Em cartaz nos cinemas desde o dia 9, As Marvels (The Marvels, 2023) é o filme mais curto do Universo Cinematográfico Marvel, com 105 minutos de duração. Mas é tão chato, é tão genérico, é tão desprovido de personagens interessantes, cenas de impacto, cenários atrativos e tensão genuína (o que se salvam são algumas piadas e o aceno pós-créditos ao futuro — e ao passado), que a sensação é de que acabamos de maratonar todos os 33 longas-metragens lançados pelo MCU (na sigla em inglês) desde Homem de Ferro (2008).
Aliás, aí está o primeiro ponto complicado da aventura dirigida por Nia DaCosta, nova-iorquina de 34 anos que traz no currículo Passando dos Limites (2018) e A Lenda de Candyman (2021). Como o chefão do MCU, Kevin Feige, decidiu que o universo cinematográfico iria se conectar com as séries de TV — emulando, é verdade, o que acontece nas histórias em quadrinhos —, convém ao espectador consultar a enciclopédia antes de assistir à cada nova produção. O excesso de títulos e interligações tem, evidentemente, motivação mercadológica. Mas, no cinema, tornaram-se raras as bilheterias bilionárias emplacadas na chamada fase 4 (foram seis entre Capitão América: Guerra Civil, de 2016, e Homem-Aranha: Longe de Casa, de 2019, mas apenas uma entre os 10 filmes que saíram de 2021 para cá). No streaming, três dos seriados mais recentes — Ms. Marvel (2022), Invasão Secreta (2023) e Mulher-Hulk (2022) — são os que registraram as piores audiências.
As Marvels não apenas é a continuação de Capitã Marvel (2019): também coloca a super-heroína Carol Danvers (papel de Brie Larson, Oscar de melhor atriz por O Quarto de Jack, aqui mais apática do que o habitual) lado a lado com duas personagens que antes só haviam aparecido em séries de TV. Elas são Monica Rambeau (a carismática Teyonah Parris, de A Lenda de Candyman), que ganhou seus superpoderes ao final da minissérie WandaVision (2021), e Kamala Khan (Iman Vellani), a adolescente protagonista do seriado Ms. Marvel. Além disso, o filme dá sequência a eventos de Invasão Secreta.
A formação do elenco principal — três mulheres em um universo predominantemente masculino, sendo que Larson é conhecida por seu discurso feminista, Parris é uma atriz negra e Vellani encarna uma personagem filha de imigrantes paquistaneses — provocou ataques misóginos, racistas e xenofóbicos. Fãs ressentidos e avessos ao progresso social reclamaram que o filme "só quer lacrar e militar" e boicotaram a estreia, contribuindo para fazer de As Marvels a pior bilheteria da Marvel no primeiro final de semana de exibição nos EUA: US$ 47 milhões, abaixo de O Incrível Hulk (US$ 55,4 milhões em 2018) e de Homem-Formiga (US$ 57,2 milhões em 2015). Mas a despeito de ser comandado por uma diretora, com três assinaturas femininas no roteiro (a própria Nia DaCosta, Megan McDonnell e Elissa Karasik) e até uma vilã na trama, As Marvels não demonstra interesse em discussões sobre representatividade e diversidade cultural ou de gênero. Assume-se como entretenimento despretensioso e inofensivo.
Se faltaram personalidade e ambição, o dinheiro correu solto. A Marvel gastou US$ 270 milhões, sendo boa parte nas quatro semanas de refilmagens, realizadas, segundo apurou a revista Variety, para "trazer coerência a uma história toda truncada". Resumidamente, enquanto Nick Fury procura intermediar as negociações de paz entre os Skrulls e os Krees, a nova líder desse último povo, Dar-Benn (vivida por Zawe Ashton), tenta salvar da extinção seu planeta, Hala. Para isso, ela recupera um dos Braceletes Quânticos (o outro está com Kamala Khan) e, combinando esse poder com o de seu cajado, abre um "ponto de salto" no espaço. Por causa da anomalia, Kamala, Carol Danvers e Monica Rambeau ficam constantemente sendo teletransportadas uma para o lugar da outra enquanto combatem inimigos.
Para desenrolar esse emaranhado quântico e impedir que Dar-Benn roube o Sol da Terra para restaurar o de Hala, nossas três heroínas terão de cumprir a cartilha básica: resolver as eventuais desavenças e unir forças; participar de combates corpo a corpo que não fazem muito sentido, dado o alcance de seus superpoderes; lembrar pela milésima vez o Blip, o estalar de dedos com que Thanos, portando a Manopla do Infinito, dizimou metade da população; e contracenar a maior parte do tempo com a tela verde, onde depois são inseridos os inúmeros efeitos de computação gráfica — que jamais impressionam.
O pacote não seria completo sem uma nova batida na porta do Multiverso. Que é uma porta de mão dupla. Por um lado, permite explorar novos mundos, fantasiar caminhos e destinos de personagens famosos. Por outro, se o plano da Marvel ao interligar todos os seus filmes é dizer ao público que está contando uma única história desde a estreia de Homem de Ferro, em 2008, agora o estúdio precisa lidar com a ideia de que qualquer passo importante tomado em uma aventura pode simplesmente não ter consequência nenhuma. Em tese, tudo pode ser corrigido, nada é definitivo, nem mesmo a morte, o que elimina o risco emocional, anestesiando o espectador.
Só o que nos faz acordar, em As Marvels, é a única cena pós-créditos — para ser exato, aparece no meio dos créditos.
(Atenção para os spoilers no parágrafo a seguir.)
O Universo Cinematográfico Marvel dá mais um passo para a reintrodução de alguns dos mais celebrados personagens dos quadrinhos: os X-Men. (Último alerta sobre spoilers.) Se em WandaVision o ator Evan Peters reprisou seu papel como Mercúrio nos filmes dos mutantes produzidos pela finada Fox nos anos 2010, e se já sabemos que em Deadpool 3, em 2024, o Wolverine de Hugh Jackman voltará a mostrar suas garras, em As Marvels Monica Rambeau acorda em um universo paralelo onde é saudada por uma versão alternativa de sua mãe, Maria (Lashana Lynch), aqui apresentada como a heroína Binária. Logo depois, surge o cientista Hank McCoy, o Fera, novamente encarnado por Kelsey Grammer, como em X-Men: O Confronto Final (2006) — e numa pontinha de Dias de um Futuro Esquecido (2014). Ele inclusive menciona o nome "Charles", ou seja, o Professor Xavier.
Com o perdão do trocadilho batido, essa turma pode ser o xis da questão para o futuro do Universo Cinematográfico Marvel.