Existem as gerações que já nasceram em um universo totalmente conectado à internet, outras que migraram da vida analógica para a digital e, ainda, aquelas que não tiveram qualquer contato com o mundo online e hoje são confrontadas com um cotidiano que se desenrola, em grande parte, dentro de aplicativos e sites.
Para quem tem a partir de 60 anos e receio de manejar um smartphone, professores de cursos para terceira idade garantem que adentrar esse universo dará mais autonomia, agilidade e satisfação — passadas a resistência e a estranheza iniciais.
Há modelos de celular anunciados pelos fabricantes como específicos para idosos, com teclas e números grandes para facilitar a visão e pouquíssimas funcionalidades. Basicamente, é para quem quer um telefone para efetuar e receber chamadas, indo, no máximo, até o WhatsApp. Guilherme Menezes, criador da Integrar Gerações, focada em iniciativas relacionadas à longevidade, acredita que o celular para idosos é muito limitado. Em geral, essa faixa etária tem condições de usar um smartphone, ainda que tenha sido desenvolvido para jovens e exiba uma tela pouco amigável para o público mais velho. Quem não tem intimidade com esse tipo de tecnologia deve aprender o básico antes de navegar pelas redes sociais e pelos sites de compras.
— Acho importante ensinar aos idosos os comandos básicos de configuração do celular: tocar (a tela), deslizar e fixar (apertar o dedo). A maioria deles não sabe o que é fixar. Se clicarem e fixarem no ícone do WhatsApp, podem acabar removendo o aplicativo. Grande parte mora sozinho, e aprender esses comandos básicos já dá autonomia. Se tiver alguém para pedir ajuda, peça, mas peça para alguém de confiança — orienta Menezes, que atua com a Parceiros Voluntários em atividades relacionadas à inclusão digital e ministrou uma oficina de mídias digitais no Sesc Maturidade Ativa de Porto Alegre neste mês.
O professor classifica o idoso de hoje como a geração da máquina de escrever, que se aposentou antes da popularização da internet — ou seja, o computador só chegou ao local de trabalho depois que a carreira dessa pessoa havia sido encerrada. Sem falar nas mulheres que eram donas de casa e tiveram de esperar até a internet se disseminar com o uso doméstico. É evidente o interesse dos idosos por aprender, com suas particularidades: o processo tende a se dar mais lentamente, com as orientações tendo de ser repetidas várias vezes. A demanda por cursos, impulsionada por necessidade ou interesse, cresceu significativamente nos últimos três anos, segundo Menezes.
— Até a pandemia, um bom número de idosos ainda não acreditava na importância de estar conectado, achava que isso era para jovens e para quem está no mercado de trabalho. A pandemia mostrou o contrário. Não tinha opção, e talvez, por isso, tenha sido tão acelerado esse processo. Em qualquer idade, não estar conectado significa que você está excluído do mercado, da saúde, do bem-estar. Hoje, você não consegue ir a um show ou jogo de futebol porque não sabe comprar um ingresso online, não consegue pegar os resultado de exames — avalia o professor.
Vera Ambrozio, 78 anos, fez a oficina de mídias digitais do Sesc Maturidade Ativa de Porto Alegre. Antes da aula, sabia mandar mensagens de texto e áudio pelo WhatsApp. Saiu do cursinho com melhores noções de segurança online e sobre onde não mexer para não alterar configurações. Em uma sala de aula com 25 mulheres, lamentou apenas que três horas tenham sido pouco tempo para as muitas dúvidas que surgiram no grupo.
— É muito bom para nós que, depois de uma certa idade, somos colocados em um cantinho. Isso nos dá mais visibilidade, faz a gente entender que não está morta. Podemos seguir em frente e não se entregar, achar que a vida acabou. Sou superativa, faço tudo o que tenho vontade — conta Vera, que mora sozinha.
Mudanças entre passado e presente
Uma forma de compreender melhor o mundo virtual é pensar em como as coisas mudaram, comparando-se a atualidade e o passado. O imenso volume de anúncios classificados das edições dominicais dos jornais não deixou de existir — pode-se pensar nos serviços de ofertas disponíveis online hoje. Aulas para a terceira idade também são atrativas por demonstrar como é possível ter conforto a partir do momento em que se domina o modo de funcionamento de alguns serviços. Em vez de você ficar esperando pelo ônibus no ponto em um dia de frio e chuva, pode ficar mais tempo em casa, abrigado, e se dirigir à parada mais perto do horário em que o coletivo da linha que você deseja estiver mais perto — o aplicativo do serviço de transporte municipal pode informá-lo sobre isso.
— O futuro é logo ali, dobrando a esquina. O que você está aprendendo hoje será necessário para as mudanças que estão vindo e são muito aceleradas. Daqui a duas semanas, aparecerá um app completamente novo — observa Menezes.
Doutor em Engenharia de Sistemas e Computação, Marco Mangan é professor da Escola Politécnica e da Universidade Aberta da Terceira Idade (Unati) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Costuma iniciar as aulas para turmas sênior conversando sobre os mais variados interesses dos alunos. A partir das respostas, vai para a internet demonstrar como buscar informações e entretenimento em áreas como gastronomia, música, literatura, viagens, cinema e fotografia.
As aulas também passam por conteúdos como configurações do aparelho, manejo de senhas e segurança online. Quanto às redes sociais, Mangan dá uma dica importante quanto ao ritmo de interações que pode parecer óbvia a quem tem intimidade com esse universo, mas é necessária àqueles que estão apenas começando. O usuário posta e responde a qualquer momento, quando quiser, valendo para trocas amistosas e também para eventuais confrontos.
— O usuário pode se afastar, não precisa ficar sentado olhando (para a tela). Não precisa responder nem responder imediatamente. Não deixe a outra pessoa controlá-lo. Se te mandarem uma mensagem ofensiva, deixe o celular em cima da mesa, vá tomar um chá ou ler um livro. Se for muito grave, peça para um familiar olhar junto — sugere o docente da PUCRS, que expõe também a dinâmica dos golpes.
— Muitos pedem depósitos imediatos. Peça a opinião de alguém conhecido, de confiança. Não tente resolver com pressa, sozinho — acrescenta.
O Facebook pode ser a rede mais popular para o grupo dos 60+, mas essas escolhas ficam a critério de cada usuário, conforme sua experiência e adaptação.
— Existe uma migração porque não é a idade que o define. Quem está há mais tempo online e domina o Facebook está migrando para o Instagram e até para o TikTok — diz Menezes.
Orientações para evitar problemas
Aparelho
- Com a troca constante de modelos, é natural que as pessoas tenham celulares sem uso em casa. Pergunte se algum familiar pode repassar um aparelho em bom estado, sem uso, antes de comprar um.
- É fundamental conhecer três comandos básicos para lidar com o teclado de um smartphone e ter o mínimo de autonomia: tocar a tela, deslizar o dedo sobre ela e fixar (tocar e ficar apertando o mesmo ponto).
- Para aprender a usar o smartphone, aplicativos e sites, peça ajuda a uma pessoa de confiança. Considere a possibilidade de fazer um curso para se familiarizar melhor e mais rápido com a tecnologia. Você pode escolher a carga horária que supre melhor suas necessidades.
- Incorpore à rotina os comandos de voz dados ao celular. Para perder o receio de falar com o aparelho, comece pelo mais simples: acender e apagar a lanterna, informar-se sobre a previsão do tempo.
- O celular pode ser configurado de forma a poder ser rastreado, servindo como recurso de segurança pessoal. Serve para que o idoso seja localizado em caso de necessidade e também ao contrário, caso ele queira saber onde estão os familiares — esse recurso pode reduzir a ansiedade e a sensação de isolamento em situações como aquela em que ele está aguardando a chegada de um filho para buscá-lo em casa.
- Se você é estudante de outros idiomas, configure o aparelho para a língua que está aprendendo.
Senhas
- Prepare-se para lidar com senhas em diversos sites e aplicativos. Atualmente, muitas dessas combinações exigem um número mínimo de caracteres, com letras maiúsculas e minúsculas, números e símbolos. Evite senhas fáceis e previsíveis, como números sequenciais (123456789).
- Conforme for criando as combinações, anote-as em um papel, a ser dobrado e grampeado ou colado. Se alguém mexer, você saberá. Guarde-o em casa.
- Não reaproveite senhas antigas na hora de fazer uma nova.
- Quando estiver mais familiarizado com o celular, utilize um serviço para armazenamento de senhas, dispensando a necessidade de memorizar ou anotar tudo. Há dispositivos com biometria, que liberam o acesso mediante reconhecimento facial ou da digital.
- Se você já recebeu um aparelho configurado e organizado, não deixe de guardar as senhas que permitirão que você continue acessando seus arquivos quando trocar de telefone.
Redes sociais
- Cada vez com mais recursos, as redes sociais podem assustar um pouco à primeira vista: vídeos, música, sons, efeitos. Um bom começo é o Facebook, de interface mais amigável.
- A internet é muito mais do que redes sociais, mas você pode experimentar e ver o que acha da dinâmica. Para o relacionamento com os mais jovens, é uma ferramenta importante. Ainda que haja um estranhamento, você também pode gostar de estar por dentro das postagens de filhos, netos e amigos e saber o que andam fazendo e falando.
Compras online e segurança
- Não faça as primeiras aquisições sozinho. Peça para que alguém que possa orientá-lo esteja junto, disponível para tirar eventuais dúvidas que surgirem.
- Você pode ir aumentando essa rede de auxílio para compras, sempre convidando pessoas de sua confiança para lhe fazer companhia, pelo menos até o momento em que você estiver se sentindo mais seguro para efetuar todos os passos sozinho.
- Escolha os produtos que deseja, coloque-os no carrinho de compras e aguarde, em vez de finalizar a compra imediatamente. Se tiver alguma dúvida ou desconfiança do site ou aplicativo, solicite auxílio antes de efetuar o pagamento. A medida serve também para que você possa refletir mais sobre a compra e decidir se realmente precisa desses itens.
- Não clique em links enviados por SMS ou WhatsApp. É muito comum surgirem oportunidades, aparentemente vantajosas, para que você adquira empréstimos facilitados. Muitos golpes começam assim.
- Se você deseja adquirir um eletrodoméstico, por exemplo, cuidado com os resultados da busca no Google. Há links que levam a sites que se assemelham muito a grandes lojas do varejo, mas não são. Com o tempo, à medida em que você for se familiarizando com os novos processos, esse tipo de operação tende a se tornar mais fácil.
- O Google é um recurso para toda hora, mas nem tudo que surge nas buscas deve ser considerado verdadeiro.