Em um dos momentos mais tristes da vida, o cobrador de ônibus aposentado Fernando Campos da Rosa, 69 anos, descobriu-se ator. Pouco tempo depois do falecimento da esposa, a auxiliar de serviços gerais Ana Marisa Perez de Oliveira, 63 anos, por complicações cardíacas e renais, em dezembro do ano passado, ele atendeu a uma sugestão da cunhada. Procurou um programa especializado em atividades para a terceira idade. Começou com exercícios físicos e depois se aventurou na oficina de teatro. Em pleno luto pela despedida da companheira de 30 anos de convivência, encontrou novas amigas e uma animada acolhida.
Fernando tinha participado de uma peça teatral nos distantes anos de estudante do Colégio Estadual Inácio Montanha, em Porto Alegre, e nunca mais esteve em cena. Hoje, ensaia em uma sala do amplo e arborizado Sesc Protásio Alves, também na Capital. É o único homem do grupo de 15 participantes. O aposentado não tem dúvida do que os encontros semanais representaram em seu processo de luto.
— Essa questão de morte, eu não estava preparado. Foi um ano difícil, triste, mas o pessoal aqui é bem animado. A gente não fica naquela solidão. Elas são muito afetivas e generosas — diz Fernando.
Vinicius Mello, ator, produtor e diretor, é professor da oficina do Programa Sesc Maturidade Ativa. Ele destaca que o teatro, utilizando-se das habilidades de pensar e decorar, exercita várias memórias. As atividades são para o corpo e a mente, fortalecendo a autoestima. O instrutor acredita que as aulas beneficiaram Fernando, permitindo que ele extravasasse emoções.
— A ideia é transpor, na cena, aquilo que você está sentindo — comenta Vinicius, recordando que o aluno sempre foi muito requisitado nos encontros da turma. — Vai se solidificando a ideia de que todos os momentos devem ser vividos e sentidos — complementa.
Valéria Thiers, psicóloga clínica e professora do curso de Psicologia da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), elogia a "disposição para entender os processos de vida" da parte de Fernando.
Vai se solidificando a ideia de que todos os momentos devem ser vividos e sentidos.
VINICIUS MELLO
Ator, produtor e diretor, é professor da oficina do Programa Sesc Maturidade Ativa
— É uma pessoa que tem uma disposição para a vida desde sempre. Não é algo que ele tem porque está idoso ou porque perdeu a esposa — comenta Valéria ao conhecer um resumo da história.
A especialista ressalta que perdas, dos mais diferentes tipos, são parte da vida, independentemente da fase ou da idade em que se esteja.
— Perda de emprego, de um animal, da pessoa amada. Mudar de casa, sair da casa dos pais para a nossa casa. Em geral, as perdas são mais comuns na terceira idade do que em outros momentos, mas a gente lida com elas sempre. Perdas são processos da vida, não são processos da terceira idade — explica a psicóloga.
Para Valéria, o luto precisa ser encarado como experiência.
— O luto não é, necessariamente, um sentimento ruim. Dói, mas não é ruim. Lembrar-se daquela pessoa que se foi é importante. O luto precisa ser vivido. Não posso esconder a tristeza. Não dá para não viver sentimentos. Tentar esconder não faz bem. Os momentos de maior tristeza sinalizam que aquela experiência foi importante. Acolher um sentimento não é mergulhar ou chafurdar na tristeza. Em alguns momentos, essa tristeza vai estar maior ou menor, há altos e baixos. Não é porque estou em luto que estou triste 24 horas por dia, sete dias por semana — afirma a docente da PUCRS.
Psicóloga clínica e hospitalar, Mayrla Pinheiro não gosta de falar em "superação" do luto, que, em sua opinião, desqualifica o sofrimento.
— Gosto muito do prefixo "re" que se usa em ressignificar, reaprender, reorientar. É necessário administrar as perdas e as frustrações. O processo de vida, assim como o luto, são escolhas. Esse idoso (Fernando) conseguiu fazer escolhas e ressignificar a dor que ele estava sentindo em uma nova perspectiva, um novo hobby. É interessante olhar por esse lado — destaca Mayrla, que trabalha com medicina preventiva.
Quem está próximo, no convívio da pessoa enlutada, não deve fazer cobranças pelo rápido restabelecimento, tentando acelerar um processo sem duração prevista. O mais importante é ficar atento a eventuais manifestações de que pode estar se iniciando uma processo depressivo.
— Principalmente para o idoso, há três pontos importantes: recusa alimentar, recusa para usar medicações e dor que o paciente sente fisicamente e não sabe o que está acontecendo. É esperada uma mudança de comportamento, mas existem comportamentos ligados a questões vitais, como a recusa alimentar. A pessoa começa a ficar muito calada, apática, não tem vontade de tomar banho — explica Mayrla.
Sobre o luto
- É imprescindível formar uma rede de apoio ao longo da vida. Invista em relações em diferentes ambientes, com grupos distintos: trabalho, clube, condomínio, academia, igreja. Ter amigos próximos é um fator determinante para a saúde mental.
- Quem vive a dor decorrente de perdas deve se respeitar. Não se obrigue a parecer contente por ser Natal ou Ano-Novo. Segundo a psicóloga Valéria Thiers, essas datas são momentos de fechamento e expectativa por coisas novas, mas o momento de planejamento não precisa ser eufórico, pode ser introspectivo também.
- Se estiver disposto, aproveite a época festiva para resgatar memórias de felicidade. Olhe álbuns de fotos, incluindo os registros de finais de ano vividos na companhia da pessoa que morreu.
- Busque uma atividade que ocupe o tempo e seja prazerosa: trabalho voluntário, aula de música ou pintura, atividade física, artesanato, grupo comunitário.
- Para quem convive com a pessoa enlutada, é fundamental frear as cobranças por rápido restabelecimento. Não invalide a dor de quem a está sentindo. Evite comentários do tipo "deixa isso para lá", "enxuga essas lágrimas", "bola para a frente", "faz seis meses".