A certa altura de Seven: Os Sete Crimes Capitais (1995), título dirigido por David Fincher que está em cartaz na HBO Max, o jovem e impetuoso policial interpretado por Brad Pitt refere-se ao assassino serial que ele e seu parceiro, o detetive encarnado por Morgan Freeman, estão caçando como "o filme da semana". David Mills, o personagem de Pitt, não vê nada de especial nas mortes perpetradas pelo sujeito, cada uma delas ligada, no motivo e na forma, a um pecado: gula, preguiça, ganância...
— Daqui a dois meses, ninguém vai ligar. Ninguém vai dar bola ou se lembrar — diz Mills. — Você não é um messias, você é só um filme da semana.
O tempo deu razão ao homicida, que profetiza:
— O que cometi vai fazer as pessoas quebrarem a cabeça, estudarem e seguirem para sempre.
De fato, Seven foi muito além de ser "o filme da semana". Tornou-se — vejam a coincidência — a sétima maior bilheteria mundial de 1995: US$ 327,3 milhões, o que equivale a 10 vezes o preço que custou. Esnobado pelo Oscar (só concorreu ao prêmio de edição, assinada por Richard Francis-Bruce, que também concorrera por Força Aérea Um e Um Sonho de Liberdade), virou um dos títulos mais representativos e influentes da década de 1990 — bebem direto da fonte obras como Beijos que Matam (1997), Possuídos (1998), O Colecionador de Ossos (1999), 8 Milímetros (1999) e A Mão do Diabo (2001). Aparece em algumas listas dos cem melhores de todos os tempos e mereceu uma página no livro 1.001 Filmes para Ver Antes de Morrer.
Seven gravou na cabeça do público o nome de David Fincher, que era o diretor certo na hora certa — ou seria a hora errada? Bem-sucedido na publicidade e nos videoclipes (são dele, por exemplo, os icônicos Vogue, de Madonna, e Freedom '90, de George Michael), ele estreou como diretor de cinema com Alien 3, em 1992. O filme passou por nove roteiristas e sofreu muita interferência do estúdio, a Fox. Desgostoso com a experiência, Fincher, quando topou por acidente com o roteiro de Seven — escrito por Andrew Kevin Walker, um ex-empregado da loja de discos Tower Records —, decidiu que só filmaria se os executivos da New Line Cinema não metessem o bedelho no seu trabalho. Ganhou fama de "difícil" em Hollywood, mas o sucesso de Seven pavimentou o caminho para uma carreira que inclui três indicações ao Oscar (por O Curioso Caso de Benjamin Button, de 2008, A Rede Social, de 2010, e Mank, de 2020) e outros contos de violência urbana, como Vidas em Jogo, Clube da Luta, Zodíaco, Os Homens que Não Amavam as Mulheres, o seriado Mindhunter e o recente O Assassino, sucesso de audiência na Netflix em que o cineasta retoma a parceria com o roteirista Walker.
Morgan Freeman, hoje com 86 anos, já tinha três indicações ao Oscar quando interpretou o detetive William Somerset. Havia concorrido por Conduzindo Miss Daisy (1991) e Um Sonho de Liberdade (1994), como melhor ator, e por Armação Perigosa (1987), como coadjuvante — nessa mesma categoria, venceria por Menina de Ouro (2005). Brad Pitt, que completará 60 anos em 18 de dezembro, ainda era mais conhecido pelo rosto bonito do que pelo talento dramático — naquela mesma temporada, por Os Doze Macacos (1995), disputaria pela primeira vez a estatueta dourada, a de coadjuvante, categoria na qual acabou premiado por Era uma Vez em... Hollywood (2019).
A química de polos opostos entre os dois é um dos trunfos para a empatia que seus personagens despertam no público. Prestes a se aposentar, Somerset é calmo, sábio e experiente, mas o preço da dedicação ao ofício é a solidão de seu apartamento. Vindo de uma cidade pequena, Mills é ambicioso, pavio curto e um tanto petulante, mas é um bom policial, que, a seu modo, estuda para tentar compensar a diferença intelectual em relação ao parceiro, e um homem amoroso e amado — pela sua esposa, Tracy (papel de Gwyneth Paltrow, namorada de Pitt na época), e por seus cães.
A ambientação universal é outro charme — é evidente que Seven se passa nos Estados Unidos, mas sua história poderia acontecer em qualquer metrópole do mundo. O filme nunca dá nome à cidade, cheia de cenários claustrofóbicos e castigada por uma chuva constante durante quase toda a investigação. Ironicamente, as cenas mais solares dos ponto de vista da fotografia talvez sejam as mais sombrias no estado de espírito.
Serial killers não eram novidade no cinema — aliás, alguns anos antes, O Silêncio dos Inocentes (1991) faturara os cinco Oscar mais cobiçados: melhor filme, diretor, ator (Anthony Hopkins, com seu imortal Hannibal Lecter), atriz e roteiro. E as cópias que sucederam Seven podem ter prestado um desserviço em relação às futuras audiências. Mas o modus operandi do assassino procurado por Somerset e Mills é de uma originalidade ímpar. Não tanto pela inspiração nos sete pecados capitais, não tanto por incitar uma caçada a pistas na Bíblia ou em obras como Paraíso Perdido, de John Milton (1608-1674), mas por espelhar o motivo na forma do crime. O primeiro corpo descoberto é de um homem obeso obrigado a, literalmente, comer até morrer.
Os créditos de abertura são outro elemento que, hoje, pode não causar o impacto de quase 30 anos atrás, por conta da repetição à exaustão por outros títulos. Mas tudo ali foi muito bem pensado. A começar pelo momento: aparecem depois de uns quatro minutos de filme, depois de os personagens de Freeman e Pitt serem apresentados — David Fincher inseriu os créditos ali para que o público entendesse que são parte da história. As imagens fornecem detalhes sobre o que será visto ou contado adiante — vale, depois de assistir a Seven, "voltar a fita", como diríamos naqueles tempos ainda dominados pelo VHS. A montagem nervosa, com os letreiros brancos pulando sobre um fundo escuro, traduz o clima perturbador da trama. A trilha sonora, uma versão remixada de Closer, da banda de rock industrial Nine Inch Nails, cumpre o mesmo papel — com os versos "You get me closer to God" (você me aproxima de Deus), no encerramento do clipe, aludindo ao caráter bíblico, messiânico que o assassino se atribuí.
Mas talvez a grande sacada desses créditos seja a omissão de um nome importante do elenco (em deferência a quem ainda não viu Seven, eu também vou omitir). Afinal, sempre que reconhecemos um ator famoso nos créditos de abertura, corremos o risco de passar o resto do filme procurando por ele, de modo que uma eventual surpresa pretendida pelo cineasta morre na casca. Em Seven, a identidade de quem encarna o serial killer foi totalmente preservada, mesmo que esse intérprete estivesse em alta naquele ano, graças a um papel que acabaria lhe valendo um Oscar.
O assassino de Seven faz jus ao chavão dos requintes de crueldade, mas este é um raro filme de serial killer que não mostra os crimes sendo cometidos. Não investe no sadismo preparatório nem na espetacularização da violência. Esse comedimento ético e essa elegância visual atiçam a imaginação do espectador e permitem que ele se concentre no que o vilão diz, em diálogos que paciente e perversamente vão preparando o chocante, magistral e inesquecível epílogo. Se você nunca viu, fica a dica para o fim de semana. Se já viu, há sempre um encanto em observar como as peças do quebra-cabeças já estavam à mostra desde o início.