É um amor tardio e recente, que já rendeu um livro. Luiz Carlos Osório, 85 anos, e Nina Rosa Furtado, 73, estão juntos há um ano e meio. Ambos psiquiatras e psicanalistas, eles acabam de lançar Os Velhos Também Amam (Editora Bestiário, 78 páginas, R$ 32,90), reunião de crônicas sobre a experiência de "dois idosos que se apaixonaram e decidiram viver juntos os anos derradeiros de suas vidas".
Eles foram apresentados em um evento profissional. Dali, seguiram-se produtivas conversas online. Nina sorri ao relembrar o pedido recebido via WhatsApp: "Queres namorar comigo?". "Levei 30 segundos para dizer sim", confidencia a médica no livro. Ela então o chamou para jantar.
— Eu convidei, eu fiz o assédio — diverte-se Nina.
O namoro logo virou casamento. Nas crônicas, o casal faz uma retrospectiva da relação falando sobre a descoberta de afinidades, a decisão de fazer um contrato de união estável, preferências gastronômicas, viagens e sexo na terceira idade. Entre trivialidades, há temas densos, como as maneiras de encarar a morte. A afetividade da relação fica evidente em diversos trechos.
— Não se espera que os velhos amem, que ainda tenham a possibilidade de amar — constata Nina, em entrevista concedida no amplo apartamento do casal, no bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre.
Confira, a seguir, os principais trechos da conversa.
Solidão
Nina — Estou com mais de 70 anos, tenho a minha profissão, a minha casa... A solidão é um perigo. O García Márquez diz que a solidão é muito perigosa porque a gente começa a gostar dela. Me acostumei bastante com a liberdade da solidão. Chegava em casa e comia à hora que bem entendia, lia, via o que queria na TV, não tinha interferência alguma. Uma solidão cheia de interesses, que é uma solidão preenchida por gostar de ler, de ver filme, de ter muitos amigos, de trabalhar.
Osório — Chamo de "sozinhez", estar sozinho por opção. O sentimento de solidão está muito ligado à depressão. Sozinhez não, sozinhez é uma opção que a gente faz na vida de ficar sozinho.
Relacionamentos e afinidades
Nina — Você pensa: será que vale a pena começar uma outra história (com essa idade)? Vale. O que o outro acrescenta na relação? Principalmente quando é uma pessoa com quem você tem tantas afinidades. Isso que a gente foi descobrindo. Eu sou psicanalista, ele é psicanalista, somos psiquiatras, trabalhamos muito com ensino, gostamos de escrever, tenho alguns livros de psiquiatria, ele tem 35 livros. Vimos que tínhamos afinidades políticas, somos mais de esquerda. Gostamos de futebol, os dois são gremistas. A forma de lidar com a família. Vimos que havia essas afinidades que somavam neste momento da vida, que agora podíamos fazer coisas juntos.
Osório — Eu estava separado há dois anos, ela estava há sete. Tive casamentos anteriores e sempre achei bom estar com companhia. Ter uma companheira, viajar juntos, conversar, estar naquele ambiente de família. Sempre fui muito "familiento". Sou terapeuta de família e casais não por acaso, sempre gostei muito de ambiente familiar, desde a minha família de origem. Então, achava que valia a pena. Nunca passei um período grande sozinho. Já estava em prontidão para ter uma nova relação.
Namoro e sexo
Você pensa que, com dois velhos, a vida sexual não vai ser tão boa, não vai ser tão ativa. Quem é que tem uma vida sexual muito boa? A sexualidade (na velhice) é mais tranquila, mais de carinho, de parceria, mas também há a sexualidade de beijar na boca, de se abraçar, de ter um sexo possível, que, para o velho, parece que não é permitido.
NINA ROSA FURTADO
Psiquiatra e psicanalista
Nina — A gente fala bastante disso. Você pensa que, com dois velhos, a vida sexual não vai ser tão boa, não vai ser tão ativa. Quem é que tem uma vida sexual muito boa? Ninguém. Rarissimamente. "Com 30 anos a vida sexual é maravilhosa", dizem. Não é. Os jovens tomam Viagra cada vez mais cedo. Viagra ou qualquer desses estimulantes. Com 30 e poucos anos, estão tomando. A sexualidade (na velhice), por exemplo, é uma sexualidade mais tranquila, mais de carinho, de parceria, mas também há a sexualidade de beijar na boca, de se abraçar, de ter um sexo possível, que, para o velho, parece que não é permitido. Às vezes, dizemos (para outras pessoas): "Nós estamos juntos, estamos namorando". E nos dizem: "Que amor! Que coisa querida! Que fofo!" Fofo? Eu tenho sete anos, cinco anos? Somos dois adultos. E o que é diferente também é que não temos mais aquela necessidade de impor. Nós dois temos manias, todo mundo tem manias, mas a nossa flexibilidade é maior. Você quer aquele biscoito? Tá bem, vamos comprar aquele biscoito. Um quer ir de carro, o outro quer ir de ônibus, quer ir de avião, mas tudo bem. Parece que fica mais flexível, tem mais tolerância nesse sentido. Nas outras relações, às vezes, a gente está ainda muito inseguro, precisando provar que não é mandado. "Ele não manda em mim", "ela não manda em mim". Acho que, nesta etapa da vida, as coisas são mais tranquilas.
Demonstrações de carinho
Osório — Escrevi no livro sobre o "amor aos 60, 70 e 80". Já tinha escrito isso quando conheci a Nina, e ela preencheu. Vou ler um trecho: "É preciso um lastro prévio de sólida amizade e afinidades testadas. Sexo casual? Por que não, desde que respeitadas as limitações que a idade traz para o exercício pleno da genitalidade. Lembrando, como Freud, que sexualidade não é o mesmo que genitalidade. A sexualidade espalha-se por todas as zonas eróticas do corpo e é sobretudo epidérmica nesta altura da vida. Amor na velhice não rima com paixão. Companheirismo é seu ingrediente básico. E há que se respeitarem as individualidades, os gostos e idiossincrasias de cada um para a receita de bem viver um amor no outono da vida. É preciso que o cavalheiro tenha um repertório de galanteios para usar em momentos adequados, mas com parcimônia para que possam causar certa surpresa. E passar pela florista e chegar com um ramo das flores preferidas de sua amada para comemorar as datas significativas desde que se conheceram."
Nina — Ele é romântico...
Osório — "E, quem sabe, aquele poema escrito em tempos idos para um amor inominado e ainda por chegar possa agora ser oferecido, como um ramalhete de versos? É um 'must' andar de mãos dadas pela rua, assim como ficar abraçados no sofá da sala enquanto assistem na TV a um filme dos verdes anos e que ambos desejavam rever. E se preferirem ver o filme recostados na cama, pés e pernas entrelaçadas são recomendados em lugar da pipoca, que só engorda. Não importa se o rosto marcado pelas rugas identifica a passagem do tempo para ambos; o brilho no olhar quando se encaram é o mesmo de dois adolescentes apaixonados. E as carícias trocadas despertam o encantamento das fantasias românticas adormecidas em suas almas carentes de afeto. Ah! O matiz nostálgico dos amores outonais! Nada os supera em encantamento e sutilezas."
Nina — Temos formas diferentes de mostrar carinho. O Luiz é mais romântico, comedido. "Chegou o amor da minha vida", ele diz quando chego do trabalho, coisa mais querida. Eu sou mais de abraçar, de agarrar. Ele deita antes, está lá dormindo, roncando, e eu vou e encho de beijo, abraço. Ele chama de furacão amoroso. Gostamos de ambos os jeitos.
Amor, paixão e presentes
Osório — É diferente da paixão adolescente, arrebatada. É mais uma coisa que vai se criando com companheirismo. Não vou dizer que me arrebatei quando conheci a Nina. Não. Foi uma coisa tranquila. Olhei e pensei: "Ah, é uma pessoa com quem eu tenho muitas afinidades, e isso pode fazer com que a gente se dê bem".
Nina — Tenho oscilações. A paixão é diferente do amor. Você se apaixona por alguém que imagina, pelo cabelo, pela pinta que tem no rosto, pelo jeito como a pessoa ri. Ainda não é pela pessoa inteira, pela pessoa em si. A paixão tem sempre a tendência de terminar. Quando eu dizia isso na aula, os alunos me chamavam de destruidora de ilusões. O outro começa a se impor na realidade, aparece que a pessoa ronca, que tem manias, que não come a mesma coisa que você, que gosta de coisas que não são as mesmas. A realidade se impõe. Ou termina a paixão, ou vira amor. Apesar de você ter essas características, quero ficar contigo, valorizo. Eu te amo. Nós temos mais amor do que paixão. Toda a literatura da paixão mata os apaixonados porque eles não cabem na realidade. A Julieta grávida vomitando e o Romeu saindo para trabalhar, isso não entra na história, né? Seria muito real para ser paixão. Tenho crises de paixão, abraço e beijo, trago uma blusa nova. "Outra blusa?", ele pergunta. Gosto muito de presentear. Tem uma diversidade de coisas de que ele gosta. Se trago um bolo, ele gosta. Se trago uma roupa, ele reclama. "Por que você está gastando?" Gosto que ele esteja sempre bem bonito.
Osório — Gosto de saber o gosto da pessoa antes de dar um presente. Sabia qual era o perfume de que ela gostava e comprei.
Nina — No Dia dos Namorados, ele me deu rosas vermelhas.
Casamentos longos
Tem pessoas casadas há 40, 50 anos, mas por força do hábito, né? Já não têm mais o gosto. São relações que ficam empobrecidas. É preciso sempre conversar sobre a relação. Isso vai fazer com que o casamento não fique algo estereotipado. Estamos sempre conversando, procurando ver o que está desagradando ao outro.
LUIZ CARLOS OSÓRIO
Psiquiatra e psicanalista
Nina — Fiquei casada 40 anos: 15 anos com o pai das minhas filhas e 25 com outro, até conhecer o Luiz. Acho que ficar casado é um desafio e se separar também é um desafio. O casamento implica inteligência e criatividade. Se a gente não tem a capacidade de sempre se renovar, se recriar, se torna um casamento formal, um casamento rotineiro. "Dá tanto trabalho pensar numa coisa diferente que vou continuar aqui, já construímos patrimônio, já temos filhos." Então, acho que, se não tiver bastante criatividade, inteligência, gentileza... A gentileza está em crise. As pessoas não são mais gentis. Essas coisas são muito importantes para os casamentos. Tem pessoas que já se esqueceram disso há muito tempo, que não têm mais essa capacidade de inventar coisas diferentes. Vira uma acomodação, acham que é muito trabalhoso se separar, aí têm muitos casos extraconjugais, acertos do tipo "vejo mas faço de conta que não vejo". Fica bem triste a relação.
Osório — Assim como há indivíduos longevos, há casamentos longevos. Tem pessoas casadas há 40, 50 anos, mas são casadas por força do hábito, né? Já não têm mais o gosto de estar casadas. São relações que ficam muito empobrecidas. É preciso sempre conversar sobre a relação. "Como é que você está se sentindo comigo?" Isso vai fazer com que o casamento não fique algo estereotipado. Acho que essa é a grande diferença da nossa relação. Estamos sempre conversando sobre a relação, procurando ver o que está desagradando ao outro.
Nina — Tem casamentos que são jogos de tênis e tem casamentos que são jogos de frescobol. O Rubem Alves diz isso. O casamento de tênis é assim: "Eu vou ganhar nessa conversa", "vou destruir o outro". E o frescobol é: "Vou dar a melhor bola possível para ela poder me devolver". Já tivemos situações em que nos desacertamos, mas conseguimos conversar. Isso é maturidade.
Como conhecer alguém
Nina — Em primeiro lugar, tem que querer conhecer alguém. Segundo, autoestima. Você tem rugas, não tem mais a pele tão maravilhosa, mas tem que acreditar que tem coisas amáveis, coisas para serem gostadas. É fundamental. E, principalmente, tem que socializar. O velho precisa muito ter amigos, relacionamentos, o jogo de carta, de futebol, de bocha. A mulher tem que poder sair, ter amigas para conviver. Interesses, projetos. A melhor idade é estar vivo. Tem pessoas que ficam velhas com 40 anos, tem jovens velhos com 20 anos, cheios de manias, de tristezas e mágoas. E tem idosos que estão cheios de projetos, e é isso que faz a vida ser interessante. Nessas horas é que a gente pode encontrar alguém.
Osório — Você fala, fala, fala, e eu falo pouco. Eu resumiria em uma frase: acaso.
Nina — Não, tem que estar atento.
Osório — Mas nós nos cruzamos por acaso. Eu não estava com a ideia de encontrar alguém naquele evento. Fui lá para ver um filme.
Nina — Mas nós criamos situações de encontros, de socialização. Você ficou atento, me mandou o livro. Não foi de graça que me mandou o livro. Ninguém vai acreditar nisso.
Osório — Mas isso já foi depois de ter um primeiro impacto.
Nina — Você me achou bonitinha.
Osório — Mas eu estava lá para ver um filme, não era para namorar.