Se você era jovem (ou não muito velho...) nos anos 1980, provavelmente deve ter cruzado por eles – assistindo a shows no Araújo, dando banda no Brique, tomando uma batida (de frutas) na Lancheria do Parque. Se além de jovem você simpatizava com os “alternativos” da cidade, é possível que tivesse pelo menos um amigo ou conhecido que se destacasse na multidão pelo figurino monocromático em tons escarlates.
Como Nova York, Londres, Sidney ou Bombaim, Porto Alegre também tinha naquela época seu pequeno exército vermelho de rajneeshs – como eram conhecidos por aqui os seguidores do guru indiano Bhagwan Shree Rajneesh (1931 – 1990), mais tarde rebatizado de Osho. (Saiu de Porto Alegre, aliás, de uma música dos Replicantes lançada em 1986, a melhor rima, pelo menos na língua portuguesa, inspirada pelo movimento: “Nunca mais eu ouço você / Nunca mais eu caio do beliche / Vou juntar tudo pra ser / Um hippie-punk-rajneesh”).
Assim como vieram, eles sumiram. Nos anos 1990, já era difícil topar com um rajneesh, pelo menos fardado, nos bairros boêmios da cidade. Na mesma época, começaram a circular algumas notícias sobre a derrocada moral do guru – que teria colecionado mulheres, rolls-royces e problemas com a justiça americana até morrer, de causas misteriosas, aos 58 anos.
A maioria das pessoas, aqui e no resto do mundo (os livros de Osho foram traduzidos para mais de 60 línguas), não sabia metade dessa missa até a estreia da série documental Wild Wild Country, disponível há um mês no catálogo da Netflix. Não dá para contar muito para não estragar o prazer de ver essa história escalando da mera excentricidade de inspiração mística até a megalomania criminosa que acabou colocando atrás das grades alguns dos principais líderes do culto – que nasceu na Índia, nos anos 70, e migrou para um rancho no Estado americano do Oregon uma década depois. Quase 30 anos depois da morte do guru, o Centro de Meditação Osho, em Pune, na Índia, ainda atrai cerca de 200 mil visitantes por ano.
Para ateus, como eu, todos os cultos são exóticos em alguma medida, mas Osho e seus seguidores são particularmente originais por terem tentado unir os prazeres do corpo com a elevação do espírito – talvez a razão para tanto sucesso. A série oferece ainda pelo menos uma lição muito útil para a nossa época: na religião, como na História, o culto à personalidade nunca acaba bem. As melhores ideias são sempre aquelas que não dependem de uma única pessoa para irem adiante.