Na comunidade nerd, poucos filmes foram tão aguardados quanto Liga da Justiça. Pode-se dizer que os fãs esperavam a estreia nos cinemas da superequipe da editora DC desde 2012, quando sua grande concorrente, a Marvel, lançou Os Vingadores. Nesses cinco anos, enquanto a Marvel pavimentava seu universo cinematográfico com ampla aceitação do público (quatro de seus títulos romperam a barreira do US$ 1 bilhão nas bilheterias) e, no geral, boa recepção da crítica, a DC patinava por seguir um caminho sombrio – fosse por influência da trilogia Batman dirigida por Christopher Nolan, fosse por uma estratégia de se distanciar do mundo mais leve e colorido visto nas aventuras de Homem de Ferro, Thor, Capitão América e Hulk. Com fartas doses de amargura e violência, O Homem de Aço (2013), Batman vs. Superman (2016) e Esquadrão Suicida (2016) não chegaram a ser fracassos comerciais, mas nenhum se aproximou do US$ 1 bilhão e todos colecionaram comentários negativos.
Um raio de esperança se acendeu para os leitores da DC no meio deste ano. Primeiro, com a notícia de que o diretor Joss Whedon – o mesmo dos dois Vingadores – havia sido chamado para complementar as filmagens de Liga da Justiça (o motivo era triste: Zack Snyder se afastara devido a uma tragédia familiar). Depois, com a estreia de Mulher-Maravilha, bem mais solar do que seus predecessores. O slogan do filme da Liga traduzia o tamanho da aposta da DC: literalmente, "você não pode salvar o mundo sozinho" era uma referência à necessidade dos heróis de se unirem para combater o mal; figurativamente, funcionava como um recado interno – sem uma superequipe no cinema, não tem como "salvar o mundo", ou seja, enfrentar a Marvel de igual para igual.
Arrisco-me a dizer que ainda não será desta vez.
Liga da Justiça, que entra em cartaz nesta quarta-feira (15), traz desde o início a mão pesada e dura com que Snyder contaminou as adaptações da DC para o cinema – aliás, os créditos de abertura deixam bem claro que este é "um filme de Zack Snyder". Ainda que sem a voz soturna de seu compositor e intérprete original, Leonard Cohen, os versos de Everybody Knows cantados pela norueguesa Sigrid refletem a paleta escura do diretor: "Todo mundo sabe que os dados estão viciados / Todo mundo caminha com os dedos cruzados / Todo mundo sabe que a guerra acabou / Todo mundo sabe, os bons perderam / Os pobres continuam pobres e os ricos ficam ricos / É assim que as coisas são, todo mundo sabe".
Todo mundo sabe que lá vem bomba, cantarolei baixinho diante da primeira cena, prenúncio de um videogame sombrio pontuado por dramas que não comovem e por diálogos que provocam vergonha alheia (AVISO: SPOILERS PELA FRENTE). O Superman está morto, mostra a manchete do jornal, e a Terra se vê diante de uma nova ameaça vinda do espaço: o Lobo da Estepe, outro vilão manipulado digitalmente e com voz distorcida (coitado do bom ator Ciaran Hinds, que não contracenou com ninguém exceto uma tela verde e que sequer pode ser reconhecido). Auxiliado por "parademônios" – uma espécie de homens-inseto –, o Lobo veio atrás dos três porquinhos, quer dizer, das três "caixas maternas", artefatos que, claro, contêm enorme poder e podem causar a destruição do mundo. Uma está guardada na ilha das Amazonas, outra, no reino submerso dos Atlantes, e a terceira foi escondida pelos homens.
É hora de Batman recrutar um time de heróis – a Mulher-Maravilha (Gal Gadot), Flash (Ezra Miller), Ciborgue (Ray Fisher) e Aquaman (Jason Momoa) – e ressuscitar Superman (Henry Cavill). É hora de um desfile de uniformes dignos de um Carnaval extravagante. É hora de duelos e combates grupais barulhentos, monótonos, inconsequentes e recheados de efeitos especiais, distrações em um roteiro pobre de surpresas ou de discussões morais mais elevadas (nesse sentido, Liga da Justiça consegue ser pior do que Batman vs. Superman, que pelo menos era mais ousado). É hora de presentinhos para fãs (um Lanterna Verde aparece!, a trilha sonora do Superman de 1978 e do Batman de 1989 é evocada) e de referências aos filmes anteriores ("Você sangra?", ironiza, à certa altura, um Superman enfurecido a um Batman nitidamente fora do peso e fora do lugar – quando Bruce Wayne diz que toparia morrer para que Clark Kent pudesse viver, parece que estou vendo Ben Affleck buscando um jeito de pular da barca). É hora de sorrisinhos em meio a cenas de luta e piadinhas constrangedoras que vão na contramão da gravidade da história (não bastasse o Flash disparar uma gracinha por fala, até o Ciborgue, que passa quase todo o filme resmungando, termina num tom bem-humorado – nesse sentido, Thor: Ragnarok diverte bem mais, pois há química entre os atores Chris Hemsworth, o Deus do Trovão, e Mark Ruffalo, o Hulk).
Tudo isso não leva muito tempo, eis um ponto a favor de Liga da Justiça – a duração é de 121 minutos. O sofrimento estava quase acabando, mas, como o ator Jason Momoa havia avisado, a DC copiou uma característica da Marvel: há duas cenas pós-créditos (a primeira é uma piada sobre uma antiga dúvida nerd, e a segunda traz o gancho para a próxima aventura). Na sessão para a imprensa, ninguém se mexeu até que a tela enfim voltasse a ficar branca, talvez na esperança de que, sei lá, surgisse uma terceira e redentora cena pós-crédito depois de correrem os nomes das centenas de técnicos de efeitos visuais, os verdadeiros heróis deste filme.