A Temperatura Máxima deste domingo (14), às 12h30min, na RBS TV, vai exibir um filme que foi massacrado tanto pelo público quanto por meus colegas de crítica, mas eu adoro: X-Men: Fênix Negra (Dark Phoenix, 2019).
Na imprensa, o repúdio pode ser constado em dois sites que compilam avaliações: a nota do Metacritic é 43, e há somente 22% de avaliações positivas no Rotten Tomatoes. No Framboesa de Ouro, o prêmo de galhofa criado por um publicitário de Hollywood, concorreu nas categorias de pior prólogo, refilmagem ou sequência e de pior atriz coadjuvante (Jessica Chastain, vencedora do Oscar por Os Olhos de Tammy Faye, em 2022).
Fênix Negra não fez sucesso nem junto aos fãs dos super-heróis mutantes da Marvel — que, vale lembrar, tiveram seus direitos cinematográficos pertencentes à Fox durante 20 anos (o vindouro Deadpool & Wolverine será o primeiro X-filme dentro do Universo Cinematográfico Marvel). Com US$ 252,4 milhões arrecadados, ocupa o penúltimo lugar entre os 13 títulos lançados pelo finado estúdio, comprado pela Disney em 2019. Só está à frente do famigerado Os Novos Mutantes (2020), que estreou durante a pandemia de covid-19 e faturou apenas US$ 49,1 milhões.
Na verdade, sinto que existe uma má vontade em relação aos filmes dos X-Men. Dizem, por exemplo, que contam sempre a mesma história: há uma grande ameaça aos mutantes, e em determinado momento o conflito de ideias entre o Professor Xavier e Magneto ganha o protagonismo. Como se nos gibis fosse muito diferente.
Quem escreve e dirige Fênix Negra é Simon Kinberg, que até então havia aparecido como roteirista e/ou produtor de um punhado de adaptações estreladas pelos mutantes, incluindo Dias de um Futuro Esquecido (2014), Apocalipse (2016) e Logan (2017). Como os três títulos citados, o filme se baseia em uma HQ famosa, mas é bom avisar aos fãs radicais: não é uma transposição da clássica saga assinada por Chris Claremont (texto) e John Byrne (arte) na virada dos anos 1970 para os 1980. Muitos vão reclamar de diferenças, de mudanças — de sacrilégios! —, mas, para mim, mais uma vez o cinema respeita a essência dos quadrinhos. O que importa é que, na tela, vê-se o conto sobre a corrupção pelo poder contado por Claremont.
O filme começa em 1975, enfocando um episódio traumático na vida da pequena Jean Grey, que (para quem chegou agora) tem poderes telepáticos e telecinéticos. Depois desse evento, a menina é levada, sob tutela do professor Charles Xavier (James McAvoy), à mansão onde ele mantém uma escola para jovens superdotados. Pula para 1992, quando os X-Men, com um insuspeitado status de Vingadores — afinal, costumam ser perseguidos pelas autoridades —, são convocados pelo presidente dos EUA para salvar, no espaço, a tripulação do ônibus espacial Endeavour.
É aí que Jean (encarnada por Sophie Turner, a Sansa do seriado Game of Thrones), enfrentará uma nova provação, em uma espécie de releitura do mito de Ícaro. E é aí que vemos uma faceta diferente de Xavier, a do mentor vaidoso e propenso a fazer de tudo para preservar a imagem pública de seus pupilos — como ele diz, os X-Men estão sempre "a um dia ruim" de voltarem a ser inimigos.
Empolgante (a sequência do resgate é de tirar o fôlego) e comovente (nada como uma câmera lenta na hora certa), Fênix Negra acabou se mostrando um filme mais coeso do que alguns de seus antecessores, que alternavam bons e maus momentos, impacto e algum tédio, júbilo e vergonha alheia. Não chega nada perto de X-Men 2 (2003), que, mais de 20 anos depois, permanece fresco, com cenas que ainda sideram mesmo diante do avanço dos efeitos visuais (vide a antológica abertura com o ataque de Noturno à Casa Branca, ou a fuga de Magneto da prisão). Mas está longe de deixar o travo amargo de X-Men: O Confronto Final (2006), que encerrou a primeira trilogia mutante também adaptando A Saga da Fênix Negra.
Um dos grandes responsáveis pelo equilíbrio dramático é o compositor Hans Zimmer. Ganhador do Oscar por O Rei Leão (1994) e Duna (2021) e autor de trilhas marcantes para Batman: O Cavaleiro das Trevas (2008) e O Homem de Aço (2013), Zimmer estabelece desde o início de Fênix Negra um tom épico e uma gravidade que camuflam o desenvolvimento algo genérico da segunda metade do filme, quando as duas pontas narrativas se unem — ao abismo emocional de Jean, devastada por descobrir uma mentira sobre seu passado, soma-se o surgimento de uma ameaça alienígena interpretada por Jessica Chastain, desencadeando explosões de fúria. (Por falar em tensão, quase não há humor, exceto algumas piadas do Peter Maximoff de Evan Peters e uma boa tirada sobre o nome do supergrupo — que deveria se chamar X-Women, visto que são sempre as mulheres a resolver as paradas.) O contagiante leitmotiv se desdobra em diferentes arranjos, ora incorporando tubas e percussão eletrônica acelerada, ora investindo na sutileza de um piano, por vezes lançando, ao fundo, vocalizações angelicais. De certa forma, espelha a evolução da própria franquia, que sempre se debruçou sobre os mesmos temas, aqueles que pautam os X-Men desde sua estreia nos quadrinhos, em 1963: o combate ao preconceito, o convite à tolerância, a busca por uma difícil, mas necessária convivência harmoniosa, as questões de identidade.
É verdade que a música pode incomodar por ser onipresente. Inexiste o silêncio, talvez porque não haja um solo de interpretação. Michael Fassbender, que galvanizava atenções em segmentos como Primeira Classe (2011) e Apocalipse, ligou o piloto automático para a última jornada de Magneto. Jennifer Lawrence parecia nitidamente cansada de encarnar Raven/Mística. Sophie Turner, desobrigada de carregar o filme nas costas (ela sequer encabeça o elenco), apesar da condição de protagonista que o título sugere, não compromete, mas fica um tantinho aquém da carga que o papel pedia. À vilã de Chastain, por sua vez, nem nome deram (ou eu não prestei atenção), como indício de que logo seria esquecida, em que pese a visível satisfação da atriz de fazer uma personagem bidimensional, sem maiores nuances do que a dupla frieza e malvadeza.
Mas essa falta de brilho individual reverte-se a favor de Fênix Negra. Novamente, empresta harmonia. Indo além, parece ecoar uma das mensagens do longa-metragem e dos mutantes como um todo: aquela que valoriza o pertencimento dos desajustados, a união dos diferentes. X-Men sempre foi uma história sobre reunir características particulares em nome de uma causa coletiva, sobre ser capaz do sacrifício em nome daqueles que nos acolheram como uma família. E essa foi a hora do adeus de heróis e atores com quem tínhamos nos familiarizado ao longo de quatro aventuras cinematográficas e quase 10 anos. Chorei. Afinal, como diz o filme, é a emoção que nos torna fortes. É ela que nos permite alcançar e exercer o superpoder da empatia.