O médico pediatra João Luiz de Mello, 66 anos, passou a olhar com mais atenção para um desejo antigo ao entrar na terceira idade. Depois de produzir trabalhos científicos em sua área de atuação ao longo da carreira, faltava se dedicar às versões que considera as mais prazerosas do texto: contos e crônicas. Tornou-se escritor.
De 2019 para cá, Mello participou de oficinas literárias e colocou seu nome em três coletâneas. A mais recente, lançada neste mês, é A Voz dos Novos Tempos — Crônicas 60+. "Tenho 66 anos e teoricamente sou idoso há seis. Há vagas especiais para idosos estacionarem, fato do qual se conclui que somos em grande número, porque raras vezes encontro alguma disponível", escreve o autor em Pequena Crônica sobre Cientistas, Vendedores de Frutas e Historiadores, sua contribuição ao volume.
Mello mantém a rotina de atendimentos no consultório. Como passatempo, aprecia xadrez e marchetaria. No apartamento onde vive, no Jardim do Salso, em Porto Alegre, costuma se acomodar para escrever, semanalmente, em uma área envidraçada, com ampla vista para a vizinhança. Discorre a respeito da maturidade e lança um olhar, sobre o cotidiano, "de quem já rodou um pouco e não se impressiona com os fatos novos".
— Escrever me satisfaz plenamente. Sentar para escrever é um momento de prazer único — revela Mello, que prefere sua vertente ficcional, a de contista. — Ainda não me sinto realizado porque falta muita coisa para escrever. A não realização se dá mais por conta de ter pouca coisa escrita e divulgada — acrescenta.
Fazer planos e realizar sonhos podem ser atividades mais relacionadas a fases anteriores da vida. Na juventude e na meia-idade, cumpre-se uma rotina mais organizada, com objetivos e metas definidos, em um calendário de períodos bem definidos para trabalho e descanso. Mas seguir estipulando coisas a conquistar é fundamental também na velhice. Fredy Figner, psicólogo clínico e empresarial, entende que a energia e o afinco podem não ser os mesmos de outras épocas, mas é preciso seguir tendo aspirações.
— É fundamental que a gente continue se sentindo útil, criando novos projetos, novas oportunidades, novos sonhos para se sentir realizado. Sonhos conquistados, objetivos atingidos são sinônimo de felicidade. Isso aumenta o nível de nossas emoções positivas. Em toda fase da vida, é primordial sonhar e ter motivação. Que seja aprender crochê, a cozinhar, um novo idioma, um novo tipo de artesanato, a dançar. É fundamental o cérebro continuar operando — orienta Figner.
O corpo todo funcionando
O psicólogo e professor Alcyr Oliveira, coordenador do curso de Psicologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), reforça a ideia de que continuar fazendo planos e realizando sonhos é de inegável importância em todos os níveis de desenvolvimento. Na velhice, perseguir metas pessoais ajuda a evitar sensações de ociosidade ou pouca utilidade, comuns entre idosos.
— É essencial mantermos conexão com a vida e nosso senso de propósito. Isso não apenas enriquece a experiência, mas também contribui para a manutenção da saúde mental, emocional e física. Fazer planos e buscar realizá-los significa engajamento e ativação de aspectos emocionais, sensoriais e perceptuais, neurocognitivos e funcionais. Essa ativação ajuda a manter o corpo todo funcionando e, em especial, nossa imensa rede neural que precisa ser constantemente ativada. O bem-estar emocional está intimamente ligado ao funcionamento mental, neuronal e físico — explica Oliveira, também neurocientista e pesquisador na área de envelhecimento.
Como se organizar
Manter pequenos e grandes projetos, paralelamente? Planos para o dia, a semana, o mês, além de outros mais a médio e longo prazo? Oliveira afirma que a abordagem recomendada para a terceira idade envolve um equilíbrio entre diferentes tipos de planos, projetos e objetivos. Recomenda-se manejar grandezas distintas, abordagem multifacetada que produz experiências de vida mais ricas e gratificantes.
— Todos os objetivos e planos que fazemos são constituídos de pequenos passos ou estágios. Assim, o importante é reconhecer que, a cada simples e pequeno passo, o objetivo está cada vez mais próximo. Cada conquista é uma etapa significativa de uma vida bem vivida. Os grandes planos são constituídos de pequenos projetos e planos diários. Estabelecer metas para a semana, para o mês e para o médio prazo oferece senso de direção e realização. Esses planos intermediários podem incluir objetivos como viajar para um local que sempre se quis visitar, aprender a tocar um instrumento musical — fala o docente da UFCSPA.
Rubem Penz, organizador do livro A Voz dos Novos Tempos — Crônicas 60+, que tem todos os colaboradores na faixa dos 60 e dos 70 anos, pretendia, com esse recorte etário, demonstrar que a vida pode apresentar diversos parceiros e oportunidades.
— E, depois, permitir uma "sala de espelhos", ou seja, olhar o outro e com ele se identificar, partilhar conquistas e dores, mudanças e permanências — complementa Penz, escritor, músico e publicitário.
Para Mello, a rotina como escritor se estabeleceu na hora certa, e não tarde demais, como talvez possa parecer. O tempo de vida lhe permite aprofundar os assuntos tratados nos textos, acredita.
— Aos 66, a perspectiva de morte está aqui o tempo todo. Isso faz você soltar mais a escrita. Você pode escrever praticamente sobre tudo sem se sentir intimidado — garante o médico.
Planeje-se
- É fundamental se sentir útil.
- Continue aprendendo.
- Traçar metas e ter objetivos oferece senso de realização e propósito, satisfação pessoal, interações sociais positivas e perspectiva otimista.
- Estipule pequenos objetivos para o dia, a semana, o mês.
- Mantenha também planos de médio e longo prazo.
- Combine atividades físicas e mentais: a vida é muito melhor quando se consegue associar as duas.
- Tenha uma rede de apoio que lhe permita se sentir engajado, pertencente, motivado, feliz. Esses contatos podem estar em grupos religiosos, academias, clubes de leitura, times de bocha ou carteado.