Fechado o terceiro trimestre, é hora de atualizar o ranking dos melhores filmes do ano. Aliás, pelo menos duas estreias de setembro garantiram lugar na lista final, que será bem mais enxuta: O Dia que te Conheci e A Substância.
A seleção abaixo inclui longas-metragens de 2023 (ou até de 2022) que só em 2024 estrearam comercialmente no Brasil. Friso o "comercialmente" para justificar a presença de obras exibidas em festivais na temporada passada. Mas também há possíveis candidatos ao Oscar 2025.
Os filmes são assinados por cineastas de 15 países: Alemanha, Argentina, Austrália, Brasil, Chile, Dinamarca, Espanha, EUA, França, Grécia, Itália, Japão, Noruega, Reino Unido e Suécia. A ordem é apenas alfabética. Clique nos links para saber mais.
1) Meu Amigo Robô (2023)
De Pablo Berger. O diretor espanhol competiu no Oscar dos longas de animação com este filme ambientado na Nova York dos anos 1980, onde um cachorro compra um robô pra fazer companhia a ele. É uma história linda e sem diálogos sobre solidão, amizade e lealdade. (MUBI)
2) Anatomia de uma Queda (2023)
De Justine Triet. Interpretando em francês e em inglês, a atriz alemã Sandra Hüller tem um dos desempenhos mais elogiados dos últimos tempos na pele de uma escritora suspeita de matar o marido. A investigação traz à tona as fissuras do casamento e permite ao roteiro — premiado no Oscar — discutir o que é verdade, a ilusão das palavras e o poder das narrativas. (Amazon Prime Video)
3) O Bastardo (2023)
De Nikolaj Arcel. Épico ambientado na segunda metade do século 18 e protagonizado por Mads Mikkelsen, que empresta dignidade e turbulência a seu personagem. Trata-se do orgulhoso mas empobrecido capitão Ludvig Kahlen, que embarca em uma missão quase solitária para domar uma vasta terra inóspita onde aparentemente nada pode ser cultivado: os urzais da Jutlândia, península que hoje compreende a maior parte do território da Dinamarca.(Foi exibido nos cinemas e ainda não tem previsão de estreia no streaming)
4) As Bestas (2022)
De Rodrigo Sorogoyen. Vencedor de nove prêmios Goya e exibido no ano passado no Fantaspoa e no Festival Varilux, o filmaço espanhol está ambientado em uma aldeia no interior da Galícia, onde o diretor acompanha as desavenças de um casal francês — que cultiva vegetais e reabilita casas abandonadas — com os vizinhos, que querem vender as terras para a implementação de um parque eólico. (MUBI)
5) Caminhos Cruzados (2024)
De Levan Akin. Na companhia de um jovem que quer escapar do jugo do irmão bruto e beberrão, professora aposentada viaja da Geórgia para Istambul, à procura de uma sobrinha que foi rejeitada pela família e despejada de sua casa após fazer sua transição de gênero. Na metrópole turca, seus caminhos se cruzam com o de uma advogada e ativista dos direitos trans. O enredo e o contexto podem sugerir um filme entristecido, depressivo, mas o diretor sueco ilumina o espectador com momentos de ternura, de amor, de alegria, de otimismo — até de dança. (MUBI)
6) Os Colonos (2023)
De Felipe Gálvez. O primeiro longa-metragem do diretor chileno tem forte parentesco com o mais recente do veterano Martin Scorsese, Assassinos da Lua das Flores (2023). É outro faroeste revisionista, agora ambientado na fronteira do Chile com a Argentina, no inóspito arquipélago da Terra do Fogo, que retrata o massacre das populações nativas pelos homens brancos, por motivos que vão da ganância ao racismo, do ego masculino a um suposto progresso. Novamente, é pelo ponto de vista de um personagem indígena que testemunhamos a perfídia e a crueldade. E em Os Colonos também há um salto no tempo no epílogo, que, com ironia, critica a institucionalização da violência e a hipocrisia sociopolítica. (MUBI)
7) Deadpool & Wolverine (2024)
De Shawn Levy. E não é que o Deadpool, como dizia a piada antecipada nos trailers, foi mesmo o Jesus da Marvel? O enorme sucesso de bilheteria premia uma aposta na combinação de violência e bagaceirice, pelo lado do personagem encarnado por Ryan Reynolds, e violência e rabugice, pelo lado do Wolverine vivido por Hugh Jackman, que nasceu para o papel. Outro elemento característico, a metalinguagem, pode ter afugentado os neófitos, mas deve ter feito os fãs das aventuras de super-heróis voltarem para uma segunda vez: nunca se viu tanta referência. Na sessão de pré-estreia que eu vi, houve palmas efusivas e gargalhadas estridentes em pelo menos três momentos. (Foi exibido nos cinemas e deve estrear no Disney+ entre o final de outubro e o início de novembro)
8) O Dia que te Conheci (2023)
De André Novais Oliveira. Esta comédia romântica é um pequeno grande filme. Pequeno porque dura só 70 minutos, custou uma ninharia, se passa ao longo de um único dia e não tem nem cinco atores no elenco. A trama acompanha Zeca (Renato Novaes) e Luísa (Grace Passô), que se conhecem quando ela tem de demiti-lo do cargo de bibliotecário em escola da região metropolitana de Belo Horizonte. A situação não é amigável, mas pinta uma conexão entre os dois, ambos negros, ambos periféricos, ambos com corpos fora do padrão. Eis uma das virtudes que engrandecem o filme: o retrato da vida real como ela é, ou seja, nada hollywoodiana. É encantadora a maneira como o diretor registra o cotidiano, com planos longos, deixando o corriqueiro acontecer. (Em cartaz nos cinemas)
9) Dias Perfeitos (2023)
De Wim Wenders. Sob direção do cineasta alemão e com canções de Nina Simone, Lou Reed, Van Morrison e Patti Smith na trilha sonora, representou o Japão no Oscar internacional. Acompanhamos o dia a dia de um faxineiro (Koji Yakusho, prêmio de melhor ator no Festival de Cannes) dos banheiros públicos de Tóquio. Solitário e quase calado, ele vai nos ensinar a arte do komorebi, a beleza da rotina e o prazer das coisas simples da vida. (MUBI)
10) Divertida Mente 2 (2024)
De Kelsey Mann. Campeão de bilheteria em 2024, é exemplar como continuação, pois não se limita a ser apenas um retorno, uma repetição: amplia e desenvolve o elenco de personagens, expande seu universo e seu discurso. Agora que Riley entrou na puberdade, novas emoções surgem na sala de controle para bagunçar a vida da garota: Tédio, Vergonha, Inveja, Nostalgia e, principalmente, Ansiedade. (Disney+)
11) Entrevista com o Demônio (2023)
De Cameron Cairnes e Colin Cairnes. Os irmãos gêmeos australianos fizeram um falso documentário sobre os acontecimentos sinistros registrados durante um episódio de um talk show, na noite de Halloween de 1977. Para aumentar a audiência, o apresentador brilhantemente interpretado por David Dastmalchian convida para o programa uma garota supostamente possuída pelo Diabo. A construção de atmosfera é maravilhosa. (Para aluguel em Amazon Prime Video e Apple TV)
12) Furiosa: Uma Saga Mad Max (2024)
De George Miller. Os números não mentem: Furiosa: Uma Saga Mad Max foi um retumbante fracasso comercial. Custou US$ 168 milhões, fora os gastos com marketing, e arrecadou US$ 172,7 milhões nas bilheterias. O prejuízo colocou em xeque os planos do cineasta australiano de realizar novas aventuras no mundo pós-apocalíptico que criou há 45 anos. É uma pena, porque o prólogo que conta a história da personagem de Mad Max: Estrada da Fúria (2015) é um filmaço, sobretudo para quem curte cenas de ação que parecem estar realmente acontecendo. Há duelos corpo a corpo ou motorizados e perseguições de carro, de moto, de caminhão, a cavalo ou até via aérea no vasto deserto em que a Austrália se transformou. (Max)
13) O Homem dos Sonhos (2023)
De Kristoffer Borgli. Nicolas Cage interpreta um professor universitário que leva uma vida absolutamente comum ao lado da esposa e das duas filhas, mas que acaba ganhando fama global ao aparecer nas fantasias noturnas de quase todo mundo. Não raro, em situações de perigo ou terror — ou ainda eróticas. O enredo incita o cineasta norueguês a criar cenas que embaralham o real e o imaginado e a abordar os fenômenos midiáticos, a fabricação da fama, o narcisismo patológico e a cultura do cancelamento. (Aluguel em Amazon Prime Video, Apple TV e Google Play)
14) O Mal Não Existe (2023)
De Ryûsuke Hamaguchi. Provocativo em seu título e enigmático em seu epílogo, é o novo filme do cineasta japonês que venceu o Oscar internacional com Drive my Car (2021). Apesar de não chegar a duas horas de duração (contra as três horas do longa anterior, as quatro horas e 15 minutos de Intimacies e as cinco horas e 17 minutos de Happy Hour), traz diversas características do diretor, como a naturalidade fria da fotografia, o ritmo contemplativo e os diálogos que vão desnudando a índole de seus personagens. A trama se passa em um vilarejo nos arredores de Tóquio que se vê ameaçado quando uma empresa de turismo decide construir na floresta um empreendimento de glamping (a fusão de glamour com camping). Recebeu o Leão de Prata no Festival de Veneza. (Estreia na MUBI nesta sexta, 4/10)
15) O Mal que nos Habita (2023)
De Demián Rugna. Neste filme argentino de terror, os moradores de uma pacata cidade do interior recebem uma notícia alarmante: um homem infectado pelo diabo está prestes a dar à luz um demônio real. Desesperados, os habitantes tentam escapar do local. Tem uma das cenas mais chocantes dos últimos tempos. (Netflix)
16) Memórias de um Esclerosado (2024)
De Thais Fernandes e Rafael Corrêa. Documentário sobre o premiado cartunista gaúcho Rafael Corrêa, diagnosticado com esclerose múltipla em 2010. Dados o ofício e o perfil de seu personagem, o filme tem sequências de animação e de bom humor. Há também um tanto de sonho e de fantasia: a investigação de Rafael sobre seu passado nos leva ao episódio da morte de um sapo, o que pode, via carma, ser a causa de sua doença. Mas Memórias de um Esclerosado começa de forma dura, acertadamente. Ao simplesmente observar o árduo e complexo processo para tomar um banho, o filme registra o quão severos são os sintomas dessa doença degenerativa sem cura. (Foi exibido no Festival de Gramado e ainda não tem previsão de estreia)
17) Motel Destino (2024)
De Karim Aïnouz. É um noir cearense, focado no triângulo erótico que se forma quando o jovem Heraldo (papel de Iago Xavier), fugindo de uma chefona do crime, se esconde no motel de beira da estrada administrado pelo casal Elias (Fábio Assunção) e Dayana (Nataly Rocha). Rodadas em Beberibe, as primeiríssimas cenas retratam as célebres falésias locais, permanentemente sob a ação erosiva do mar. É como se fosse uma tradução visual do quão transformador e marcante o desejo sexual pode ser. (Em cartaz nos cinemas)
18) Oeste Outra Vez (2024)
De Erico Rassi. Neste faroeste contemporâneo ambientado na Chapada dos Veadeiros, em Goiás, Ângelo Antônio interpreta Totó, que, inconformado após ter sido abandonado por Luiza (Tuanny Araújo), contrata um velho pistoleiro, Jerominho (Rodger Rogério), para matar o novo par da mulher, Durval (Babu Santana). Esse é um resumo simplificado de uma obra que aposta no não-dito e em diálogos enviesados para falar sobre a masculinidade frágil. Seus personagens são homens patéticos que só têm a bebida e a bala como companheiras fiéis, sujeitos que não conseguem expressar o que sentem nem quando um amigo se dispõe a ouvi-los. Ganhou os Kikitos de melhor filme, ator coadjuvante (Rodger Rogério) e fotografia. (Foi exibido no Festival de Gramado e deve estrear em janeiro ou fevereiro de 2025)
19) Pisque Duas Vezes (2024)
De Zoë Kravitz. Naomi Ackie interpreta a protagonista, Frida, que sobrevive fazendo tatuagens de unha e trabalhando como garçonete. Durante um evento de gala, ela encontra um bilionário do ramo da tecnologia, Slater King (Chaning Tatum), que acaba convidando Frida e sua amiga, Jess (Alia Shawkat), para passar uns dias de luxo e hedonismo na ilha particular do magnata. Tem o grande plot twist do ano, portanto, não dá para avançar muito na sinopse. (Foi exibido nos cinemas e deve estrear em breve no streaming)
20) Pobres Criaturas (2023)
De Yorgos Lanthimos. Ganhadora do Oscar nas categorias de melhor atriz (Emma Stone), design de produção, figurinos e maquiagem e cabelos, esta mistura de Frankenstein, socialismo e muito sexo é um dos filmes mais polêmicos da temporada. Para algumas pessoas é uma obra-prima feminista; para outras, uma ofensiva fantasia sexual masculina. (Disney+)
21) A Primeira Profecia (2024)
De Arkasha Stevenson. Eu confesso que quase deixei passar, cansado de tantas apostas de Hollywood na nostalgia e do excesso de títulos de terror protagonizados por freiras. Mas o prelúdio do clássico A Profecia (1976) parte de uma ótima ideia: contar a história da mãe de Damien, o Anticristo, mulher que não havia recebido atenção nos cinco filmes e no seriado anteriores. (Disney+)
22) Rivais (2024)
De Luca Guadagnino. Começa durante a final de um torneio de tênis de segunda categoria. Flashbacks vão contar que os dois tenistas — Art Donaldson (Mike Faist), campeão de quase tudo hoje em má fase, e Patrick Zweig (Josh O'Connor), número 270 e poucos do ranking —, já foram melhores amigos, ou quem sabe mais do que isso, até que entrou na vida deles a personagem de Zendaya, Tashi Duncan, esposa, treinadora e empresária do primeiro. É um filme cheio de tênis e de tesão, com uma trilha sonora que traduz tanto a tensão dos jogos quanto a urgência sexual. (Amazon Prime Video)
23) A Sala dos Professores (2023)
De Ilker Çatak. Foi o filme da Alemanha no Oscar internacional. Na trama, uma professora idealista (Leonie Benesch) resolve investigar uma série de furtos na escola. Um aluno dela, filho de imigrantes, é o principal suspeito. A cada passo, a protagonista afunda numa espécie de areia movediça do campo da ética. (Max)
24) Segredos de um Escândalo (2023)
De Todd Haynes. Em sua quinta parceria com o diretor, Julianne Moore interpreta Gracie, personagem inspirada em uma história real de pedofilia: a da professora de 36 anos que acabou tendo dois filhos com um aluno de 13 anos. Natalie Portman encarna a atriz de Hollywood que vai fazer um filme sobre o casal, abrindo a porta para este filmaço reexaminar a relação dos dois e retratar o tema da duplicidade. (Amazon Prime Video)
25) O Sequestro do Papa (2023)
De Marco Bellocchio. A exemplo do que fez em Bom Dia, Noite (2003), Vincere (2009), A Bela que Dorme (2012) e O Traidor (2019), o cineasta italiano de 84 anos revê um episódio histórico e polêmico de seu país: o caso Edgardo Mortara. Em 1858, a mando do papa Pio IX, um menino judeu de seis anos é retirado de casa, porque teria sido batizado como cristão. Com maestria, Bellocchio equilibra o conflito religioso, a crítica política e o drama familiar. (Aluguel em Apple TV, Google Play e YouTube)
26) A Substância (2024)
De Coralie Fargeat. Não espere para ver no streaming: o filme com Demi Moore e Margaret Qualley merece ser visto na tela grande e com som alto porque explora ao máximo todos os recursos do cinema. Mas convém avisar que a tela grande e o som alto aumentam o desconforto, o choque e até o nojo que as cenas podem causar. Por meio do body horror, a diretora francesa mostra como os corpos das mulheres são objetificados e vendidos antes de serem descartados. (Em cartaz nos cinemas)
27) Todos Nós Desconhecidos (2023)
De Andrew Haigh. Indicado a categorias do Bafta e do Globo de Ouro, foi um dos grandes esnobados no Oscar. A direção de fotografia, a edição e a trilha sonora dão uma aparência etérea, onírica e algo fantasmagórica a este filme bonito sobre solidão, luto e traumas ligados à sexualidade, à relação com os pais e ao bullying na escola. (Disney+)
28) As Três Filhas (2023)
De Azazel Jacobs. A trama se passa quase toda dentro de um apartamento em Nova York. Lá, três irmãs distantes e com personalidades contrastantes reúnem-se para cuidar do pai, Vincent, que está perdendo a batalha para o câncer. Carrie Coon, Natasha Lyonne e Elizabeth Olsen fazem por merecer suas primeiras indicações ao Oscar. Mas será que há espaço para todas na categoria de melhor atriz coadjuvante? (Netflix)
29) Vidas Passadas (2023)
De Celine Song. Jamais é manipulativo ou maniqueísta no retrato de um triângulo amoroso que tem como vértice uma escritora (Greta Lee) que emigrou da Coreia do Sul para os Estados Unidos. Concorreu ao Oscar de melhor filme e ao troféu de roteiro original ao perguntar: se aquela paixão do passado reaparecer, o que a gente faz? (Canal Telecine do Amazon Prime Video e do Globoplay)
30) Zona de Interesse (2023)
De Jonathan Glazer. Vencedor do Oscar internacional, perturba ao mostrar o cotidiano familiar do nazista comandante de Auschwitz, onde pelo menos 1,1 milhão de judeus foram exterminados. Ganhou também a estatueta de som, graças a um trabalho assombroso: existe o filme que a gente vê e o filme que a gente ouve. (Amazon Prime Video)
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