Quando o filme do Sonic saiu, no comecinho de 2020, o mundo era outro: ainda não existia pandemia, uma ida ao cinema não causava temor — a não ser pelo valor do ingresso e das pipocas — e as adaptações de games para as telas eram praticamente sinônimos de fracasso. De lá para cá, tudo mudou. E, pelo menos no que diz respeito ao ouriço azul, foi para melhor. A primeira aventura do personagem foi um sucesso, tanto de público quanto de crítica, e garantiu uma continuação, que foi feita rapidamente, como era de se esperar, tendo em vista o seu protagonista.
Sonic 2: O Filme chegou aos cinemas brasileiros nesta semana e a expectativa era grande para saber se a nova empreitada do herói oriundo do mundo virtual da Sega conseguiria ser a exceção novamente, com mais um filme baseado em game bem-sucedido na franquia. E, felizmente, a resposta é sim. Foram dois acertos em duas tentativas — e sem tentar inventar a roda, apenas cadenciando uma aventura bem-humorada com uma mensagem edificante, doses de nostalgia e a expansão do universo do ouriço azul.
Nesta sequência, Sonic (voz de Ben Schwartz) está tentando descobrir qual é o herói que ele deve ser e como usar os seus poderes da melhor maneira possível, mas isso acontece enquanto ele enfrenta as dúvidas pertinentes a alguém que está transitando entre a infância e a adolescência e quer encontrar a sua própria turma. É claro que, para atrapalhar essa fase de descobertas, ressurge o terrível Dr. Robotnik (Jim Carrey) com o objetivo de, obviamente, dominar o mundo. Porém, desta vez, com a ajuda de Knuckles (voz de Idris Elba), uma equidna extraterrestre que também possui interesse em se vingar de Sonic.
Segura após preparar o terreno em sua aventura anterior, a franquia do personagem agora tem mais liberdade para se aprofundar no passado do herói, destrinchando a sua origem e quem esteve envolvido nela. E este movimento é possível graças ao protagonismo definitivo dado ao ouriço criado por computação gráfica, sem precisar ter os humanos como elo entre Sonic e a Terra o tempo inteiro. Mesmo que a dinâmica com Tom (James Marsden) e Maddie Wachowski (Tika Sumpter) seja um componente essencial para a construção do personagem principal, em determinado momento da trama a necessidade de inserir eles atrapalha o desenvolvimento da mesma.
Mesmo assim, a produção é um avanço significativo na mitologia do alienígena velocista, sem medo de deixar o público ter uma dose colossal de CGI — além de Sonic e Knuckles, Tails (voz de Colleen O'Shaughnessey), uma raposa de cauda dupla, também assume um papel importante na história. Assim, para encher os olhos da criançada, acontece uma explosão de cores na tela — tanto é que o marketing do filme utilizou a dupla Gre-Nal para promover o live-action.
E, como era de se esperar, este novo filme segue a fórmula hollywoodiana, que aumenta a escala do problema na sequência, mas isso também vai ao encontro dos games protagonizados pelo personagem, em que o nível de cada fase vai ficando mais difícil. Dentro desta proposta, na qual muitas produções acabam escorregando, por deixarem a megalomania tomar conta, o diretor Jeff Fowler, que retorna, consegue segurar as pontas e não se deslumbra com as possibilidades. Contido e simples, mas sem deixar de ser grandioso, Sonic 2: O Filme deve agradar aos novos e aos velhos fãs.
Encontrando o ouriço
Por sinal, essa busca por agradar já está enraizada na franquia. Se no primeiro filme a aparência inicial do Sonic, divulgada nos trailers, gerou revolta dos fãs, que protestaram na internet até que o personagem fosse modificado para ficar mais próximo do que era nos games, a continuação busca no baú elementos que vão colocar um sorriso no rosto dos jogadores nostálgicos. Além disso, tanto o ouriço azul quanto o Dr. Robotnik de Jim Carrey disparam referências à cultura pop a todo momento, fazendo piadas que vão pegar tiozões e a gurizada na mesma proporção — mas dificilmente os dois ao mesmo tempo.
Em conversa com GZH, o dublador nacional de Sonic, Manolo Rey, enfatizou a responsabilidade de dar voz a um personagem que acompanha gerações — o primeiro game foi lançado em 1991 e conta com uma legião de fãs. Segundo ele, na aventura de 2020, o trabalho foi de descoberta e de entender como que aquele ouriço azul antropomórfico iria se encaixar entre os humanos.
— Neste segundo, eu já estava muito mais confortável com a voz. A única preocupação era de não ficar uma voz caricata, cartunesca, porque não é a intenção. É para ser um live-action, para as pessoas acreditarem que o Sonic está ali contracenando com aqueles humanos — explicou.
O dublador aproveitou para comentar sobre como a polêmica do visual do ouriço no primeiro filme foi algo positivo. Segundo ele, isso mostrou que as pessoas estavam realmente querendo ver um filme do Sonic:
— Quando apareceu uma coisa ruim, falaram "não, não, isso está ruim". Aí, a produção mudou tudo, atendeu às expectativas e foi um sucesso. E, nesse segundo, com a entrada de novos personagens, eu acho que eles conseguem abrir mais a história e engrandecer mais o Sonic. O filme está fantástico.
Manolo, que já dubla Ben Schwartz em outras produções, destacou que o ator "rouba a cena" quando está presente e, por isso, o próprio Sonic absorveu alguns dos trejeitos do dono de sua voz original, o que torna o seu trabalho mais difícil, mas não menos divertido.
— O Sonic ainda é um crianção. Então, tento dar uma suavizada sempre no final, porque se for só a minha voz pura, acho que vai ficar muito Manolo. E não quero que fique o Manolo. O Ben consegue fazer de um jeito que não fica o Ben. Você olha lá e acredita que é o Sonic. E é isso que eu tento fazer com a voz também, achar um tom certo para ele — contou.
Despedida de Jim Carrey?
Recentemente, Jim Carrey anunciou que estava pensando em se aposentar da atuação, alegando que já havia feito "o suficiente". O comediante, que há anos andava afastado das grandes produções, dá vida ao arqui-inimigo de Sonic na franquia, o Dr. Robotnik. E, nitidamente, o astro se sente à vontade com o personagem, o qual ele foi construindo ao longo dos dois filmes nos quais foi o vilão principal.
Se no primeiro ele estava mais exagerado e caricato, no segundo, depois de passar um tempo refletindo no Planeta Cogumelo, ele volta à Terra um pouco mais contido. Isso, porém, ajuda a construir o Eggman mais vilanesco, que tem momentos de descontrole, valorizando a sua malvadeza. Fisicamente, também, ele começou a se aproximar ainda mais do vilão dos games.
É um trabalho em andamento em uma franquia em expansão — que já garantiu um terceiro filme e uma série baseada em Knuckles —, mas que, caso o astro realmente saia de cena, não será mexido. Pelo menos, foi o que os produtores Toby Ascher e Neal H. Moritz afirmaram. Segundo eles, as portas para que Carrey volte ao personagem estarão sempre abertas. Ou seja, o bigode ficará aguardando pelo seu dono.
Moritz, em entrevista ao IGN, inclusive, acredita que a relação do comediante com o vilão o fará repensar na aposentadoria:
— Tenho a sensação de que ele ama tanto o Robotnik que não acho que ele vai deixá-lo para trás.
Manolo Rey faz coro:
— Não consigo imaginar outra pessoa vivendo Robotnik. Jim Carrey é uma força da natureza.