Priorizar a saúde e o bem-estar é o projeto de muitos quando chega a hora da aposentadoria. Sem os compromissos e o cansaço da vida profissional, surge uma agenda com tempo livre a ser preenchido, e a atividade física, por prazer ou obrigação, entra na rotina. Quem vem de anos ou mesmo de décadas de sedentarismo — não raro, o único contato direto com os exercícios foi na época da escola — precisa planejar bem esse começo para evitar lesões, frustração e a sensação de fracasso.
A primeira coisa a fazer é marcar uma consulta com o geriatra, o clínico geral ou o cardiologista de referência. Devem ser realizados teste de esforço, avaliação ortopédica — em busca de possíveis alterações musculoesqueléticas — e exame de sangue. O ideal é que o paciente obtenha um atestado liberando-o para a prática de atividade física. Clarissa Biehl Printes, educadora física e doutora em Ciências do Esporte pela Universidade de Córdoba, na Espanha, destaca que esse registro pode conter informações importantes para quem ficará responsável pelo treino do indivíduo.
— O atestado não é obrigatório em academias, mas, normalmente, o médico coloca alguma observação pertinente sobre uma limitação cardiovascular ou ortopédica, por exemplo — diz Clarissa, também doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Gerontologia Biomédica da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Quem está passando por sessões de fisioterapia deve conversar com o profissional responsável antes de seguir para a academia ou o clube. A liberação dependerá do problema e do tipo de tratamento que está em curso. Há condições da coluna, por exemplo, que exigem fisioterapia no começo, e depois há uma transição para o exercício físico.
— Pode ser só uma fase transitória de fisioterapia. Às vezes, é possível combinar fisioterapia e atividade física, dependendo de qual. O ideal é que médico, fisioterapeuta e educador físico conversem para decidir — fala Clarissa.
Ao chegar ao local de treinamento, recomenda-se que o novo aluno passe por uma avaliação com o educador físico. Se realizada a cada três meses, como se orienta que seja feita, é possível que instrutor e aluno tenham noção dos progressos que vêm sendo alcançados.
Iniciação esportiva, aponta o educador físico Leandro Vargas, pode dar a ideia de uma adaptação unicamente para crianças, mas pode ser feita em qualquer idade. Além de escolher o tipo de exercício, o local e o horário (veja dicas abaixo), é essencial contar com a orientação de um profissional especializado, como personal trainer ou professor de grupos.
— Deve-se tentar descobrir qual a experiência daquela pessoa, a formação, o que ela já fez. Conversar para traçar metas. Isso é bem importante — orienta Vargas, coordenador do curso de Educação Física do Centro Universitário Metodista IPA, em Porto Alegre.
Exercícios sem supervisão profissional são sempre contraindicados, especialmente para um corpo em total despreparo. Entre os maiores riscos, estão movimentos errados, sobrecarga e volume exagerado de treino, que podem acarretar lesões musculares e nas articulações, principalmente nas do quadril e dos ombros.
O praticante deve ter um objetivo importante em mente: se conseguir ultrapassar a barreira dos três meses de prática, a chance de conseguir incorporar essa nova atividade ao cotidiano é muito grande, afirma Vargas.
— A dor muscular vai aparecer, aí a tendência é desistir, mas tem que persistir — indica o professor.
Ter um professor orientando, individual ou coletivamente, contribui muito para o prosseguimento, da mesma forma que o entrosamento com os colegas. Via grupo de WhatsApp ou outra rede social, novas relações se estabelecem, e um aluno pode motivar o outro quando faltar força de vontade em um dia específico ou de maneira geral.
— A questão social é bem importante. Se tem personal trainer ou um grupo, a chance de desistir é muito menor. Os alunos me dizem: "Se eu não tivesse marcado contigo, não viria hoje". O aluno tem um compromisso com o personal, mas nem todo mundo consegue pagar um. Então, que busque atividades coletivas para estimular a adesão e o convívio — comenta Vargas.
São inúmeros os benefícios da atividade regular. Crianças e adultos podem se beneficiar em qualquer idade de uma rotina com movimento, e para o público a partir de 60 anos isso representa um incremento de saúde e resistência numa fase da vida em que há diversos declínios. Um idoso precisa melhorar a capacidade aeróbica, desenvolver massa muscular, trabalhar o equilíbrio e a flexibilidade. O ganho de força e massa muscular são fundamentais para evitar quedas e fraturas, duas das maiores ameaças na terceira idade.
Quem afirma, de antemão, não gostar de atividade física, mesmo nunca tendo experimentado qualquer modalidade ou sem ter perseverado, não tem muita escolha.
— É quase como não gostar de escovar os dentes. A pessoa vai lidar com as consequências de não gostar lá na frente. Ou desenvolve o hábito, ou vai para o envelhecimento malsucedido. Exercício não é hobby, é necessidade — alerta a doutoranda Clarissa. — Na prática, a gente sempre trabalha a importância de tentar encontrar uma modalidade que, pelo menos, considere que atende ao seu gosto. A partir disso, é importante achar um programa em que tenha seus pares, se sinta incluído, tenha oportunidade de interação, para que crie vínculo. Quando a pessoa cria vínculo, cria compromisso — complementa a educadora física.
Antes de começar
- Escolha um clube ou uma academia que sejam de fácil acesso. Considere como você vai se deslocar na ida e na volta, além dos horários das aulas. Para essa decisão, deve pesar também a qualidade do serviço oferecido.
- O que é preciso levar? Você vai trocar de roupa no vestiário ou em casa? Pense na variação de temperatura ao longo do ano e se você não vai ficar muito exposto, ao chegar e sair, em dias de frio e chuva.
- Atividades na água, como hidroginástica e natação, geralmente demandam mais esforço dos praticantes no inverno, deixando-os mais propensos a desistir.
- Você se sente mais disposto no período da manhã ou da tarde? Se você não gosta de acordar cedo, procure encaixar a nova atividade em outro turno.
- Converse antes com o professor ou a professora que ministra a aula na qual você está interessado.
Depois de começar
- Tente manter uma frequência mínima de três vezes por semana, intercalando dias para descanso e recuperação.
- Se começou com uma única atividade, lembre-se que é importante associar exercícios aeróbicos (mais acelerados) e de força (musculação).
- De fácil execução, a caminhada é um ótimo exercício, mas não se basta sozinha. É necessário acrescentar a musculação.
- Caso tenha dificuldade de adesão à prática, lembre sempre que atividade física não é hobby, mas necessidade.
- O corpo se acostuma com o mesmo estímulo. É preciso variar para obter bons resultados.
- Se você ainda não cuida da alimentação, é provável que inclusive passe a sentir essa necessidade. Uma rotina de movimento não combina com refeições muito pesadas e contrariando as boas práticas da nutrição. Busque aconselhamento de um profissional se não conseguir se organizar sozinho ou se tiver muitas dúvidas a respeito do tema.
Largada com ótimos resultados
Sempre muito sedentária, Sandra Guimarães, 69 anos, decidiu começar a praticar exercícios depois da intensa experiência de restrições da pandemia. Estava com o diabetes descompensado, precisava reduzir a glicose. Chegou a um dos programas direcionados a idosos promovidos pela PUCRS. Começou com caminhadas ao ar livre. Em duplas trocadas constantemente, o exercício incentivava também a socialização, o que a professora aposentada apreciou muito.
— Essa interação com as pessoas foi bem importante — lembra Sandra.
Três vezes por semana, ela tem aulas variadas no Parque Esportivo da universidade: caminhada nórdica (com auxílio de um bastão), musculação, pilates, ginástica chinesa. Em consulta recente com a médica endocrinologista, Sandra recordou os tempos de sala de aula: ganhou uma "estrelinha" pelos resultados dos exames de sangue, todos satisfatórios. O cardiologista, visitado na sequência, também ficou contente e já considera reduzir as medicações para a pressão e o colesterol.
— Me sinto melhor. O ânimo é diferente. Moro em um prédio sem elevador, no terceiro andar. As escadas eram uma tortura diária, agora já subo sem sofrimento. À esquina, eu ia de carro, e agora vou até o Centro a pé. Levo uns 25 minutos — conta Sandra, moradora do bairro Floresta. — É aquela alegria de conseguir vencer dificuldades — acrescenta.
Clarissa Printes, da PUCRS, ressalta que a consciência sobre a importância do hábito é desenvolvida com a prática.
— A pessoa começa a entender que isso tem um impacto importante na independência dela. O exercício repercute na saúde física, na saúde mental, na funcionalidade, no aspecto relacional. Quando falamos no público de mais de 60 anos, temos que pensar no bio, no psico e no social. Atividade tem repercussão física, mas também atende a questões orgânicas, prevenindo fatores de risco, atuando sobre doenças crônicas como medida não farmacológica, e às vezes substituindo remédios. Tem efeito no humor, no psicológico, na autoestima — enumera Clarissa.