O Paulo Germano lançou o desafio: "Ticiano, já fez uma coluna sobre os 10 melhores filmes que viu? Não necessariamente os 10 melhores da história, mas aqueles que pra ti são os melhores". Topei o convite do meu colega de mesa na Redação, mas com uma adaptação e uma ampliação. Já que neste sábado, 2 de dezembro, comemoro 50 anos, me senti à vontade para montar uma lista bem pessoal e alusiva ao aniversário de número redondo: os 50 filmes que mais me marcaram.
Como é uma seleção impressionista (ou apesar de ser uma seleção impressionista), estabeleci algumas regras.
1) Só elencar títulos realmente encontrados na memória — não pesquisei no Google (exceto para, depois, acertar datas e grafias) nem mesmo nas minhas colunas ou nos meus caderninhos de anotações. (P.s.: como mostra o comentário do querido Diego, um dos leitores mais assíduos da coluna, acabei esquecendo preciosidades como A Missão, que tem uma das trilhas que mais me comoveram, composta pelo grande Ennio Morricone. Falando nisso, também omiti lamentavelmente Carruagens de Fogo, em que Vangelis nos deu a música definitiva dos momentos de superação.)
2) Guiar-se pela memória — os filmes não estão organizados cronologicamente, pelo ano de lançamento ou a pela minha experiência cinematográfica: a ordem é de como vieram à cabeça (na verdade, nunca saíram de lá).
3) Confiar na memória — isso significa que posso estar me lembrando mal ou errado de cenas, ou até lembrando mal ou errado de sensações despertadas.
4) Valorizar a memória — não importa se o filme ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes, o Urso de Ouro no Festival de Berlim, o Leão de Ouro no Festival de Veneza ou o Oscar da Academia de Hollywood, não importa se foi campeão de bilheteria ou é um queridinho da crítica: o que conta é o quanto ficou gravado nas minhas recordações.
5) Jamais trair a memória — não importa se o filme é ruim, se caiu no meu conceito com o passar do tempo, se é politicamente incorreto, se era embebido em perfume de escândalo, se era sexista, estereotipado ou coisa pior: se me marcou, entrou.
Dito isso, vamos lá:
Sei que vi filmes dos Trapalhões antes e acredito que assisti a Star Wars (1977) também antes, mas vem de uma comédia lançada originalmente em 1980 a primeira cena que marcou a minha infância. Eu achava que se chamava O Supertira, mas segundo o Google o título brasileiro é Super Snooper: Um Tira Genial. Seu astro é o italiano Terence Hill, de quem eu já gostava por causa dos faroestes do Trinity, agora encarnando um policial que ganha superpoderes. Um deles é o de transformar o chiclete que está mascando em um balão que vai salvar seu colega (Ernest Borgnine) do fundo do mar e levá-los às nuvens. Nunca esqueci.
Ir ao cinema era um dos principais passatempos com meus pais, especialmente minha mãe, que me levava ao Avenida, ao Baltimore, ao Cacique (ou ao Scala), ao Victória. Vimos juntos, por exemplo, Sociedade dos Poetas Mortos (1985), talvez tenha sido a primeira vez que chorei assistindo a um filme ("O Captain! My Captain!").
Mais tarde, já na época das salas de shopping, fui eu quem levei a mãe para ver o filme que mais me fez chorar, a ponto de batizar uma escala íntima de emoção: A Lista de Schindler (1993).
Seu diretor, Steven Spielberg, já era um dos favoritos da família: E.T.: O Extraterrestre (1982) foi o primeiro filme ao qual fomos nós quatro — eu, a mãe, o pai e a minha irmã, a Marília, então com dois anos. Não sei quantas vezes na vida repeti a frase "E.T. Telefone. Casa".
Foi o pai que me apresentou a outro monstro sagrado, Alfred Hitchcock, em um ciclo realizado em um dos saudosos cinemas de calçada, nos anos 1980. Sabem qual o filme que mais me marcou? O soturno e cético A Sombra de uma Dúvida (1943). Senti um certo orgulho ao saber, depois, que era o preferido do próprio mestre do suspense.
Uma televisão pequena em um quarto de dormir também é capaz de provocar encantamento e memórias eternas. Se eu pudesse viajar no tempo para reviver momentos com a maturidade e a consciência de hoje, certamente um dos primeiros seria deitar na cama com o vô Job para acompanhar o Festival Carlitos que algum canal exibia. Se não me engano, vimos juntos todos os clássicos de Charlie Chaplin. Vou simbolizar essa recordação com Luzes da Cidade (1931).
Também pela TV, O Céu Pode Esperar (1978), com Warren Beatty e Julie Christie, despertou meu fascínio por histórias de personagens vivendo uma vida que não é a sua. É o que une mais três filmes marcantes que, à primeira vista, não têm nada a ver um com o outro: Zelig (1983), a mais genial comédia de Woody Allen, Um Homem com Duas Vidas (1991), drama do belga Jaco Van Dormael que vi na Sala Redenção, e A Outra Face (1997), mistura extravagante de ação e policial dirigida por John Woo.
Já na era de ouro das videolocadoras, primeiro na Video World e depois na TV3, conheci tesouros do cinema feito nos Estados Unidos das décadas de 1960 e 1970. Acho que O Planeta dos Macacos (1968), de Franklin J. Schaffner, foi o primeiro filme que me fez cair o queixo ao final. Cantarolo até hoje a macabra cantiga de ninar de O Bebê de Rosemary (1968, de Roman Polanski), e me sinto o Jon Voight de Perdidos na Noite (1969, de John Schlesinger) quando ouço na mente a introdução de Everybody's Talkin', a minha predileta entre todas as canções do cinema. Encurralado (1971), de Spielberg, me ensinou a apreciar o poder da sugestão e de ambiguidade — mais tarde, me ensinou também que um filme permite várias leituras. Não posso deixar de citar os óbvios O Poderoso Chefão (1972), O Poderoso Chefão: Parte II (1974) _ "I know it was you, Fredo. You broke my heart. You broke my heart!", ambos de Francis Ford Coppola, e Taxi Driver (1976), de Martin Scorsese, além de Um Dia de Cão (1975) e Rede de Intrigas (1976), ambos assinados por Sidney Lumet. E há ainda O Dia do Gafanhoto (1975), também de Schlesinger, que forma com Crepúsculo dos Deuses (1950) e Babilônia (2022) minha trilogia sobre os sonhos, as ilusões e os pesadelos de Hollywood.
As fitas VHS também foram a porta de entrada para dois filmes de culto dos anos 1980 — e a telinha da TV não diminuiu o impacto de O Iluminado (1980) e de Blade Runner: O Caçador de Androides (1982). Os dois têm uma imensa coleção de cenas inesquecíveis, da explosão de sangue no elevador do hotel Overlook ao monólogo final de Rutger Hauer. Na época eu não sabia ou não percebi que existia algo em comum: na sua primeira montagem, o epílogo da ficção científica aproveita sobras das filmagens do clássico do terror.
Bom, se eu seguir nessa toada, vai "faltar papel" na internet para lembrar dos outros 26 filmes que mais me marcaram. Então, para não cansar vocês, o resto das lembranças vai em forma de lista, com breves comentários (ah, se você somar todos os títulos citados, a conta vai dar 60: é o tradicional bônus da coluna):
M: O Vampiro de Dusseldorf (1931): um assassino de crianças traz à tona o medo e o ódio da sociedade neste que talvez tenha sido meu primeiro "filme antigo" no cinema.
Pacto de Sangue (1944): Billy Wilder firma a cartilha do cinema noir.
Um Tiro na Noite (1981): "It's a good scream, it's a good scream".
Scarface (1983): "Say hello to my little friend!"
A Insustentável Leveza do Ser (1988): numa estradinha de chão, o para-brisa pontua um dos mais belos e tristes finais.
Instinto Selvagem (1992): duas palavras: Sharon Stone.
O Sucesso a Qualquer Preço (1992): a mais cruel das competições no mercado de trabalho.
Seven (1995): o crime perfeito em um filme perfeito.
Violência Gratuita (1997): a piscadinha que abala estruturas.
Matrix (1999): saí do cinema querendo subir pelas paredes como os personagens do filme que virou referência fazendo referência.
Amnésia (2000): lembro como se fosse hoje.
A Hora do Show (2000): Spike Lee escancara o racismo de Hollywood.
Réquiem para um Sonho (2000): o pesadelo das drogas.
Promessas de um Novo Mundo (2001): o conflito entre Israel e Palestina pelos olhos das crianças: "Quando acabar o filme, será que vamos continuar amigos?".
Os Excêntricos Tenenbaums (2001): quando sobe Hey, Jude, impossível não se arrepiar.
Monstros S.A. (2001): fazer rir é melhor. Mas eu chorei monstruosamente.
Edifício Master (2002): não me canso de revisitar.
Kamchatka (2002): a referência ao jogo War neste filme sobre a ditadura militar na Argentina me pegou de jeito.
Na Captura dos Friedmans (2003): por que uma família registrava em vídeo a própria desgraça?
Oldboy (2003): o filme definitivo sobre vingança.
Troia (2004): foi o primeiro filme que eu vi com a Bia.
O Virgem de 40 Anos (2004): nunca ri tanto quanto na cena da depilação.
O Cárcere e a Rua (2005): deixou para sempre na memória a cena do homem que do lado de fora do presídio faz juras de amor para a mulher, que cumpre pena.
Match Point (2005): Woody Allen mistura tragédia grega e romance russo.
Menina de Ouro (2005): um soco no estômago.
Borat (2006): ver num cinema lotado, antes da popularização do estilo, foi uma experiência única. E ainda tem a cena da briga pelada.
Batman: O Cavaleiro das Trevas (2008): que saudade de Heath Ledger!
Os Estranhos (2008): este é um filme que realmente me deu medo. Para piorar, estava sozinho no cinema. Aflição desgraçada.
A Origem (2010): um sonho de filme.
Drive (2011): absolutamente icônico, da jaqueta dourada com estampa de escorpião nas costas à trilha sonora, passando pelo martelo e pela cena do elevador.
Relatos Selvagens (2014): a vida em sociedade.
Midsommar (2019): a separação como um filme de terror.
Os Miseráveis (2019): precisei ficar no cinema até subirem todos os créditos, para conseguir respirar depois da sufocante cena final deste filme sobre as tensões sociais nos subúrbios de Paris.
Parasita (2019): era tudo o que estavam falando e muito mais.
Retrato de uma Jovem em Chamas (2019): faz a gente entrar num transe.
A Mesa da Sala de Jantar (2023): exibido no Fantaspoa deste ano, começa como comédia, mas toma um caminho desnorteante, oferecendo uma trama absolutamente surpreendente e incomum e nos colocando em uma situação absurdamente aflitiva, na qual um dos personagens sabe de algo que os outros desconhecem. Enquanto todos seguem no registro do humor, o protagonista vive uma tragédia.