A franquia Animais Fantásticos nasceu com dois objetivos: oferecer para um público carente novas histórias sobre o Mundo Bruxo após o término de Harry Potter e, principalmente, lucrar em cima disso, visto que a saga do menino órfão foi um dos maiores fenômenos da cultura pop de todos os tempos. Porém, sem um material de base consistente e que realmente tivesse apelo junto aos fãs, essa nova leva de filmes deixou faltar um elemento importantíssimo que esteve presente em todos os seus antecessores: uma história cativante.
Por mais que Animais Fantásticos e Onde Habitam (2016) tenha conseguido apresentar um certo carisma, a sua sequência, Os Crimes de Grindelwald (2018), mostrou-se confuso e que J.K. Rowling, escritora da saga de Harry Potter e roteirista desta nova franquia, não sabia por qual caminho seguir — faltou o Mapa do Maroto para ajudar. O longa foi um caldeirão em que foram despejadas várias ideias, entre boas e ruins, mas que na hora de mexer tudo, deu errado.
Agora, com Os Segredos de Dumbledore, que chega nesta quinta-feira (14) aos cinemas, a franquia conseguiu consertar vários problemas presentes em seu antecessor — a começar pela mise-en-scène, que havia sido terrivelmente mal trabalhada na aventura passada. O visual está mais bonito, claro e dando para entender o que está acontecendo na tela, com os efeitos especiais recebendo um tratamento mais cuidadoso. E os animais mágicos, agora, estão mais realistas e, mesmo que não sejam numerosos a ponto de dar nome à saga, têm uma importância maior para a história. E estão fantásticos, de fato.
Na trama deste terceiro capítulo, J.K. e o diretor David Yates — responsável por comandar tudo do Mundo Bruxo desde Harry Potter e a Ordem da Fênix (2007) — querem explorar o passado de Alvo Dumbledore (Jude Law, sempre ótimo) e Gerardo Grindelwald (Mads Mikkelsen) e como a interessante mitologia que cerca a dupla de poderosos bruxos foi criada. Para ajudar a contar essa história, eles chamaram o roteirista Steve Kloves, veterano da franquia do bruxinho.
A melhora com a chegada do escritor é nítida, mas os 142 minutos de duração de Os Segredos de Dumbledore são lentos e é palpável a potencialidade de encerrar a história antes — inclusive, neste filme —, mas os responsáveis preferem arrastar a trama e o público pelo tédio, não conseguindo dar profundidade e nem ritmo. O tempo de projeção acaba sendo dedicado a uma trama óbvia, que tem bons momentos, mas que ficam perdidos em um marasmo esquemático, que promete algo grandioso à frente, mas que evita chegar nele, com a ânsia de faturar mais com novos episódios.
Os bruxos
Verdade seja dita, o único arco que realmente importa nesta franquia é o que pertence a Dumbledore e Grindelwald — inclusive, no cânone do Mundo Bruxo, reza a lenda de que o duelo decisivo entre os dois foi o mais épico de todos os tempos. Porém, o protagonista é o pouco interessante magizoologista Newt Scamander (Eddie Redmayne) e é pelo ponto de vista dele que o espectador é guiado por dentro daquele mundo. Para que ele seja útil neste processo, é enviado em uma missão arriscada — e que pouco faz sentido — ao lado de seus amigos para salvar o mundo das garras do bruxo das trevas e ajudar Dumbledore.
E essa obrigatoriedade de colocar Newt e seu entourage para fazer frente é o que incha a trama e as ligações entre os grupos de bruxos vão se tornando cada vez mais rocambolescas, com gente entrando e sendo descartada aleatoriamente, em uma nítida dificuldade do roteiro de saber o que fazer com os seus personagens — o arco de Credence (Ezra Miller), por exemplo, é tão confuso que neste terceiro, quem tentar entender o motivo dele estar presente, deve acabar com dor de cabeça. Dan Fogler segue salvando como alívio cômico, mas o seu Jacob pouco tem serventia.
E por falar em desperdício, Maria Fernanda Cândido, que tanta expectativa gerou nos brasileiros, que esperavam para ver uma compatriota brilhando na franquia, pouco espaço tem para desenvolver a sua Vicência Santos. Apesar de ter um tempo razoável de tela, a atriz detém apenas três ou quatro linhas de diálogos — isso que a bruxa que ela interpreta tem uma relevância grande na trama, uma vez que ela é a Ministra da Magia brasileira e está em disputa contra Grindelwald para o cargo de Chefe Supremo da Confederação Internacional dos Bruxos. Uma pena.
Problemática
A franquia Animais Fantásticos, como se já não enfrentasse problemas suficientes em sua história, ainda conta com todo um entorno recheado de polêmicas. Para começar, J.K. Rowling não para de dar declarações transfóbicas. Somente isso já deveria ser o suficiente para afastar a escritora do projeto, mas ela segue lá, firme e forte. E foi ela, por sinal, que bateu o pé para que Johnny Depp fosse Grindelwald, mesmo com o ator sendo acusado de violência doméstica.
Quando se tornou insustentável a presença de Depp no projeto, no final de 2020, o astro foi demitido. Pouco depois, o excelente Mads Mikkelsen assumiu o papel do bruxo — a mudança física não é comentada em Os Segredos de Dumbledore e nem a diferença de personalidade do vilão, que está mais contido neste episódio. Apesar disso, existe um senso de ameaça maior, devido à presença marcante do dinamarquês em cena.
Seguindo com os problemas, Ezra Miller também está envolvido em polêmicas. Depois de enforcar e derrubar uma fã em 2020, o ator, agora, meteu-se em uma briga de bar e acabou sendo preso. Ele deve ser cortado do Universo DC, onde interpreta o Flash, mas ainda não se sabe o que será feito de Credence em Animais Fantásticos. E se será feito algo, já que J.K. tem um pano grande para passar.
No final das contas, parece que lançaram a maldição Cruciatus nesta franquia, que está agonizando e se debatendo no chão, procurando justificar os injustificáveis cinco filmes projetados. Falta alguém com coragem para conjurar um Avada Kedavra e acabar logo com esse sofrimento.