A Tela Quente desta segunda-feira (5), às 22h25min, na RBS TV, vai exibir uma atração inédita na televisão aberta: Ford vs Ferrari (2019), que concorreu ao Oscar de melhor filme (ganhou os prêmios de edição e edição de som) e é estrelado por Matt Damon e Christian Bale.
O espectador desavisado que vê somente o cartaz do filme pode achar que Damon, o astro da tetralogia Jason Bourne duelará nas pistas com Damon, o Batman da trilogia de Christopher Nolan. Pode achar que estamos diante de um derivado de Rush (2013), a excelente cinebiografia sobre a rivalidade entre os pilotos de Fórmula-1 Niki Lauda e James Hunt. Mas, ao contrário do que o alinhamento dos nomes no pôster sugere, os atores não interpretam gigantes da indústria automobilística, e seus personagens estão do mesmo lado.
O espectador brasileiro desinformado também pode, no começo do filme, se sentir como aquele sujeito que vai ao mecânico e o escuta falar sobre a rebimboca da parafuseta. As cenas mostram os preâmbulos e os bastidores de uma história muito estadunidense e de uma corrida que não tem, no nosso país, a mesma popularidade da F-1 ou mesmo da F-Indy: a de como, nos anos 1960, a Ford resolveu desenvolver um carro para enfrentar a hegemonia da italiana Ferrari nas 24 Horas de Le Mans, na França.
O filme é dirigido por James Mangold, realizador de Johnny & June (2005), Logan (2017) e Indiana Jones e a Relíquia do Destino (2023). Matt Damon encarna Carroll Shelby, o primeiro piloto dos Estados Unidos a vencer a prova, em 1959 — vitória reconstituída na bela introdução. Ele precisa abreviar sua carreira por causa de um problema cardíaco e passa a atuar como empresário. Christian Bale é um pai de família inglês à beira da falência, o quarentão Ken Miles, exímio como mecânico e atrás do volante, mas péssimo na gerência dos negócios e no trato com as pessoas.
Enquanto isso, nos escritórios da Ford, o executivo Lee Iacocca (Jon Bernthal) vê-se desafiado a bolar uma ideia que garanta seu emprego — o patrão, Henry Ford II (Tracy Letts), está fulo da vida com a queda nas vendas. A solução é associar a marca às aspirações da juventude, como sexo e perigo. Ou seja: entrar no glamoroso mundo das corridas.
Como você já pode imaginar, essas três estradas vão convergir. Para continuar nas analogias automobilísticas, Ford vs Ferrari parece feito em uma linha de montagem, na qual podemos antever seus obstáculos — desde um problema técnico até a interferência negativa de outro engravatado da Ford, Leo Beebe (Josh Lucas), mais preocupado com o marketing do que com o esporte. Mas como a corrida de Le Mans, o filme guarda uma boa dose de emoção para as últimas curvas — especialmente para quem não souber nada da história original.
Até chegar o momento de correrem lágrimas, a dica é sentar na carona ora de Shelby, ora de Miles, para sentir a adrenalina (o filme é muito eficiente em criar a ilusão de que seu elenco está andando em carros a 200 ou 300 km/h), admirar a paisagem (a fotografia de Phedon Papamichael é belíssima) e curtir a trilha sonora (tanto a composta por Marco Beltrami e Buck Sanders quanto as canções de Nina Simone, The Byrds e The Sonics, entre outros).
Ao mesmo tempo em que narra uma história sobe velocidade, Ford vs Ferrari também espelha a própria história estadunidense. Repare nos parágrafos de apresentação dos principais personagens: todos estão em busca daquilo que é inerente à história e à ficção dos EUA, a segunda chance. Pode-se dizer que o país nasceu de uma segunda chance, a dos pobres e degradados ingleses que partiram para a América no começo do século 17. O ímpeto de colocar um carro na pista e ver até onde pode chegar também remete às origens da nação, no desbravamento do Oeste. E o diretor James Mangold ilustra ainda a cultura de ser o número 1 e o culto ao self-made man, o homem que faz o próprio caminho. Aliás, esse individualismo acaba sendo valorizado, visto que os heróis pagam um preço alto quando cedem aos interesses corporativos.