Médico, escritor e membro da Academia Brasileira de Letras, Moacyr Scliar nasceu em Porto Alegre em 1937 e faleceu na mesma cidade em 2011. Autor de romances, ensaios e livros de crônicas, Scliar colaborou com Zero Hora por mais de 30 anos.
Numa crítica ao filme A lista de Schindler, de Steven Spielberg, o cineasta e escritor francês Claude Lanzmann escreveu que fazer um filme sobre o Holocausto – em estúdio, com atores e atrizes – é um erro, porque dá tratamento ficcional a uma tragédia que deve ser retratada da forma mais realista possível. Mas acho que mesmo Lanzmann daria um crédito de confiança a Roman Polanski por seu O Pianista. Para começar, a história de Wladyslaw Szpilman (e este é um nome que condiciona destino, como observa um personagem do próprio filme: Szpilman quer dizer homem que toca) é tão estranha que parece ficção. Aqui temos um jovem pianista cuja carreira é bruscamente interrompida pela invasão de Varsóvia pelas tropas nazistas e que é várias vezes salvo da morte em circunstâncias absolutamente inesperadas. Quando o gueto, onde estavam confinados os judeus, foi destruído após o levante (cujo 60° aniversário será lembrado no dia 19 de abril próximo), Szpilman ali sobreviveu sozinho, o que lhe valeu o apelido de “Robinson do Gueto”. Mas sua história, escrita sob forma autobiográfica e publicada em 1946 (há edição brasileira, da Record), não mereceu muita atenção das autoridades comunistas que então controlavam a cultura na Polônia. Foi preciso que Roman Polanski, ele próprio voltando do limbo após muitos anos, transformasse a narrativa em filme para que ela ganhasse o destaque que vem recebendo.
E que merece. O filme é realmente avassalador. De início, parece-se com outros filmes sobre o Holocausto: a vida miserável no gueto, brutalidade nazista, o assassinato a sangue-frio, os trens levando os prisioneiros para o campo de concentração. Aos poucos, porém, o drama pessoal de Szpilman vai crescendo e chega ao clímax na cena em que ele, refugiado no sótão de uma casa, é descoberto por um oficial nazista a quem se identifica como pianista. O homem leva o até um piano e ordena-lhe que toque algo. Momento decisivo. Como diz Szpilman no livro: “Desta vez tratava-se de, tocando, resgatar minha vida”. Com os dedos há muito sem prática e cobertos por uma crosta de sujeira, ele executa um Noturno de Chopin. E salva sua vida: o oficial traz-lhe comida e protege-o – até que os russos libertam a cidade.
Há uma mensagem aí. No meio da barbárie generalizada, dois homens conseguem se entender e estabelecer um laço afetivo através da música. O que, neste mundo de violência e ameaçado pela guerra, representa uma esperança. A esperança de que prevaleça, afinal, aquilo que nós, humanos, temos de melhor.
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