Indiana Jones e a Relíquia do Destino empolga no início e surpreende no final, mas dá um tremendo sono no meio. O problema é que esse meio ocupa a maior parte das duas horas e meia do quinto e último filme com Harrison Ford, 80 anos, na pele e no chapéu do arqueólogo aventureiro, já em cartaz nos cinemas.
Um agravante é que, diferentemente do que ocorre nos longas-metragens anteriores, o carisma imortal do protagonista não se reflete nos coadjuvantes. Não temos a heroína casca grossa vivida por Karen Allen em Os Caçadores da Arca Perdida (1981). Não temos o simpático parceiro mirim interpretado por Ke Huy Quan em O Templo da Perdição (1984). Não temos um Sir — Sean Connery — emprestando sua honra, seu charme e seu senso de humor no papel do pai de Indiana Jones, em A Última Cruzada (1989). Não temos nem a vilã caricatural encarnada com maestria por Cate Blanchett em O Reino da Caveira de Cristal (2008).
O dinamarquês Mads Mikkelsen é um ótimo ator, como visto em A Caça (2012), pelo qual foi laureado no Festival de Cannes, e Druk: Mais uma Rodada (2020), pelo qual ganhou o troféu da Academia Europeia. Mas seu vilão nazista em Indiana Jones e a Relíquia do Destino (no original, Indiana Jones and the Dial of Destiny), o astrofísico Jürgen Voller, mostra-se bastante genérico e opaco. A britânica Phoebe Waller-Bridge venceu todos os prêmios possíveis pela série de comédia Fleabag (2016-2019) — Emmy, Globo de Ouro, SAG Awards, Bafta, Critics' Choice —, mas na sua parceria com Indy as piadas nem sempre acertam o alvo. Aliás, a certa altura sua personagem, Helena Shaw, precisa enfatizar que fez uma piada: "Admita, essa foi engraçada". Já o francês Ethann Isidore, 16 anos, que tem ascendentes do Brasil e da Mauritânia, pode vir a ser um talento, mas no momento é apenas o insuportável aliado adolescente de Helena, Teddy Kumar. Os demais coadjuvantes (incluindo o alemão Thomas Kretschmann, o espanhol Antonio Banderas e o estadunidense Boyd Holbrook) entram e saem de cena sem deixar marcas.
Mas há atrativos neste que é o primeiro filme da bilionária franquia (US$ 1,98 bilhão já foram arrecadados nas bilheterias) não dirigido por Steven Spielberg — o cargo coube a James Mangold, realizador de Logan (2017), pelo qual concorreu ao Oscar de roteiro adaptado, e de Ford vs Ferrari (2019), pelo qual disputou a estatueta dourada de melhor filme. Mangold também é um dos quatro autores do script, que é fiel ao espírito do personagem criado por George Lucas e Philip Kaufman.
No mundo em que vive Indiana Jones, os bons são bons, e os maus são maus. Os perigos de carne e osso convivem com ameaças sobrenaturais, mas nosso herói não tem superpoderes — pelo contrário: não raro hesita, falha, se atrapalha. A nostalgia impera — entre as inspirações, além do romance As Minas do Rei Salomão (1885), de H. Rider Haggard, estão os cinesseriados de aventura dos anos 1930 e 1940. Embora a morte seja uma presença constante, a alma é lúdica — outra influência assumida são as histórias em quadrinhos do Tio Patinhas e do Pato Donald produzidas por Carl Barks entre as décadas de 1940 e 1960. E, blindada pela ambientação no passado, a franquia se permite ficar alheio ao debate sobre discursos e práticas colonialistas do herói — o que antes podia ser visto como "expedição exploradora" hoje é encarado por muitos como roubo.
Como boa parte de A Relíquia do Destino se passa em 1969, a figura do caçador de tesouros já não é tão romantizada. Não chega a virar assunto de uma discussão mais politizada, mas rende um comentário jocoso de Helena Shaw.
— Você roubou (o artefato)! — protesta Indiana Jones ao vilão Jürgen Voller.
— E depois você o roubou — responde o nazista.
— E depois eu roubei — diz Helena, para em seguida arrematar: — O nome disso é capitalismo.
Antes de chegarmos a 1969, porém, seremos levados de volta à época das primeiras aventuras do personagem, a da Segunda Guerra Mundial. Estamos na Alemanha de 1944, onde Harrison Ford surge jovem novamente graças à computação gráfica (os efeitos não são perfeitos, mas funcionam). Ele e um colega arqueólogo de Oxford, Basil Shaw (Toby Jones), são capturados pelos nazistas enquanto tentavam recuperar a lança que teria sido usada pelo centurião romano Longinus para perfurar o corpo de Jesus Cristo durante a crucificação. Mas o trem dos vilões carrega uma outra relíquia, muito mais poderosa: a Anticítera, um dispositivo criado pelo matemático, engenheiro, astrônomo e inventor grego Arquimedes (287 a.C.-212 a.C.), já descrito como "o computador analógico mais antigo do mundo".
Depois de trepidantes e divertidas sequências de ação, a narrativa pula para a Nova York de 1969, onde um Indy — agora sem retoques digitais no corpo inteiraço do oitentão Ford — à beira da aposentadoria vai ser acordado pelo som alto dos vizinhos. A música, ao mesmo passo em que situa os tempos da trama, serve como uma dica do que está por vir. Como sugere o título de Magical Mystery Tour (1967), dos Beatles, vamos embarcar em uma viagem de mistérios e magia, que tem paradas no Marrocos, na Grécia e na ilha da Sicília, na Itália. O percurso é um tanto demorado, as paisagens, ou melhor, os personagens não chegam a encantar, e os bons momentos vão minguando. Mas uma guinada de rumo é capaz de provocar uma agradável vertigem naqueles espectadores que vão ao cinema para escapar do mundo real e viver a fantasia do impossível.