Um olhar feminino sobre a Justiça nem sempre justa e, principalmente, sobre o ser humano. Criada por Paula Knudsen, dirigida por Anahí Berneri e Marina Meliande e protagonizada por Camila Morgado — além de quatro dos seis nomes que assinam o roteiro serem femininos —, a série Sentença chega ao catálogo do Amazon Prime Video nesta sexta-feira (15).
O drama tem como guia Heloísa (Morgado), uma advogada criminalista que acredita que todos têm direito à defesa, independentemente do crime cometido. Experiente, ela conhece profundamente a complexidade do cárcere e do sistema prisional brasileiro onde tantos definham, abandonados sem a devida assistência legal. Mas quando um caso choca o país e Heloísa se torna advogada da suposta assassina, ela se vê em meio a uma situação que envolve o líder da maior facção criminosa do Brasil e pessoas misteriosas que o querem morto.
Enquanto percorre essa jornada recheada de perigos, Heloísa precisa ainda lidar com um trauma de infância enterrado em sua memória, que pode revelar um doloroso segredo familiar. Na busca não só pela verdade do que aconteceu no caso de sua nova cliente, mas também pelos mistérios dos crimes de sua própria família, a advogada precisa decidir se cruza ou não a linha tênue entre o que é certo e errado. E é este o principal ponto positivo da atração: ela deixa de lado a visão maniqueísta do heroísmo.
Na trama, que dosa com equilíbrio intensidade e delicadeza, a protagonista, que é uma idealista, apresenta diversas camadas ao se defrontar com diferentes desafios ao longo de sua jornada. Por contar com apenas seis episódios de mais ou menos 45 minutos em sua primeira temporada, a série acaba por acumular temas ao redor de sua protagonista, sem apontar soluções, mas buscando levar à luz temas pertinentes da sociedade brasileira, como racismo, desigualdade social, machismo, abuso infantil, adoção, corrupção, entre vários outros.
Sobrecarregada com a sua jornada de filha, mãe, esposa e profissional que lida diretamente com a crueldade dos sistemas penal e carcerário, Heloísa prima por não deixar que a sua realidade e a daqueles que estão ao seu redor sucumba à barbárie. Para isso, a produção entrega um ponto de vista majoritariamente feminino para um universo que sempre teve os homens como protagonistas, conseguindo inserir sensibilidade ao mostrar um olhar sobre o humano e a vida.
A temática
Em entrevista para GZH, elenco e equipe de Sentença comentaram sobre como foi fazer a série e de que forma eles enxergam essa produção sobre direitos humanos, comandada por mulheres, chegando no Brasil de 2022. Para Camila Morgado, a Heloísa é uma personagem muito bonita justamente por ter consciência do lugar em que ela mora, com a desigualdade social sendo o maior dos problemas e, ao mesmo tempo, ela falha e tem dilemas morais.
— Ela sabe que de cada 10 presos, sete são negros, que o tráfico de drogas talvez seja o crime que mais prende no país, dos presos provisórios do país, que não foram julgados ainda. Ela sabe como é falho o sistema. Mas tem uma coisa que eu acho muito interessante nela é que ela é vítima da própria história dela, do próprio passado, que torna ela ser um ser humano mais acolhedor, mais frágil no sentido de reconhecer as qualidades humanas no coletivo — explica a atriz.
Já a atriz Lena Roque, a Dinorah na trama, mulher negra e periférica que é acusada de cometer um crime hediondo, afirma que ela tem em seu trabalho a sua militância e é com as suas personagens que busca dar voz às questões que acredita ser importantes pontos de discussão, colocando luz em temas pertinentes para desenvolver uma sociedade menos desigual.
— A violência institucionalizada no Brasil e a forma como a política é conduzida deixa muita margem para que a gente questione de um tudo. Inclusive, a questão da população negra, da população periférica, de ela ser culpabilizada antes de qualquer coisa. Isso não acontece em todas as classes sociais. Conforme a pirâmide vai aumentando, isso não acontece. Na base da pirâmide está a população negra, as mulheres negras.
Para Heloísa Jorge, que vive a advogada Moira, companheira do líder de facção Zeca (Rui Ricardo Diaz), as relações entre os personagens são o que a série tem de mais forte, assim como os temas que ela leva ao público.
— De um tempo para cá, não existe mais o caminho de volta, de não falar sobre as nossas questões, de não tentar mudar as narrativas, o problema do racismo, da homofobia, do machismo, da injustiça, entre zilhões de outros. A gente tem um longo caminho pela frente. Essa série é só um grãozinho de areia para fazer as pessoas despertarem, se incomodarem ou se questionarem. Se a gente conseguir fazer isso, eu já vou ficar bem feliz — conta Heloísa.
As mulheres
A intenção de largar o projeto nas mãos de mulheres partiu justamente de uma: Malu Miranda, head de conteúdo original brasileiro da Amazon Studios. E ela considerou importante que esta produção, a qual chamou de "thriller de tribunal", seja justamente feita sob um ponto de vista feminino porque, segundo a executiva, são justamente as mulheres que mais consomem estatisticamente este tipo de conteúdo.
— Foi uma grande cadeia de empoderamento feminino, do começo ao fim — enfatiza.
A diretora Anahí Berneri destaca que Sentença é uma série de mulheres fortes e corajosas. E sua colega de comando, Marina Meliande, disse que, nos bastidores, ouvia com frequência de membros da equipe que diziam que nunca tinham trabalhado com tantas mulheres em posições de comando, o que foi importante, desde a dinâmica no set até o resultado final. Ambas acreditam que o olhar feminino fez a diferença na hora do recorte final do programa.
Camila Morgado, por sua vez, destaca que esse espaço conquistado pelas mulheres é necessário para que haja mais representatividade, principalmente em uma história que aborda um mundo sempre muito ligado ao masculino, que é o do sistema carcerário:
— A gente tem que diminuir, sim, o machismo, que é um problema estrutural da nossa sociedade. É com espaço que a gente consegue melhorar a sociedade, porque a gente pode falar, pode se escutar, pode trazer os nossos problemas para reflexão, pode denunciar essa sociedade que é voltada tanto para o homem, para o machismo e que gera tantos problemas que a gente sabe, porque a gente vive isso diariamente.