O envelhecimento do organismo, após atingir o auge da performance, pode começar ainda na casa dos 20 anos, de acordo com a literatura científica. Há variações sugerindo que é na década seguinte, a dos 30, e até na dos 40. De qualquer maneira, parece cedo, considerando-se que fica difícil associar uma aparência de vigor e juventude à ideia de declínio.
Como o geriatra é o médico especializado no atendimento do idoso e também nas questões relativas ao envelhecer, pode-se dizer que um bom momento para agendar a primeira consulta é a partir dos 40 anos. Muito provavelmente, bem antes do que o leitor pensava até chegar aqui.
A hora de tomar essa decisão pode surgir de uma convergência de fatores. Tome-se como exemplo um paciente que, aproximando-se dos 50 anos, precisa do acompanhamento de endocrinologista e cardiologista com regularidade — já pode, portanto, concentrar as demandas em um geriatra. Esse especialista, com conhecimento sobre diversas áreas, costuma centralizar o cuidado, orientando o paciente para um bom envelhecimento.
— A pessoa, às vezes, não se dá conta de que tem coisas que são interligadas. Para constipação, vou ao gastroenterologista. Se sinto falta de ar, vou ao pneumologista. O paciente começa a procurar várias especialidades. Alguém precisa ouvir a história toda, dizer "larga tudo isso e vai a um reumatologista". Quando começa a ter duas especialidades a que o paciente vai com certa frequência, pode ir a um geriatra — orienta Joana Noschang, geriatra do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e professora da Unisinos.
Há pessoas que, desde cedo, passam a conviver com mais de uma comorbidade (doença crônica, como diabetes e hipertensão), mas a busca por um nome de referência na geriatria não precisa ser motivada por enfermidades. O geriatra Felipe Luiz Rengel Siedschlag, coordenador da Emergência do Hospital Divina Providência, ressalta que o foco principal é envelhecer de forma saudável, e não tratar doenças.
— A resposta de quem previne uma doença é muito maior do que alguém que toma um remédio e trata uma doença. Mesmo que tenha um diabetes compensado, bem tratado, a pessoa continua gerando danos ao organismo em comparação com alguém com os mesmos 90 mg/dl de glicemia de quem não tem diabetes. O paciente não deixa de ter a doença. A doença não deixa de atuar no organismo — compara Siedschlag.
A pessoa que está simplesmente pensando em envelhecer bem, de forma saudável, provavelmente terá revisões bem espaçadas.
— O geriatra vai investigar a história dela e às vezes dizer: volta daqui a dois anos, por ora não precisa — complementa Joana.
Mesmo pacientes com idade avançada podem prescindir de uma agenda de grande frequência com esse médico. Joana conta que, há dois anos, atende uma senhora centenária. Até os 99 anos, a paciente não contava com o acompanhamento de geriatra, e o cardiologista lhe deu a recomendação. Hoje, a idosa, visitada a domicílio, tem 102 anos.
— Ela me chama uma ou duas vezes por ano. Está superbem. Chego lá e, às vezes, é uma infecção urinária, uma constipação, que pode prejudicar muito o sensório — relata a médica.
O que faz o geriatra
O geriatra conhece as várias fases do envelhecimento, o que permite que oriente esse processo com mais qualidade de vida. A partir dos 40 anos, intensificam-se as perdas de massas óssea e muscular, e o médico intervém para reduzir danos. O especialista também pode nortear as rotinas de alimentação, exercícios e sono. As queixas de perda de memória são comuns. O problema é subjetivo e pode estar relacionado a sobrecargas do dia a dia, falta de repouso adequado — o cérebro não descansa, falhando em reter as informações — e medicação. Com tratamentos conduzidos separadamente por diferentes médicos, falta o personagem centralizador.
— O geriatra é meio que o investigador da vida da pessoa. Um detetive que vai olhar o que está saindo da linha da normalidade para poder retornar para o equilíbrio — explica Joana.
O envelhecimento normal prevê que o indivíduo enfrente um pouco mais de dificuldade nas atividades cotidianas: lembrar-se de algo pode ser mais demorado, a velocidade da marcha diminui, a digestão dos alimentos não ocorre como antes, o metabolismo leva mais tempo para concluir os processos se comparado à época dos 20 anos. Tudo isso é considerado parte do script porque o corpo está ficando velho.
O geriatra é meio que o investigador da vida da pessoa. Um detetive que vai olhar o que está saindo da linha da normalidade para poder retornar para o equilíbrio
JOANA NOSCHANG
Geriatra do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e professora da Unisinos.
Anormal é desenvolver uma doença que acelera o envelhecimento, prejudicando mais o paciente. Pense em uma pessoa que sempre praticou atividade física, sem, no entanto, prestar atenção ao impacto absorvido pelo corpo. Com o tempo, desencadeia-se um problema na coluna, que gera dor e reduz os movimentos, culminando em sarcopenia (perda de musculatura) — por sua vez, essa condição afeta o equilíbrio, aumenta o risco de quedas e fraturas. Identificar a causa do problema permite prever desfechos desfavoráveis e estabelecer medidas de controle.
A idade, por si só, não é uma informação determinante. Mais importante do que dados cronológicos é conhecer o nível de dependência do indivíduo.
— Tenho que saber como a pessoa está. A idade já não é tão importante quanto a condição clínica — comenta Siedschlag. — Às vezes, para entrar no meu consultório, o paciente leva cinco minutos. Seria mais rápido colocá-lo em uma cadeira de rodas, mas, se conseguirmos preservar a função de caminhar, mesmo que seja com marcha mais lenta, é melhor. O simples fato de o paciente ficar em pé e fazer a transferência da cama para a poltrona, deixar que se seque após o banho, é importante. Tem que ter paciência. É um ganho contra o desenvolvimento de demência — acrescenta o médico.
Organizador
Muitas vezes, não é preciso mudar a vida do paciente — basta organizá-la. Há pacientes que chegam para a consulta com Joana e, na hora de enumerar os remédios que tomam, não conseguem recordar os nomes.
— Aquele amarelinho pequenininho — descreve alguém diante da médica, tentando se fazer entender.
O ideal, salienta a geriatra, é levar todas as caixas de medicamentos para a consulta — incluindo os corriqueiros, para dor de cabeça, e até pomadas. Organizando os vários itens que pontuam as horas do dia do paciente, é possível conseguir reduzir a lista.
— Anti-inflamatório é um risco para o idoso porque pode causar dano renal. Pode ser indicação de uma vizinha, daí depois o paciente toma mais um anti-inflamatório por indicação do traumatologista. Daqui a pouco tem problema renal — sugere a geriatra do São Lucas.
Alvo de insistentes propagandas, idosos costumam tomar suplementos vitamínicos, de fácil alcance nas farmácias. O organismo não consegue absorver todas as substâncias, e grande parte do conteúdo é eliminada pela urina — um "xixi caro", brinca Joana. O ideal é suprir as necessidades do corpo pela via da alimentação.
Joana coloca todas as caixinhas de medicamentos em cima da mesa, faz anotações nas embalagens, explica, reorganiza. Tudo com muito cuidado para não parecer intromissão, imposição ou confronto, especialmente com os novos pacientes.
— Temos que ter a sensibilidade de não chegar com o pé na porta. Conversar, entender a pessoa para cuidar dela. Ela tem que ir me dando abertura, vou conseguindo estabelecer o vínculo. Vai entender que quero o melhor para ela — demonstra a professora da Unisinos.
Planeje a velhice antes dos 60
- Um bom envelhecimento pressupõe pensar o que fazer nessa fase da vida. Um dos pilares, aponta a geriatra Joana Noschang, é manter relações de amizade e atividades além das laborais.
- Com a expectativa de vida aumentada, idosos precisam ter metas e objetivos por muito tempo além da data da aposentadoria. Quem para de trabalhar aos 65 e vive até os 90, por exemplo, dispõe de 25 anos para serem preenchidos.
- Muita gente só começa a pensar nisso quando se aposenta. Criar laços de amizade nessa fase é mais difícil, e o ideal é pelo menos identificar atividades prazerosas antes de parar totalmente de trabalhar, preparando-se para reorganizar a rotina depois que terminar o compromisso com o emprego.
- O geriatra pode ser, certamente, um bom interlocutor para conversas sobre esses temas.
Como escolher o geriatra
- Informe-se a respeito da formação do médico. Principalmente, se ele cursou residência na área. Essa especialização requer quatro anos de estudo — dois de clínica médica e dois de geriatria.
- Você deve se sentir confortável com o médico, ser capaz de criar um vínculo.
- Parece óbvio, mas não é: o profissional tem de se mostrar disponível para ouvir o paciente.
- O geriatra pode se tornar o médico da família, a principal referência.