Meses antes de sua estreia, o primeiro filme da Marvel com classificação indicativa 18 anos já provocou polêmica. Curiosamente, a controvérsia não foi causada por alguma cena de violência ou sexo de Deadpool & Wolverine, que entra em cartaz nos cinemas brasileiros no dia 25 de julho. Uma informação nos créditos da produção dirigida por Shawn Levy e estrelada por Ryan Reynolds e Hugh Jackman gerou bafafá no mundo dos quadrinhos.
O jornalista e escritor Rob Salkowitz, autor do livro Comic Con and the Business of Pop Culture: What the World's Wildest Trade Show Can Tell Us About the Future of Entertainment (2012, inédito no Brasil), explicou bem a celeuma em dois artigos publicados no site da revista Forbes.
Tudo começa 50 anos atrás, quando Wolverine fez sua primeira aparição em um gibi da Marvel, na última página do número 180 de The Incredible Hulk. Inicialmente identificado como Arma X, o personagem já apresentava vários dos traços que o transformariam no mais popular dos X-Men, os super-heróis mutantes: era um canadense baixinho com o temperamento feroz de um carcaju (em inglês, wolverine), garras retráteis nas mãos e o uniforme amarelo que será visto no filme. Ainda não havia referências a seu fator de cura e a seu passado traumático, que envolve lavagem cerebral e implantes de memória.
A história em quadrinhos foi escrita por Len Wein (1948-2017) e desenhada por Herb Trimpe (1939-2015), mas o visual do personagem foi concebido por John Romita Sr. (1930-2023). Assim, durante décadas a Marvel creditou a criação a Wein e Romita Sr. Mas Deadpool & Wolverine acrescentará o nome de Roy Thomas, 83 anos, que era o editor-chefe da Marvel.
A decisão desagradou a viúva de Len Wein, Christine Valada, uma advogada especializada nas áreas de entretenimento e direitos autorais, e muitos artistas dos quadrinhos. Primeiro porque não é praxe um editor receber essa distinção, segundo porque todos os demais envolvidos já morreram e, portanto, não podem apresentar as suas versões.
— Ver o nome de Roy Thomas como cocriador me deixa mal do estômago. Não se trata de finanças. Trata-se de valor roubado. Francamente, equivale a chamar meu marido de mentiroso durante toda a sua carreira — disse Valada a Rob Salkowitz. — O homem (Roy Thomas) deveria ter permanecido em seu lugar como editor, recebendo seus elogios por isso, e não tentando usurpar o crédito que não lhe é devido e que não mereceu. Len foi o editor de Alan Moore e Dave Gibbons em Watchmen, por exemplo, mas ele nunca sonhou em tomar o status de cocriador de qualquer coisa que ele editou, não importa o quanto tenha contribuído no processo.
O roteirista Mark Waid, famoso por obras como O Reino do Amanhã e Imperdoável por suas passagens pelos personagens Flash, Capitão América e Demolidor, ironizou em um post no Facebook: "Cara, estou tendo o pior dia. Eu criei um personagem de quadrinhos antes de dormir e acordei para descobrir que Roy Thomas tinha cocriado!".
Em conversa com Salkowitz, Thomas se defendeu, relatando que, como editor-chefe da Marvel, incumbira Len Wein e John Romita Sr de desenvolver um personagem seguindo quatro requisitos: "Que ele se chamasse Wolverine, fosse canadense, fosse feroz porque os wolverines (carcajus) são criaturas ferozes e que ele fosse baixo, porque os super-heróis geralmente são altos".
Segundo Christine Valada, Wein fez toda a pesquisa que moldou os poderes e a personalidade de Wolverine. Ela disse que tem grande respeito pelos editores, mas entende que não se pode equiparar o seu trabalho com "o suor e o sangue" de escritores e artistas na concretização de ideias. "Ele fez sugestões, como faz um editor", afirmou.
Para tornar o tema mais complexo, Rob Salkowitz resgatou uma entrevista concedida em 2012 por Herb Trimpe: "Eu estava no escritório quando John começou a trabalhar no Wolverine. Não quero tirar a capacidade de ninguém de ganhar algum dinheiro, mas Wolverine tem o conceito de Roy e o design de John. O escritor, na minha opinião, deu voz ao personagem e realmente colaborou com o artista em termos de dar vida a Wolverine, o que não é pouca coisa, mas não é realmente o criador do conceito".
No artigo da Forbes, Roy Thomas comentou:
— Esta situação é lamentável porque estou apenas tentando finalmente obter crédito por algo cujos fatos são conhecidos há muitos anos, e estou sendo retratado como um canibal tentando roubar o cadáver de Len Wein. Em primeiro lugar, esta não é uma questão financeira. Não estou recebendo um centavo, até onde eu sei, e isso de forma alguma prejudica tudo o que as famílias de Len e John possam estar recebendo, se é que recebem alguma coisa. Não sei qual é o acordo financeiro deles com a Marvel. Já estou recebendo dinheiro de minhas outras contribuições para a Marvel, eu não preciso do dinheiro do Wolverine, muito obrigado.
Também no Facebook, Mark Waid rebateu essa última declaração, repostando a notícia de que Thomas participará de uma sessão de autógrafos comemorativa dos 50 anos de Wolverine. Cada assinatura custa US$ 110.