Talvez eu estivesse entusiasmado demais, mas, na época de sua estreia, considerei Deadpool & Wolverine (2024) o terceiro melhor filme da linhagem X-Men e o quinto no ranking do Universo Cinematográfico Marvel (MCU, na sigla em inglês). Se eu não tivesse família esperando em casa, teria visto de novo a aventura estrelada por Ryan Reynolds e Hugh Jackman depois da primeira sessão de pré-estreia na sala 7 do antigo Espaço Bourbon Country (hoje Cinesystem) — que, durante algumas cenas, ganhou clima de estádio de futebol, tamanha a vibração do público.
A ausência desse componente importante, a torcida, pode tornar bem menos empolgante e engraçada a experiência de assistir em casa ao filme, que nesta terça-feira (12) entra no menu do Disney+.
Deadpool & Wolverine marca o ingresso oficial desses dois super-heróis e de todos os X-Men no MCU. Durante duas décadas, os personagens mutantes dos quadrinhos estrelaram 13 filmes em outro estúdio, o Fox, comprado em 2019 pela Disney, dona do Marvel Studios. De X-Men (2000) a Os Novos Mutantes (2020), esses longas-metragens trabalharam os conceitos básicos criados em 1963 pelo roteirista Stan Lee e o desenhista Jack Kirby. Por um lado, a equipe liderada pelo Professor Xavier permite especular sobre evolução genética; por outro, como metáfora das minorias perseguidas, estimulam o combate ao preconceito, o convite à tolerância e a busca por uma difícil, mas necessária convivência harmoniosa. Em um nível mais particular, também possibilitam uma discussão sobre as questões de identidade e os desejos e as angústias adolescentes.
O personagem mais popular da franquia, contudo, não tem nada de sério. Deadpool, o mercenário assassino com poderes regenerativos interpretado por Ryan Reynolds, tem como características a verborragia lasciva, o regozijo com a brutalidade, a imaturidade inconsequente. Suas duas primeiras aventuras eram os maiores sucessos de bilheteria dos mutantes: Deadpool 2 (2018) arrecadou US$ 785,8 milhões, e Deadpool (2016), com US$ 782,8 milhões.
Na terceira, Deadpool, como dizia a piada antecipada nos trailers, provou ser o Jesus da Marvel. O 34º longa-metragem do MCU ultrapassou com sobras a marca do bilhão nas bilheterias, o que só havia acontecido uma vez nos 10 lançamentos anteriores. Somou US$ 1,33 bilhão (na temporada, só perde para Divertida Mente 2, com US$ 1,69 bilhão), mesmo com a classificação indicativa para maiores de 18 anos. Mas não seria um filme do Deadpool se não houvesse muita violência e muita bagaceirice, geralmente misturadas na mesma cena.
Outro elemento característico, a metalinguagem, pode ter afugentado neófitos, mas é capaz de ter feito os fãs das aventuras de super-heróis voltarem para uma segunda vez: nunca se viu tanta referência. Revelar as citações e as aparições seria um crime — naquela sessão de pré-estreia a que eu fui, houve palmas efusivas e gargalhadas estridentes em pelo menos três momentos (duvido que sozinho em casa o espectador tenha reação semelhante). Mas dá para contar que o filme dirigido por Shawn Levy — parceiro de Reynolds em Free Guy: Assumindo o Controle (2021) e O Projeto Adam (2022) — vai do celebratório e do épico à autocrítica e à ridicularização. O alvo varia entre as produções da Fox (que, SPOILER, não se restringiam aos X-Men) e o próprio MCU, que aqui tem seu bagunçado Multiverso praticamente sepultado (e também sobra para o universo cinematográfico da DC!).
A sequência de abertura resume bem essa oscilação. "Só a musiquinha já é de arrepiar", comenta o personagem de Ryan Reynolds (absolutamente à vontade no papel) após aparecer o logotipo do estúdio, para em seguida chamar a Marvel de "idiota". Na cena, ele está desenterrando Wolverine da cova que vimos ao final de Logan (2017). Essa morte, explica Paradox (Matthew Macfadyen), um executivo da Autoridade de Variância Temporal, determinou a extinção do mundo em que vive Deadpool. Para evitar o genocídio e, de quebra, ingressar na chamada Linha do Tempo Sagrada, onde poderia almejar uma vaga nos Vingadores, o mercenário tagarela viaja pelas diferentes Terras da Marvel até achar um Wolverine que tope ajudá-lo, nem que seja à base de quebra-pau. Acaba encontrando uma versão do mutante encarnado por Hugh Jackman (absolutamente nascido para o papel) inédita nos filmes, com o uniforme amarelo que o deixou famoso nos quadrinhos, mas com o já conhecido combo de fúria primitiva, sedução selvagem e rabugice alcoolizada.
Em respeito àqueles que escaparam ilesos das redes sociais e dos sites de notícias nos últimos meses, paro por aqui na descrição da trama para não estragar as surpresas. Que, vale reforçar, terão mais graça se você conhecer bastante do que foi produzido (ou até NÃO produzido) nos últimos 25 anos no cinema de super-heróis. Deixo um conselho: chame os amigos para assistir a Deadpool & Wolverine, porque o riso é contagiante. Um lembrete: tem cena pós-créditos. E um alerta: você nunca mais vai ouvir Like a Prayer (1989), da Madonna, sem visualizar o, ora, esplendor físico de Jackman, hoje com 56 anos.
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