Guardadas as devidas proporções (inclusive a do tamanho da tela), o que a Netflix está fazendo com a estreia de Os Defensores, disponibilizada na plataforma de streaming a partir desta sexta-feira, é o que Joss Whedon realizou em 2012 com seu Os Vingadores. Quatro personagens foram apresentados ao público ao longo dos últimos dois anos em séries solo que criavam tramas mais "pé-no-chão" com ambientação de noir urbano. Os Defensores, a sexta produção assinada na parceria da Netflix com a Marvel, reúne todos para combater uma ameaça que, em tese, nenhum deles poderia encarar sozinho, criando, assim, uma nova super-equipe para o universo Marvel nas telas.
Os Defensores é o momento em que as trajetórias de Demolidor (Charlie Cox), Jessica Jones (Krysten Ritter), Luke Cage (Mike Colter) e Punho de Ferro (Finn Jones) se cruzarão a ponto de virem a trabalhar em conjunto. Os quatro heróis e seus elencos de personagens satélites representam um ramo mais "realista" do universo cinematográfico da Marvel – e sim, o uso da palavra "realista" não deixa de ser ridículo para histórias de gente com superpoderes. Foram apresentados primeiramente com Demolidor, em 2015, quando a Marvel retomou seu personagem então nas mãos da Fox – que o adaptou em um filme constrangedor com Ben Affleck no papel – e criou uma bem-sucedida série de corte policial com um vigilante urbano. Jessica Jones veio na sequência, com a primeira super-heroína a protagonizar uma produção de TV desde a Mulher-Maravilha de Linda Carter. Luke Cage criou o primeiro protagonista negro no universo dos quadrinhos, e Punho de Ferro tentou enraizar-se nas tradições do Kung Fu para completar a mistura. As produções também ligavam de modo sutil a trajetória dos quatro personagens com o universo cinematográfico maior da Marvel (a invasão alienígena de Vingadores é citada e tem uma influência colateral nas quatro tramas).
Ah, sim, spoilers das séries anteriores na sequência: depois de quatro temporadas estabelecendo os personagens, Os Defensores agora cruza seus universos, o que é um dos seus aspectos positivos. Rosário Dawson volta a viver a enfermeira Claire Temple, única personagem a ter aparecido em todas as séries até aqui e, portanto, espécie de elo entre os quatro super-heróis – Luke e Jessica chegaram a ter um romance na série dela, mas os demais não se conhecem até o início de Os Defensores. Uma temporada mais enxuta e concentrada é outra das boas novidades em comparação com o material anterior – as séries solo tiveram 13 episódios, e em todas, mesmo nas melhores, como Jessica Jones e as duas temporadas de Demolidor, parecia haver algo sobrando no meio. Os Defensores se ampara em fios narrativos pre-estabelecidos para ter apenas oito capítulos. O cuidado visual, característica das parcerias da Netflix com a Marvel, se faz presente em um desenho de produção interessante, em que, quando separados, cada herói é apresentado em cenas com uma fotografia em uma paleta de cores própria (vermelha para o Demolidor, azulada para Jessica, amarela para Luke, verde para o Punho de Ferro).
Um senão que pode representar um problema ao visar um público mais amplo que o fã tradicional de quadrinhos fica por conta de uma fraqueza recorrente da Marvel mesmo no cinema: a falta de bons antagonistas que transcendam o estereótipo raso do vilão de gibi, mesmo quando encarnados por atores de respeito. A ameaça que fará todos se juntarem é o Tentáculo, uma organização secreta com planos de (claro) interferência global e destruição localizada, que já havia dado as caras nas séries solo de Demolidor e Punho de Ferro. Como líder da organização, a imponente Sigourney Weaver trama a destruição de Nova York, em um vago plano maléfico que parece simplesmente sampleado do Ra's al Ghul de Batman Begins – onde já fazia pouco sentido.
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QUEM SÃO OS DEFENSORES
DEMOLIDOR
Matt Murdoch, cego na infância por um acidente com um caminhão de produtos químicos, tem seus sentidos restantes ampliados. Advogado durante o dia, combate o crime à noite vestindo um uniforme vermelho com inspiração no demônio. O ator Charlie Cox reprisa o personagem que viveu nas duas temporadas anteriores do Demolidor, que estão entre as melhores produções da Marvel na Netflix.
JESSICA JONES
Após perder os pais em um acidente de carro, a jovem Jessica Jones descobriu que havia desenvolvido superforça. Investigadora particular em Nova York, a heroína vivida por Krysten Ritter é desbocada, agressiva e cínica, em parte devido ao trauma de ter sido escravizada e abusada pelo vilão com poderes mentais Kilgrave, como visto na primeira temporada de sua série própria.
LUKE CAGE
Encarcerado por um crime que não cometeu, Carl Lucas foi submetido a um experimento científico que o tornou superforte e quase invulnerável. Foragido, assumiu a identidade de Luke Cage. O personagem vivido por Mike Colter apareceu primeiro em Jessica Jones. Depois, ganhou série própria que, apesar de calcada na tradição cultural negra do Harlem, tinha sérios problemas de ritmo e descambava na segunda metade.
PUNHO DE FERRO
Daniel Rand (Finn Jones) estava com seus pais em uma aeronave que caiu no Himalaia. Único sobrevivente, foi salvo pelos monges de uma cidade mística chamada Kun-Lun e treinou até ser alçado ao título de Punho de Ferro, especialista em artes marciais capaz de concentrar seu “chi” na mão direita. Sua série própria, a mais fraca do conjunto, abordava seu retorno ao Ocidente 15 anos depois de ser dado como morto.