Músicas compostas e cantadas especialmente para o aniversariante do dia, figurinhas de bom-dia e boa-noite, novidades de filhos e netos, fotos dos animais de estimação, vaquinhas e, principalmente, lembranças do tempo do então chamado primário pelos formandos de meados da década de 1970. O grupo de WhatsApp Amigos do Polivalente reúne mais de uma centena de ex-alunos da antiga Escola Polivalente, o Poli, hoje Escola Estadual de Ensino Médio Visconde do Rio Branco, no bairro Rio Branco, em Canoas, na Região Metropolitana. Todos têm mais de 60 anos e frequentaram a instituição.
O Amigos do Polivalente foi criado em 2019, a partir de outro grupo virtual, o Amigas da Adolescência. O Amigas era bem mais restrito, apenas com mulheres que se reencontraram na celebração de um aniversário. Mas aí veio Valdo Martins, 63 anos, reivindicando espaço para a ala masculina, e então nasceu o Amigos do Polivalente. "Grupo criado pelo Valdo! Para ex-alunos do Polivalente dos anos 70. Música, bate-papo e alegria", conforme se lê na descrição.
Iniciou-se uma pesquisa sobre os contemporâneos daquela época, que foram sendo convidados para esse pátio de recreio virtual, onde as conversas relembram com saudade os jogos de handebol e futsal, o imenso pinheiro plantado no pátio há 50 anos e o tempo em que havia aulas de técnicas agrícolas, domésticas, comerciais e industriais.
Em 2022, a turma realizou o primeiro jantar-baile, considerado um sucesso. A segunda edição já tem data, 18 de novembro, e ingressos à venda, com expectativa de 200 convidados presentes. Uma comissão cuida dos preparativos para a festa, enquanto outra organiza a produção de um livro de memórias estudantis.
Há regras para as conversas no grupo, que resistiu à passagem das nervosas eleições presidenciais do ano passado: não se fala de política, religião e futebol. É tanta mensagem que tem gente que acaba saindo por não dar conta de ler tudo. Muitos se reencontraram pela primeira vez em cinco décadas quando GZH reuniu os ex-colegas para as fotos que ilustram esta reportagem. Quase 40 compareceram para a animada sessão, uma vindo de Pinhal, outro de Cachoeira do Sul. A retomada permite também outros tipos de aproximação, segundo Maria Luísa Capilheira, 62 anos, administradora do grupo.
— Tem dois que estamos achando que estão quase namorando de novo. Ela era a guria mais bonita do colégio, jogava handebol, e ele era goleiro do futsal. Namoraram pela primeira vez na escola. Hoje ela é viúva, ele é separado. Tomara que dê! — conta Maria Luísa.
A aposentada pondera que muita coisa veio à tona com as conversas sendo colocadas em dia depois de tanto tempo:
— Temos as histórias bonitas, mas temos também as histórias tristes. Tem gente sozinha, tem gente precisando de ajuda, tem gente passando dificuldade. Ano passado, nos cotizamos para pagar convite a quem não tinha como ir. Já ajudamos na medicação de uma colega, auxiliamos outra que teve problemas financeiros e outra que fará uma cirurgia.
Socialização protege o idoso
Irani Argimon, psicóloga e professora da Escola de Ciências da Saúde e da Vida e da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), explica que os benefícios que advêm da interação entre pessoas são inúmeros, em diversos âmbitos. Idosos que ficam muito tempo em casa, sem atividades ou amigos, podem acabar com traços depressivos.
— A socialização mantém ativos a afetividade, a cognição, o comportamento. O humor muda também. Protege. É como uma vacina — define Irani. — Atividades sociais e culturais geram sentimentos positivos — acrescenta.
Apropriar-se da tecnologia também tem vantagens. De acordo com Irani, trata-se de uma iniciativa significativa para quem mais de 60 anos e ainda acha a vida virtual meio misteriosa. A utilização do celular e das redes sociais permite a conexão com os tempos já vividos.
— Trazer coisas do passado tem um valor inestimável. Na família, os jovens, às vezes, não têm paciência para ouvir os mais velhos, que se repetem: "Vô, você já contou isso!". Em um grupo da mesma idade, isso fica muito mais prazeroso porque os outros estavam presentes — diz Irani.
Essa conexão ainda é capaz de elevar a autoestima, aponta a docente da PUCRS:
— "O meu amigo riu comigo de uma coisa que nós fizemos décadas atrás." É um pertencimento. A conversa é o melhor tônico que tem para a vida.
Maria Luísa, mãe de duas filhas de 42 e 37 anos que trabalhou como secretária, cursou pedagogia e adora conversar, acredita que "a educação é o que faz o indivíduo".
— Estar nesse grupo me trouxe de volta toda uma época em que a gente era muito feliz. Isso nos proporcionou continuar. Claro que tem os percalços, as dificuldades no caminho. Casei supercedo, com 18 anos. Com 19, eu estava tendo minha bebê. Reencontrar esses amigos nos traz a lembrança de um momento que nos fazia muito bem. A escola é a melhor coisa que existe. Você cria círculos de amigos que pode levar para o resto da vida — reflete a ex-estudante do Poli.