
Iara de Almeida e Isabel Cristina Soares têm histórias de vida bastante distintas, mas compartilham alguns desafios ao longo de suas trajetórias. Aos 62 anos, ambas são pessoas com deficiência (PCD).
Enquanto Iara convive com as sequelas físicas da poliomielite, Isabel lida desde a infância com a gagueira e, mais recentemente, com o diagnóstico do transtorno do espectro autista (TEA).
Moradoras de Gravataí, na região metropolitana de Porto Alegre, as idosas carregam consigo episódios de preconceito e falta de inclusão. Concordam que a acessibilidade e a conscientização das pessoas seguem sendo os maiores desafios.
Temem ainda adoecimento com a chegada da terceira idade, apesar de terem formas diferentes de encarar o processo de envelhecimento.
Dificuldades aumentam na terceira idade
De acordo com especialistas, as dificuldades para as pessoas com deficiência — seja física ou intelectual — tendem a aumentar na terceira idade e ainda faltam políticas públicas relacionadas especificamente à inclusão, à acessibilidade e ao acolhimento dessas pessoas.
— Observamos uma grande lacuna, um grande desafio mesmo para as políticas públicas, que deveriam ter mais locais de acolhimento para essas pessoas. E acolhimento com qualidade, onde elas pudessem desenvolver alguma atividade, ter acesso a profissionais especializados — ressalta Iza Fagundes, assistente social da ONG Chimarrão da Amizade.
Iara teve poliomielite — também chamada de paralisia infantil — aos seis meses de vida. Na época de escola, lembra que não conseguia brincar com as outras crianças e que nunca tinha uma colega do lado para ficar conversando.
No trabalho, não teve problemas por atuar em uma empresa familiar, mas confessa que se sente retraída em muitos locais, principalmente porque as pessoas ficam olhando.

Falta de acessibilidade restringe a independência
A falta de acessibilidade é um problema constante e já fez com que deixasse de visitar outros locais, como praias que são acessadas somente por meio de escadarias, restaurantes e eventos. A idosa destaca, contudo, que conseguiu ir a muitos lugares porque conta com o apoio da família.
Mais recentemente, também começou a frequentar algumas atividades, como pilates e o Grupo de Maturidade Ativa do Sesc Gravataí, para sair mais de casa.
Em relação à terceira idade, Iara garante que ainda não tem muitos receios, porque conta com sua rede de apoio. Teme, no entanto, o aumento dos problemas de saúde — principalmente se chegar a precisar do sistema público, que ainda carece de muitos avanços no atendimento da população com deficiência, comenta — e da falta de acessibilidade.
— Eu sempre tive carona. Agora, na minha velhice, que eu comecei a usar táxi e transporte por aplicativo. Mas sempre com apoio de alguém, porque eu não me sinto segura de andar sozinha. E ônibus foram raras as vezes que eu usei, mas para mim foi difícil para subir — relata.
Além da dificuldade para subir os degraus dos ônibus, a falta de rampa de acesso em outros locais e a irregularidade das calçadas são problemas comuns para a locomoção de pessoas com deficiência física pelas cidades. Atualmente, Iara anda com o apoio de uma bengala e enfrenta alguns desafios para se locomover pelas ruas:
— Por isso que eu quase nem saio. Só vou aonde sei que posso ir. Eu poderia vir no Centro, vir nas lojas, ainda mais agora que me aposentei e não estou mais trabalhando, mas não venho por causa disso.

Preconceito
Para Iara, o preconceito ainda é algo muito presente. Isabel concorda com a afirmação e conta que sofreu com isso em todas as fases de sua vida. Natural de Porto Alegre, ela relata que aos três anos sofreu um acidente, que a deixou em coma por seis dias e sem voz por um ano.
— Eu fiquei gaga e, ao contrário da Iara, eu senti rejeição maior quando era criança. Porque criança é cruel e o gago é piada. Ainda se faz muita piada com gago. Então, no colégio era muito ruim isso. E, na adolescência, piorou. Eu ia chegar perto de algum rapaz, por exemplo, para conversar com ele e era motivo de piada. Isso me retraía cada dia mais — desabafa Isabel.
Ao longo de sua trajetória profissional, também enfrentou muitos desafios relacionados a isso. Na faculdade de Letras, sofreu preconceito inclusive de uma docente, que a proibiu de falar em sala de aula.
O diagnóstico do transtorno do espectro autista (TEA) chegou mais tarde, quanto já tinha 60 anos, graças à abordagem sutil de um colega, que desconfiou de alguns sinais. O laudo de autista nível 1 de suporte foi como “um soco no estômago” para Isabel, mas também fez com que muitas de suas características “fizessem sentido”.
— Hoje eu me respeito mais, sabendo disso.
O principal desafio para Isabel, hoje, é conscientizar as pessoas sobre deficiências ocultas, que não são imediatamente visíveis como as físicas, mas também precisam ser respeitadas. Ela comenta que, durante suas aulas para alunos do Ensino Médio, costuma “impor” a inclusão, explicando sua condição para os estudantes e exigindo paciência e respeito.
Dificuldades aumentadas
Assistente social da ONG Chimarrão da Amizade, que atua desde 1981 em Canoas pela inclusão de pessoas com deficiência e suas famílias, Iza Fagundes comenta que as dificuldades tendem a aumentar na terceira idade e que essas questões se estendem aos familiares dessas pessoas. Isso porque, na maioria das vezes, eles também são idosos e estão fragilizados pela alta demanda de cuidados.
— Os desafios são muitos. Cada pessoa é uma situação, mas muitas têm dependência total de um cuidador, outros têm mães ou cuidadores já idosos, que às vezes têm dificuldade no manejo dessas pessoas. Sem contar a questão da falta de acessibilidade de uma forma geral. Então, são muitas barreiras — enfatiza.
A especialista aponta que, antigamente, o número de pessoas com deficiência que chegavam à terceira idade era menor do que hoje em dia — o que demonstra que a expectativa de vida dessa população aumentou. No entanto, destaca que ainda há muito o que melhorar para ofertar uma maior qualidade de vida.
— O isolamento social, na verdade, ainda é um dos grandes desafios que se tem nessa área da pessoa com deficiência, seja jovem, adulta ou idosa. E a tendência da pessoa com deficiência mais velha é que aumente as dificuldades de mobilidade e relacionadas à saúde, além das outras barreiras que temos.
Sistema público não está preparado
Para Lucas Ramos, médico geriatra e professor da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), a grande questão refere-se ao quanto o país e os sistemas públicos estão preparados para o aumento de pacientes idosos com alguma deficiência, já que a expectativa de vida dessa população está muito maior.
O especialista comenta que é um dever do Estado oferecer instituições de apoio a essas pessoas, por exemplo. No entanto, na prática, ainda não se tem uma quantidade adequada de estruturas públicas com esse objetivo.
— É uma questão que não envolve somente o âmbito da saúde, passa para os muros da Previdência, do Ministério do Trabalho, da Educação. Acho que são várias questões que estão envolvidas nisso — ressalta.
Na visão de Ramos, a principal deficiência que deve afetar os idosos nesse novo século é a demência — que além da questão intelectual, pode impactar na funcionalidade física. Diante disso, o especialista também reforça a falta de preparo dos municípios e de acessibilidade em locais públicos, bem como os estigmas que envolvem os idosos deficientes.
Acrescenta, ainda, que o convívio social é uma ferramenta ainda mais importante para garantir o bem-estar dessa população:
— Hoje em dia, na geriatria, temos estudado muito mecanismos de prevenção do isolamento social ou de melhora da convivência como prática clínica para prevenção de doenças crônicas.
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