Idosos não precisam de cuidadores apenas porque estão envelhecendo. "Minha mãe está com 90 anos, necessita de alguém" não é justificativa na ausência de outros motivos. No envelhecimento bem-sucedido, a idade cronológica aumenta, mas a pessoa não perde suas funções. O que determina a necessidade de um acompanhante são dificuldades para executar as tarefas da rotina, como tomar banho e cumprir os horários dos remédios, ou quedas frequentes. Nesses casos, pode surgir a dúvida: quem deve escolher o cuidador? O paciente, o companheiro, os familiares?
Trata-se de demanda frequente no consultório, conforme Fernanda Cocolichio, médica geriatra do Serviço de Medicina Interna do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), e também questão-chave, para a qual convém dar muita atenção.
— Veja se o idoso tem capacidade cognitiva de decidir. Se já tem um quadro demencial, a família escolhe. Se não tem problema cognitivo, ele deve ter o direito de escolher — afirma Fernanda, também especialista em neuropsiquiatria geriátrica.
A fisioterapeuta Gisele Varani, especialista em Gerontologia Social e mestre em Serviço Social, também acredita que a própria pessoa idosa possa definir com quem passará a dividir os dias ou as noites.
— O fato de começar a precisar cuidar de si não significa não ter mais capacidade para o resto — frisa Gisele. — Mas, normalmente, os filhos escolhem porque, nesse momento, o idoso já está numa situação tal de adoecimento que não consegue fazer isso — constata.
"Ele está velho, quem manda sou eu" pode ser um emblema definidor de muitas relações entre filhos e pais na terceira idade, especialmente se moram na mesma casa ou têm as finanças, de alguma forma, misturadas. O ideal, reforça Fernanda, é que o idoso tenha a sua opinião respeitada. Se houver resistência, os familiares podem demonstrar preocupação e tentar fazer as melhores escolhas deixando isso explícito durante as conversas. É fundamental que a maneira de falar vá se moldando conforme surgirem dificuldades no decorrer do tempo. "Você que vai decidir, mas eu, como sua filha, estou preocupada", "vamos fazer um teste, não vai ser nada definitivo" podem ser argumentos com bom potencial para funcionar.
Há pontos importantes a serem contemplados para que o arranjo cuidador-paciente dê certo. Um trabalhador com curso específico para idosos terá uma noção mínima do que é envelhecimento e como proceder nas situações cotidianas. Desde o começo, é essencial permitir que o paciente possa realizar suas atividades.
— O cuidador precisa entender o papel que tem ali: estimular a autonomia do idoso. Não é fazer tudo por ele. Tem que garantir um ambiente seguro para o idoso conseguir tomar banho, comer, escolher a roupa. Até no caso de um idoso com demência se deve adaptar a atividade para que ele se sinta no comando, o que é muito importante para a questão emocional e para a questão cognitiva também — orienta Fernanda.
O cuidador precisa entender o papel que tem ali: estimular a autonomia do idoso. Não é fazer tudo por ele. Até no caso de um idoso com demência se deve adaptar a atividade para que ele se sinta no comando.
FERNANDA COCOLICHIO
Médica geriatra
Formação em curso técnico ou graduação em Enfermagem não é indispensável, opina a geriatra. Pense a respeito das condições atuais do indivíduo que necessita de apoio.
— Se é um idoso ativo, independente, sem grandes demandas, um cuidador que tenha o mínimo conhecimento, que tenha feito um curso de cuidador de idosos, consegue muito bem fazer esse trabalho. Mas se é um idoso acamado, que precisa de curativos ou aspiração, aí tem que ser alguém com técnica para fazer isso — diferencia Fernanda.
Vínculo
Criar vínculo é indispensável. O cuidador precisa, genuinamente, se interessar pela pessoa de quem está tomando conta, querer saber da vida dela, questionar sobre histórias do passado e ter atenção e interesse para ouvi-las. Outro aspecto essencial é ter informações sobre a condição do idoso, o que permitirá não classificar episódios de animosidade como ataques pessoais, por exemplo. É tarefa desse profissional se informar a respeito das doenças em questão, mas a família também deve prover informações. Quando o acompanhante comparece nas consultas do idoso, os médicos podem passar orientações úteis.
Em geral, o cuidador deve ser uma pessoa com boas referências e experiência nesse tipo de trabalho. Por mais que os familiares estejam se sentindo seguros e satisfeitos com a contratação, precisam seguir presentes na rotina e não se afastar do idoso, principalmente no início da convivência com o cuidador, para observar se o vínculo vai se criar.
Uma coisa é autonomia, e outra é independência. Às vezes, a pessoa está conseguindo pensar, mas tem problemas para dar conta dos aspectos fisiológicos. É preciso entender isso.
GISELE VARANI
Fisioterapeuta
Em situações em que há grande resistência à contratação de um cuidador, considerando-se desde o uso da palavra, pode-se utilizar o termo "acompanhante". Fernanda cita casos em que uma pessoa é contratada para atuar justamente como companhia e também como uma espécie de mediadora em atividades de estímulo cognitivo.
— "Não sou criança", "não preciso de babá": tem idoso que se sente muito infantilizado e nem uso a palavra "cuidador". Geralmente, sugiro que, primeiro, se converse com o idoso para expor bem claramente por que seria interessante ter um acompanhante — comenta a geriatra do HCPA.
Hora de trocar
Não é incomum que queixas do idoso em relação ao cuidador sejam desconsideradas pelos familiares que circundam essa relação. O paciente pode contar que está sendo roubado pelo funcionário. Em determinados casos, descobre-se que é verdade. Mas é bom saber e levar em consideração que o paciente com demência pode ter pensamentos persecutórios — ou seja, o idoso pode reclamar de algo que não está baseado na realidade.
Uma pessoa idosa não deve ser encarada ou tratada como criança. Gisele ressalta que não é porque o indivíduo está se comportando de forma infantilizada que voltou, de fato, à infância.
— Ele é um idoso em processo de senilidade que ficou assim. Há um processo de deterioração da saúde mental e da saúde física também. Uma coisa é autonomia, e outra é independência. Às vezes, a pessoa está conseguindo pensar, mas tem problemas para dar conta dos aspectos fisiológicos. É preciso entender isso — explica a fisioterapeuta.
Respeito à individualidade
Quem ficar responsável pela tarefa de selecionar e contratar o cuidador precisa pensar nas características pessoais do idoso. É recomendado, portanto, que seja uma pessoa próxima daquela que será cuidada, que a conheça em profundidade.
— Se a idosa foi pintora a vida toda, vou tentar escolher uma pessoa que compreenda que, para essa mulher, a arte é importante. Tem que pensar no cuidador em sua área social também, não é só saúde. Ele não está ali só para dar o medicamento. Tem que assistir a um filme, ler jornal, jogar canastra, conversar, passear no parque. Como eu vou escolher um cuidador que não tem nada a ver com a área de interesse, por mais demenciado que o paciente esteja? — fala Gisele.
Comportamentos que sugerem a necessidade de um cuidador
- Esquecer de tomar remédios ou se atrapalhar com medicações
- Não tomar banho
- Dificuldade para manter a higiene pessoal
- Esquecer panelas e chaleiras no fogo
- Incapacidade de se alimentar adequadamente
- Quedas frequentes
Na hora de contratar
- Busque alguém com boas referências
- Experiência na função é importante
- Cuidador deve ter interesse sobre a doença ou as condições de saúde do idoso de quem tomará conta e disposição para se informar a respeito do assunto
- Profissional precisa preservar e respeitar a autonomia e a independência do idoso, valorizando sua capacidade de pensamento e execução