O futuro mostrou que eu estava mais errado do que certo, mas, quando assisti a O Homem de Aço (2013), fiquei bastante empolgado quanto ao universo cinematográfico da DC Comics. Na esteira da exitosa trilogia do Batman dirigida por Christopher Nolan (somadas as bilheterias, foram mais de US$ 2,4 bilhões arrecadados, além dos dois Oscar conquistados por Cavaleiro das Trevas: melhor edição e ator coadjuvante, para Heath Ledger), a abordagem foi realista e sombria. Por um lado, pareceu uma estratégia arrojada a DC, no cinema, querer se distanciar do mundo mais leve e colorido visto nas aventuras do super-heróis da Marvel. Por outro, a amargura e a violência do filme acabam provocando outro distanciamento: o do seu protagonista, o Superman, dos ideais de proteção e esperança que ele representa (e que, aliás, viriam bem a calhar nestes tempos de pandemia).
Cartaz da faixa Campeões de Bilheteria deste domingo (5), às 15h25min, na RBS TV, O Homem de Aço marcou o resgate cinematográfico do Superman, exilado na zona fantasma das franquias de super-herói desde que Brandon Routh estrelara Superman – O Retorno (2006), uma pálida reverência aos longas dos anos 1970 e 1980 protagonizados por Christopher Reeve. Para a terceira encarnação, foi convocado o inglês Henry Cavill, até então conhecido apenas pelo seriado The Tudors.
A trama, escrita pela mesma dupla da bat-trilogia, Christopher Nolan e David S. Goyer, e dirigida por Zack Snyder (que já havia assinado outras duas adaptações de quadrinhos, 300 e Watchmen), tinha duas metas: faturar uma fortuna e pavimentar o caminho para um filme da Liga da Justiça. No primeiro objetivo, arrecadou US$ 668 milhões e tornou-se a nona maior bilheteria de 2013, mas bastante abaixo de Frozen e Homem de Ferro 3, ambos com US$ 1,2 bilhão. Pode-se dizer que a segunda meta foi concluída, mas aos trancos e barrancos e sob chuva pesada, tanto da crítica quanto do público.
O pesado e espalhafatoso Batman vs Superman: A Origem da Justiça (2016) chegou a "ganhar" quatro troféus Framboesa de Ouro, uma premiação galhofeira que antecede o Oscar, e o bobinho Liga da Justiça (2017) fez menos dinheiro do que O Homem de Aço: US$ 657 milhões. Esquadrão Suicida (2016) até que foi bem de bilheteria (quase US$ 750 milhões), mas foi massacrado pela crítica. Mulher Maravilha (2017) chegou mais perto, com US$ 821 milhões, mas a DC só voltou a alcançar a marca do US$ 1 bilhão com o assumidamente kitsch Aquaman (2018) e o assumidamente controverso Coringa (2019), que inclusive concorreu ao Oscar de melhor filme e valeu a Joaquin Phoenix a estatueta de ator. No total, quatro filmes com heróis da DC já ultrapassaram essa barreira, contra nove da Marvel.
Mas retomando O Homem de Aço: a origem do personagem é a mesma – para que o filho Kal-El sobreviva à destruição do planeta Krypton, Jor-El (Russell Crowe) o envia à Terra, onde, criado por pais adotivos (Kevin Costner e Diane Lane), desenvolverá superpoderes. Porém, Nolan e Goyer adicionaram um golpe de estado, matriz genética e animais alados e empregaram uma estrutura não linear.
Quando Kal-El surge na Terra, ele já é um homenzarrão barbudo de 30 e poucos anos, que anonimamente salva operários de incêndio em plataforma petrolífera. São flashbacks que mostram sua infância e juventude em Smallville – e cada remissão ao passado conversa com o presente, constrói o caráter do protagonista.
Clark Kent acaba deixando rastros, atraindo a repórter Lois Lane (Amy Adams) e, pior, o general dissidente Zod (Michael Shannon), obstinado em reviver Krypton – mesmo que para isso destrua a Terra.
O terço final põe literalmente por terra o que foi erguido nos dois terços iniciais, justamente por causa de demoradas e monótonas cenas de destruição. Antes, a feliz combinação entre o roteiro, a concepção visual de Snyder e a música de Hans Zimmer reconduz Superman ao Olimpo do qual ele foi o pioneiro ocupante, em 1938.
Mas é menos à mitologia grega e mais à Bíblia que o filme alude. A jornada do kryptoniano espelha a de Jesus: o onisciente pai do além, os anos de provação de Clark em empregos ordinários (como os 40 dias no deserto), os milagres, a idade do sacrifício pela humanidade – em uma cena, o herói se apresenta com 33 anos. O salvador que muitos, hoje, esperam.