Novas configurações não faltam no cotidiano da terceira idade: aposentadoria e drástica redução de atividades e compromissos, solidão, adoecimento, morte de familiares e amigos. Pode haver inúmeros motivos contribuindo para o desânimo, a tristeza, a ansiedade e até mesmo a depressão. Como saber quando procurar a ajuda especializada de um psicólogo ou psiquiatra? Que comportamentos podem indicar que a pessoa está precisando de terapia?
A entrada na faixa dos 60 anos é marcante para homens e mulheres, mas eles tendem a ser bem mais resistentes do que elas quanto à procura por auxílio profissional. Acostumado a uma rotina de cuidados periódicos desde muito cedo, além de ter mais facilidade para externar sentimentos e emoções, o público feminino não costuma ter dificuldade para tomar a iniciativa de agendar uma consulta e dar início ao processo terapêutico.
Do lado da parcela masculina, além da falta de hábito com o cuidado, pode haver um preconceito antigo, que denota desconhecimento sobre a atividade do terapeuta: "Não sou louco" é a justificativa que costuma repelir a sugestão de buscar um especialista para cuidar da saúde mental.
É comum que a recomendação para buscar um psicólogo ou psiquiatra venha de um dos médicos que acompanha o paciente. No caso das mulheres, o ginecologista, em grande parte das vezes, e também o clínico geral, o cardiologista ou o geriatra.
— A palavra do médico tem um peso muito grande nisso. A família também identifica (essa necessidade), mas santo de casa não faz milagre — observa Flávia Barfknecht, psicogerontóloga e neuropsicóloga do Instituto Moriguchi, centro de estudos e aplicações práticas voltados ao processo de envelhecimento.
De acordo com Flávia, o idoso deve procurar auxílio quando questões pessoais se tornam coisas que não consegue resolver. A pessoa não dá conta do que sente ou não entende o que está sentindo. Entrar em sofrimento impacta diversas esferas da vida cotidiana. Para a psicóloga, o indivíduo, pode demorar a perceber que não está bem.
— A pessoa nota em um estágio mais avançado da depressão, da ansiedade, quando realmente já entrou em sofrimento. O sofrimento é um divisor de águas. Ela não consegue mais lidar com os sentimentos, as emoções, perde a motivação para acordar, sair da cama. E isso independe da idade. Acaba pesando — comenta Flávia.
Em relação aos idosos, há uma peculiaridade, segundo a psicogerontóloga: a idade avançada leva a cálculos, "quanto tempo falta?", "não vou viver muito mais". O que já foi vivido suscita reflexões e avaliações sobre as realizações e o que acabou ficando de lado por um motivo ou outro. Flávia contrapõe o estereótipo da velhice de décadas atrás e o que se observa em tempos mais recentes.
— Hoje temos idosos mais saudáveis, mais cuidados. As mulheres de antes tinham uma visão mais rígida do envelhecimento. Achavam que tinham que ser recatadas, que velhice era algo feio, "estou acabada", "velho não transa". Era uma condenação: senta ali e espera. Minha avó, com 60 anos, era uma velhinha de vestidinho e cabeça branca — diz a terapeuta.
A aposentadoria é um problema até para quem tem vida financeira boa: me aposentei e não tenho nada para fazer. O primeiro impacto é o sentimento de inutilidade. Tudo isso vai deprimindo, aumentando a ansiedade, prejudicando as funções cognitivas.
FLÁVIA BARFKNECHT
Psicogerontóloga e neuropsicóloga
Fazer planos, ter perspectivas é fundamental em qualquer fase da vida para dar sentido ao correr dos dias. Pensando nisso, a aposentadoria pode ser um "susto" para muita gente que é ativa e ligada ao trabalho. Não se preparar para o fim da carreira profissional surge como um fator comum de entristecimento e depressão na terceira idade.
— A aposentadoria é um problema até para quem tem vida financeira boa: me aposentei e não tenho nada para fazer. O primeiro impacto é o sentimento de inutilidade. Tudo isso vai deprimindo, aumentando a ansiedade, prejudicando as funções cognitivas — avalia a especialista do Instituto Moriguchi.
Francelise de Freitas, psicóloga do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), mestre em Geriatria e Gerontologia Biomédica, salienta o potencial desse episódio na vida do idoso:
— A pessoa trabalhou a vida inteira, sempre foi superativa, aí se aposenta. É muito comum o aposentado não fazer mais nada. Fica perdido, desorientado. "O que eu faço agora? Minha vida perdeu o sentido?" Também é sinal para procurar a psicoterapia.
O ideal, indica Francelise, é começar a planejar o período pós-trabalho com um ano de antecedência.
— O que gosta de fazer? Quais as atividades do seu interesse para quando chegar o dia da aposentadoria? Se é religioso, gosta de ir à igreja, quando se aposentar pode se dedicar a isso. Pode se programar para fazer parte desse grupo — exemplifica a psicóloga.
Em geral, familiares e amigos próximos são importantes para identificar que o idoso precisa de ajuda. Afastamento, isolamento (no quarto, na cama, vendo televisão sozinho), recusa a convites para interações sociais, negativas para programas que antes eram prazerosos. A consulta com psicólogo ou psiquiatra não deve ser forçada para que possa se tornar efetiva.
— O convencimento deve se dar dentro de muito diálogo. O idoso não é criança. "Olha, pai, estou sentindo que você está mais distante, entristecido, distante da família. Vamos procurar um profissional, se você não gostar não precisa voltar." Deixar esse caminho: se não gostar, não precisa voltar. Se você impuser, "você tem que fazer terapia", a pessoa não vai nem à primeira sessão — diz Francelise.
Quando procurar ajuda especializada
- Impossibilidade de resolver questões e conflitos
- Dificuldade para dar conta dos sentimentos ou de compreendê-los
- Ter a sensação de perda ou de falta de sentido na vida, inutilidade
- Estar em sofrimento
- Perceber mudanças significativas no padrão de alimentação e de sono (para mais ou para menos)
- Perda de interesse em atividades e hábitos antes considerados prazerosos
- Pensamento excessivo em problemas, não conseguir se desligar
Motivos que geram tristeza e ansiedade
- Aposentadoria sem organização prévia
- Viuvez
- Morte de familiares e de amigos
- Doenças crônicas, graves ou medo de adoecer
- Limitações físicas, depender de outras pessoas
- Perda da identidade: "Estou velha, e agora?"
- Solidão
- Afastamento de filhos e netos
- Dificuldade para retomar a rotina após a pandemia
- Questionamentos sobre o fim da vida, medo de sofrer
- Balanço sobre realizações e, principalmente, o que não foi feito ao longo da vida