O fim do mundo é um mundo sem fim no cinema e no streaming. Praticamente a cada semana, estreia um filme ou um seriado apocalíptico.
A lista de séries mais ou menos recentes é longa: The Walking Dead, Os 100, Os 12 Macacos, O Último Cara da Terra, O Último Navio, 3%, The Rain, See, Black Summer, Cidade dos Mortos, O Expresso do Amanhã, Sweet Tooth, Estação Onze, The Last of Us, Silo... Agora em abril, o Amazon Prime Video lançou Fallout (2024), adaptação do popular game homônimo. Eu só vi o primeiro episódio. Gostei do chamado worldbuilding, a criação daquele universo imaginário, mas logo perdi o tesão diante da aposta na violência, na espetacularização da violência, o que é habitual nessas obras.
Na versão alternativa da Terra apresentada em Fallout, os avanços na tecnologia nuclear após a Segunda Guerra Mundial levaram ao surgimento de uma sociedade retrofuturista e à escassez de recursos. Em 2077, estoura um novo conflito global, e os muitos sobreviventes se refugiam em enormes bunkers — são a elite, que cria uma atmosfera fantasiosa para se distanciar da devastação e dos perigos do lado de fora. Mais de 200 anos depois, uma invasão sangrenta forçará a jovem Lucy, que recém havia se casado, a se aventurar nos desertos de Los Angeles à procura do seu pai. "Ao longo do caminho", diz a sinopse, "ela conhecerá um escudeiro da Irmandade de Aço e um caçador de recompensas, cada um com seu próprio passado misterioso e planos para resolver".
No cinema, acabou de estrear Guerra Civil, e em maio chegam os novos títulos de duas franquias pós-apocalípticas: Planeta dos Macacos: O Reinado e Furiosa: Uma Saga Mad Max.
Para o final do ano, pode apostar que a Netflix vai lançar um filme cataclísmico com astros de Hollywood, não raro vencedores do Oscar. Já virou uma tradição natalina, vide Bird Box (2018), com Sandra Bullock; O Céu da Meia-Noite (2020), com George Clooney; Não Olhe para Cima (2021), com Leonardo DiCaprio, Jennifer Lawrence, Meryl Streep e Timothée Chalamet; Ruído Branco (2022), com Adam Driver e Greta Gerwig; e O Mundo Depois de Nós (2023), com Julia Roberts, Ethan Hawke e Mahershala Ali.
Por que o público é tão fascinado, por que assistimos a tantos filmes e seriados apocalípticos?
Talvez porque essas produções, geralmente ambientadas no amanhã, nos convidem a refletir sobre inquietações de hoje. Como diz Rudinei Kopp, autor do livro Quando o Futuro Morreu? (2011), as distopias encenadas se apresentam não exatamente como profecias, mas pesadelos do nosso tempo.
"A ficha do aquecimento global está caindo primeiro na ficção", comentou comigo o psicólogo e psicanalista Mário Corso, colunista de GZH. "A maioria das pessoas não quer saber disso, e o não falado aparece nos filmes e nas séries."
Sua esposa, a também psicóloga e psicanalista Diana Corso, acrescentou:
"Acho que ninguém gosta de se saber mais um elo da história da humanidade e do planeta que tende a ser superado. Daqui a pouco a gente vira pó e também cinza na memória. Todo mundo gosta de pensar que talvez nós sejamos a última geração do planeta. Quando a gente vê um filme apocalíptico, não pensamos que fazemos parte do exército de zumbis, mas do eleito grupo que vai sobreviver. Nem que seja em más condições, nós vamos ser a forma final da humanidade. A gente não vai ser superado, a gente tem o protagonismo".
Fiz a mesma pergunta ao Érico Assis, crítico de quadrinhos (um campo ainda mais fértil para esse tipo de narrativa, já que não depende de orçamento polpudo para a construção de cenários e os efeitos visuais) e tradutor:
"Acho que é o mesmo princípio que faz a capa de jornal com notícia ruim vender mais do que a capa com notícia boa: é um princípio antropológico que nos leva a buscar informação para se proteger, proteger a família, proteger sua vida. Claro que, se você levar isso a sério, conscientemente, você pode estudar sobrevivencialismo, equipar seu bunker e efetivamente se preparar para o pior. Os filmes, os quadrinhos e os seriados desenham com todas as cores como a situação pode ser e conversam melhor do que as previsões sérias com esse instinto, que, óbvio, leva tão poucos a se preparar de fato. Mas o instinto ainda existe e nos leva a ler ou assistir, a se colocar naquele apocalipse".