Em menos de uma hora de conversa, as palavras “união” e “unidas” são repetidas uma dúzia de vezes por Jane Beatriz Peixoto, 67 anos, e Ana Maria Peixoto Pereira, 69. É a partir delas que as irmãs descrevem a relação de amor e cumplicidade que construíram ao longo de quase sete décadas.
Nascidas em uma família com quatro filhos, as duas eram as únicas mulheres, e a pouca diferença de idade fez com que crescessem como melhores amigas. Os casamentos, o nascimento dos filhos e os desafios da vida adulta só fizeram com que o laço entre Jane e Ana se fortalecesse.
— A minha irmã é minha irmã. Ninguém nunca vai tirar esse lugar dela e nem o meu lugar na vida dela — resume Jane, emocionada.
Psicólogo e pesquisador do Centro Interdisciplinar de Pesquisas em Gerontologia da Universidade Feevale, Cesar Augusto Kampff comenta que os laços familiares têm um papel muito significativo na terceira idade, mas há um destaque ainda maior para a relação entre irmãos e irmãs nessa etapa da vida. Isso porque é nesse vínculo que as pessoas resgatam suas histórias e buscam apoio e conexão.
Quando eram crianças, Jane e Ana moravam com a família no bairro IAPI, na zona norte de Porto Alegre. As duas lembram da infância com carinho e garantem que foi uma fase muito boa, em que compartilhavam brincadeiras e travessuras. Como todos os irmãos, também brigavam e levavam broncas.
— A gente estava sempre junto. Brincando, brigando, dando de tapa, mas a gente sempre foi unida. Eu era bagunceira, inventava as brincadeiras e eles iam atrás de mim. Mas a minha irmã nunca fez bagunça, sempre era eu, ela só ia na minha carona. Às vezes, ela apanhava por mim ou junto comigo, porque eu aprontava, mas a gente sempre se deu bem — diverte-se Jane.
A dupla recorda que costumava compartilhar o quarto, as amigas e várias outras coisas durante a infância e a juventude — a exceção ficava por conta das roupas, afirma Ana, já que Jane era magrinha e usava uma numeração menor do que a sua. As irmãs contam que gostavam muito de dançar: ensaiavam em casa, afastando os móveis para abrir espaço, e depois iam para os bailes “caseiros”.
As lembranças se misturam e, às vezes, ocorre alguma discordância, mas as duas têm o hábito de se ajudar a recordar os detalhes de anos atrás.
— Às vezes a gente lembra certo e ela (Ana) diz que não, ou ela diz que não e eu digo que sim. Há discordâncias, porque já passou muito tempo — justifica Jane.
Kampff comenta que muitos idosos já perderam seus pais, então, acabam encontrando nos irmãos um resgate da história familiar e das memórias que dividiram no decorrer dos anos:
— Isso dá uma sensação de pertencimento, de fazer parte de um grupo, de não estar isolado ou sozinho na construção desse vínculo ao longo da vida.
Apoio mútuo na vida adulta
Ana foi a primeira a casar e, logo em seguida, Jane também se casou. A união foi fortalecida por um detalhe curioso: seus maridos eram irmãos. Então, mesmo após os casamentos, nunca se desgrudaram e seguiram se visitando com frequência.
— Eram dois irmãos casados com duas irmãs. Eu sempre dizia para ela: “mana, arranja um namorado que tenha irmão, que eu vou me casar com ele”. E aconteceu, eu me casei com o irmão do marido dela — afirma Jane, ressaltando que as duas também são madrinhas dos filhos uma da outra.
Jane se emociona ao falar sobre o fim do casamento e a força que recebeu da irmã. Ana e o marido lhe ajudaram inclusive com a criação dos filhos:
— Foi uma fase que eu precisei muito da minha irmã e ela estava ali.
Para Ana, a fase difícil serviu para unir ainda mais todos os membros das duas famílias.
— Os nossos filhos e os filhos dela (Jane) ficaram muito unidos, porque ela veio para cá, eles moraram aqui com nós, então, parecia que eram todos irmãos. Então, a gente sempre ficou muito unida por causa disso e eu amo os filhos dela como se fossem meus filhos. É uma união que continua — destaca a irmã mais velha, que ficou viúva anos depois.
O pesquisador da Universidade Feevale aponta que, muitas vezes, as pessoas encontram seu refúgio nessas relações e vínculos que vão ficando cada vez mais fortes na terceira idade. Isso porque essas ligações costumam oferecer conforto emocional em momentos difíceis ou em fases de mudanças na vida.
No entanto, o psicólogo acrescenta que esse vínculo não é natural, ou seja, não ocorre com todos os irmãos pelo simples fato de pertencerem a um mesmo grupo familiar:
— Esses vínculos saudáveis e fortes entre irmãos vão sendo construídos ao longo da vida, através das experiências que vão passando juntos, das histórias de vida e do suporte que um vai dando para o outro. Por isso, diria que essa relação não é algo do destino, mas sim algo que é construído dia após dia nas relações.
Manutenção ao longo do tempo
A relação de Jane e Ana se manteve muito boa com o passar dos anos. As irmãs garantem que nunca brigaram ou ficaram de mal por vários dias e ressaltam que não ficam uma semana sequer longe uma da outra.
Apesar de viver em regiões opostas da Capital, a dupla se encontra durante a semana nas aulas do Sesc. A rotina das irmãs também inclui a divisão dos cuidados com o pai, José Aldo Peixoto, 95 anos, que mora na casa de Ana, na Zona Sul, mas às vezes visita Jane, na Zona Norte, aos sábados e domingos. O idoso costuma acompanhar as filhas em todas as atividades.
— Normalmente, eu venho para cá na sexta-feira, fico sábado e domingo, daí vou para casa. Mas a gente está sempre junto. Se tem um passeio, lá vamos nós. Eu gosto muito de dançar, o pai também, então a gente vai para os bailes junto. É uma afinidade tão boa quando a gente está unido, que onde a gente está, ele está junto. Ele sai sempre com ela, comigo ou com as duas, nunca sozinho — explica Jane.
A dupla enfatiza que a união da família foi passando para os filhos, netos e bisnetos, e que, sempre que possível, todos se reúnem na casa de Ana.
— A gente considera e sempre se considerou uma família unida. Nunca teve briga, nunca teve atrito. E para os nossos filhos agora a gente diz isso: vocês têm que se dar como irmãos que se amam e têm que estar unidos. A gente quer que isso continue, porque a família é a parte principal — diz Ana.
Questionada sobre o que mais gosta na irmã, Jane não precisa pensar duas vezes:
— É o carinho, a cumplicidade e essa dedicação que ela tem comigo, com meus filhos e com o resto do pessoal.
Já Ana destaca a personalidade da irmã mais nova:
— Ela é a alegria. Quando a gente está em um lugar, quem faz a festa é ela. Então, ela é a alegria e ela traz aquela festa. Está sempre brincando, sempre agitando. É minha irmã do coração.
Parceria para novas experiências
Kampff pontua que a relação entre irmãos se difere de outras amizades justamente porque se trata de uma pessoa que esteve presente em sua vida o tempo todo e conhece os momentos difíceis pelos quais você passou, sua história, suas perdas e suas vitórias:
— A construção desse vínculo é muito importante para a pessoa poder compartilhar esses momentos, relembrar com os irmãos e irmãs as histórias de vida. Porque, às vezes, um não lembra mais, então, cria-se de novo essa conexão e esse vínculo através dessas memórias de vida. E a pessoa já tem isso dentro do seu contexto familiar, então não precisa ir em busca de uma conexão forte fora desse contexto.
Para o psicólogo, os irmãos também podem servir de inspiração, seja para ter uma vida mais saudável ou uma rotina social mais ativa. Kampff lembra que o isolamento social é um grande problema na vida de muitos idosos e que essas conexões ajudam para que saíam de contextos solitários e vivam coisas novas.
— Os irmãos passam a viver juntos novas experiências em uma fase diferente das suas vidas. Há uma questão de apoio emocional entre esses irmãos, então as atividades que eles vão fazer juntos nessa fase da vida é uma outra criação de vínculos, além de todos que já criaram durante a vida inteira, com novas atividades e experiências — destaca, acrescentando que essa cumplicidade também é essencial para superar os desafios que surgem com o avanço da idade.