, com os olhos cobertos por óculos escuros, permanece fixo. É o de Tashi, esposa, treinadora e empresária de Art. Somente ela parece enxergar o que está por trás de cada saque, cada rebatida, cada explosão de fúria contra a raquete.
A partir daí, como se simulasse a constante alternância de um jogo de tênis, o filme empreende um vaivém no tempo. Recua 13 anos, para mostrar o primeiro encontro de Art e Patrick com Tashi, quando eles eram campeões em dupla (e não exerciam uma rivalidade à la Borg versus McEnroe) e ela era um prodígio do esporte, depois retorna ao presente; então, retrocede mais alguns anos, com destino aos bastidores de um torneio em Atlanta, e depois volta a New Rochelle. Em uma das paradas, ouve-se Caetano Veloso cantando os versos em espanhol de Pecado, música do disco Fina Estampa (1994): "Yo no sé si es prohibido / Si no tiene perdón / Si me lleva al abismo / Sólo sé que es amor".
Os flashbacks e flashforwards detalham o conflito dramático e desenham a personalidade de cada personagem (a índole volátil de Patrick e seu charme autodepreciativo permitem a Josh O'Connor se destacar no elenco). Excitam o espectador ao longo de duas horas para um clímax no qual Guadagnino, para o gozo dos fãs de tênis, filma o duelo ao sol em todas as posições possíveis — temos até o ponto de vista da bolinha!