Esquadrão Suicida é ainda pior do que imaginei. Todas as críticas negativas que o filme vem recebendo não são suficientes para expressar seus problemas. Portanto, aqui vai mais uma.
Em cartaz nos cinemas, Esquadrão Suicida comete um pecado capital na adaptação de histórias em quadrinhos: o desvirtuamento dos personagens. Não se trata de ter tornado mocinhos dos gibis em vilões do cinema, ou vice-versa – o elenco segue sendo flor que não se cheira, desde a oficial do governo americano Amanda Waller (interpretada por Viola Davis) até o criminoso que serve de boi de piranha para mostrar quem manda naquela joça (no caso, a equipe, não o filme em si). O que foi terrivelmente deturpado é o próprio conceito de Esquadrão Suicida.
Leia mais
Cheio de problemas, "Esquadrão suicida" é uma tragédia do começo ao fim
Pelo Twitter, diretor de "Esquadrão suicida" reage às críticas negativas
QUIZ: descubra quem é você em "Esquadrão suicida"
Esquadrão suicida: quem é quem
O grupo de mercenários angariou popularidade no final dos anos 1980, quando ainda havia a Guerra Fria, opondo Estados Unidos contra a União Soviética, repúblicas comunistas em geral e também países árabes, entre outros inimigos. Os vilões voluntários faziam o serviço sujo, tipo Jason Bourne. Por exemplo: viajar ao fictício Qurac, no Oriente Médio, para desbaratar o Jihad, grupo terrorista meta-humano (o jeito DC de dizer mutante) que planeja atacar os EUA. Ou desmascarar uma organização chamada Império Ariano, que só prende criminosos negros, asiáticos e latinos. Ou então libertar de uma prisão na URSS uma escritora russa dissidente. Como vocês podem ver, tinha sempre um subtexto político por trás de cada missão.
No filme do Esquadrão Suicida, isso é desprezado logo de início: a preocupação de Amanda Waller é o que fazer se o próximo Superman for do mal.
Esquadrão Suicida, o filme, até que funciona nos seus primeiros 10 minutos, que mostram a formação dessa equipe e a história de cada personagem – a saber, Pistoleiro (Will Smith), Arlequina (Margot Robbie), Diablo (Jay Hernandez), Capitão Bumerangue (Jai Courtney), Crocodilo (Adewale Akinnuoye-Agbaje), o militar Rick Flag (Joel Kinnaman) e Magia (Cara Delevingne). É louvável a intenção da DC de criar um universo cinematográfico, de estabelecer uma cronologia, ligando os eventos de Esquadrão Suicida àqueles narrados em Batman vs. Superman e promovendo aparições de heróis como Batman e Flash. Mas essa boa vontade terminou ao perceber que a trupe sequer cruzaria fronteira e que teria de lidar não com um inimigo político dos americanos, mas com uma insurgência: Magia fugiu do controle, ressuscitou seu irmão grandão e pôs em marcha o milésimo plano maligno para dominar o mundo – o que, como uma praga nos filmes de super-herói, envolve um maldito halo no céu. O ridículo da missão tem um agravante: dos caras recrutados para combater essas criaturas mágicas, apenas um, Diablo, tem poderes sobrenaturais. Não faz o menor sentido o bastão de beisebol empunhado por Arlequina ser útil contra os monstrengos.
Bom, se o espírito dos gibis foi para o espaço (o tal halo deve ter sugado), se a missão é uma bobajada (chaaata, sem cenas de ação dignas de nota), pelo menos os personagens são legais, os atores estão bem? Margot Robbie até que empresta alguma dignidade a sua maluquete Arlequina, mas o resto do elenco não empolga. A começar por Will Smith, que faz mais uma vez o papel de... Will Smith. Para Cara Delevingne, há de se dar um desconto, porque não deve ser bolinho atuar tendo que ficar o tempo todo mexendo os braços como se fosse um boneco de posto de gasolina, e ainda por cima sabendo que tudo o que disser passará por um efeito sonoro que deixará sua voz como uma cruza de Maria Zilda com Zélia Duncan.
A nota mais triste, no entanto, é o Coringa vivido por Jared Leto. Ele não é nem engraçado, como Jack Nicholson no Batman de Tim Burton, nem perturbador, como Heath Ledger em O Cavaleiro das Trevas. Parece só um MC Biel de peito desnudo e sem nada a dizer – que saudade de Ledger, que tão bem soube encarnar o caráter disruptivo do arqui-inimigo, um espelho insano do Homem-Morcego, e sua tese de que basta um dia ruim para pirar o mais íntegro dos cidadãos. E aqui está a deixa para abordar outro grave problema do filme: a falta de empatia com os personagens. Se por um lado a Arlequina se salva no quesito carisma, por outro eu não quero que ela tenha seu final feliz ao lado do Coringa, porque ele não merece. Não merece meu respeito nem meu temor. Se esse será o batvilão de cabelo verde do universo cinematográfico da DC, então a DC está com um baita pepino para resolver. Aliás, do jeito que a coisa vai, a julgar pela recepção de Batman vs. Superman (um fracasso de crítica que também encontrou forte resistência junto aos fãs – nem roçou a marca do US$ 1 bilhão nas bilheterias, enquanto Capitão América: Guerra Civil, da Marvel, passou de US$ 1,15 bilhão) e pelos comentários desairosos destinados a Esquadrão Suicida, pode-se dizer que a equipe criativa por trás dessas adaptações é o verdadeiro Esquadrão Suicida: gente ruim disposta a levar junto para o inferno a franquia de filmes da DC.