Por um misto de dever profissional e curiosidade mórbida, aguentei ver até o fim a série The Idol, que teve seu quinto e último episódio lançado neste domingo (2) pela HBO Max. O desastre inclui romantização do estupro, objetificação do corpo feminino, misoginia, cenas de tortura, diálogos sofríveis e péssimas atuações. Como resumiu a crítica Rachel Aroesti no jornal britânico The Guardian, "é um miasma sinistro de excitação soturna, trama flácida, confusão tonal (vamos apenas dizer que a comédia cringe e o abuso gráfico não são companheiros naturais) e exibições incessantes da parte de baixo dos seios de Lily-Rose Depp que queimam a retina".
Só o que se salva é a trilha sonora. Mas isso era o mínimo esperado de uma atração que é justamente sobre a indústria da música pop e que tem The Weeknd como um de seus autores — ao lado de Sam Levinson (criador da série Euphoria e diretor de The Idol) e de Reza Fahim. O artista canadense que já emplacou sete singles no número 1 da parada norte-americana assina com seu nome civil, Abel Tesfaye, e também tem protagonismo como ator. Faz o papel de Tedros Tedros, um suposto produtor musical que se imiscui na carreira e na vida de uma cantora à la Britney Spears ou Selena Gomez. Trata-se de Jocelyn, personagem encarnada por Lily-Rose Depp (filha de Johnny Depp com Vanessa Paradis) que, após um colapso nervoso, tenta retomar seu posto de princesa sexy. Na sua corte, gravitam tipos como o empresário Chaim (Hank Azaria), a executiva de gravadora Nikki (Jane Adams), a assistente pessoal Leia (Rachel Sennott) e o produtor de shows Finkelstein (Eli Roth, o único que parece ter se divertido).
Na trilha de The Idol, além da versão sintetizada de The Weeknd para a clássica Jealous Guy (1971), de John Lennon, merecem destaque as composições interpretadas por Jocelyn, como a languidamente hipnótica Fill the Void e a deliciosamente grudenta World Class Sinner/I'm a Freak. Esta última, que já teve mais de 11 milhões de reproduções no Spotify, é o tema da personagem — o título pode ser traduzido como Pecadora de Classe Mundial/Eu Sou uma Bizarra. Os versos do refrão dizem o seguinte: "I'm just a freak, yeah / You know I want it bad (I want it bad) / And we can meet, yeah / But I don't need to know your name (know your name) / You can pull my hair / Touch me anywhere / Whip and chains (whip and chains) / I'm just a freak, yeah / So show me why you came (why you came)" (Sou apenas uma bizarra, sim / Você sabe que eu quero tanto (eu quero tanto) / E podemos nos conhecer, sim / Mas não preciso saber seu nome (saber seu nome) / Você pode puxar meu cabelo / Me tocar em qualquer lugar / Chicotes e algemas (chicotes e algemas) / Sou apenas uma bizarra, sim / Então me mostre por que veio (por que veio)).
Vale puxar o cabelo, tocar em qualquer lugar, chicotes, algemas e também a "língua gorda" de Tedros, como o próprio sujeito diz em um momento supostamente sensual, antes de falar para Jocelyn que quer a agarrar pela bunda enquanto a sufoca com o pênis na garganta dela. Pode ser também uma escova de cabelo, vide uma das piores cenas de todos os tempos na história dos seriados, em que a rememoração de um trauma da cantora — a mãe a espancava com o objeto, ela diz — se transforma, pelas lentes de Sam Levinson, em erotização da violência sexual.
Na melhor das hipóteses, sadomasoquismo é o nome do jogo — tanto para os personagens quanto para os espectadores, cúmplices da exploração à qual Jocelyn e Lily-Rose são submetidas ou expostos a uma série que não consegue ser nem sátira impiedosa, nem drama envolvente.
Por um lado, não há nada de muito novo ou ácido no retrato do showbiz, um território marcado por histórias de ascensão e queda, ganância e hipocrisia, pressões e traições, álcool e drogas, sexo e mais sexo. Vide as várias versões de Nasce uma Estrela (1937, 1954, 1976, 2018), Crepúsculo dos Deuses (1950) e A Malvada (1950), ou ainda os mais recentes Be Cool: O Outro Nome do Jogo (2005), O Pior Trabalho do Mundo (2010) e Babilônia (2022).
Por outro, os personagens são mal desenvolvidos. Ora são clichês ambulantes, ora se sobrepõem uns aos outros. O mote da série, o de que Tedros é uma espécie de vampiro ou líder de um culto, se esfarela diante da má direção de Sam Levinson e/ou da má atuação de Abel Tesfaye. Se é um vampiro, ele nunca de fato seduz; se é o líder de um culto, ele nunca de fato magnetiza. Quando tenta ser sexy, parece um tiozão que viu muito pornô quando era moleque; quando tem de demonstrar poder, recorre apenas ao grito, à violência e à cara de mau. Só por imposição do roteiro para Jocelyn cair nas suas garras e abrir as portas de sua mansão para o séquito de Tedros, só por imposição do roteiro para o enorme estafe da cantora não te dado um chega pra lá nele.
SPOILERS NOS PARÁGRAFOS SEGUINTES.
The Idol começou ruim e terminou pior. Como o final do quarto episódio prenunciara, no último capítulo há uma reviravolta tão ridícula quanto ultrajante (AVISEI QUE HAVERIA SPOILERS): não é Tedros que está manipulando Jocelyn, mas Jocelyn que está manipulando Tedros. Ou seja: de vítima de abusos ela pulou, quase sem escala, para uma personagem maquiavélica. Até a história sobre a escova de cabelo era mentira.
Mas os 65 minutos de duração do derradeiro episódio dão tempo para mais uma virada na trama, igualmente difícil de engolir. Depois de ser rejeitado e esculachado por Jocelyn e expulso da mansão por seguranças contratados por Chaim (após o monólogo medonho em que faz uma analogia do vigarista com rabo de rato com o Lobo Mau da Chapeuzinho Vermelho), Tedros não apenas ganha uma credencial vip para o show de retorno da cantora: é chamado ao palco e apresentado por ela como seu grande amor, para espanto dos empresários na plateia e, talvez, do espectador que aguentou assistir até o fim.