Médico, escritor e membro da Academia Brasileira de Letras, Moacyr Scliar nasceu em Porto Alegre em 1937 e faleceu na mesma cidade em 2011. Autor de romances, ensaios e livros de crônicas, Scliar colaborou com Zero Hora por mais de 30 anos.
O Dr. Cecil Helman, sul-africano de nascimento mas radicado em Londres, tem numerosos amigos em Porto Alegre. Na qualidade de especialista em medicina comunitária, tem vindo com alguma freqüência a nossa cidade para cursos e palestras.
O Dr. Helman é um homem de múltiplos talentos: escreve, pinta. Agora recebo, graças à gentileza do Dr. Airton Stein, que esteve em Londres, um interessante artigo em que Helman conta sua experiência como estudante de Medicina e médico na África do Sul à época do "apartheid".
O hospital onde ele trabalhava tinha duas alas, uma para "brancos", outra para "não-brancos". Mas não apenas as alas eram separadas: tudo era separado. Por exemplo, os termômetros. Havia quatro variedades: termômetro oral para brancos, termômetro oral para negros, termômetro retal para brancos, termômetro retal para negros. Cecil Helman conta que um de seus colegas, um subversivo barbudo, misturava os termômetros e deliciava-se imaginando o termômetro que fora usado no reto de um preto sendo introduzido na boca de uma branca.
Mais curiosa foi a história ocorrida com um paciente. Um dia, chegando ao hospital, Cecil Helman surpreendeu-se ao encontrar, na enfermaria dos brancos, um homem de pele escura. Era um branco. Um branco que sofria de uma rara enfermidade das supra-renais, a doença de Addison, na qual a pele vai escurecendo. Esse homem passava por um duplo sofrimento; de um lado a doença em si, de outro o preconceito. Ele carregava consigo sua certidão de nascimento e vários outros documentos para provar que era branco.
Tudo inútil, conta Helman. Foi expulso de um trem, de uma piscina, de uma barbearia, de um restaurante, de um hotel. Gradualmente desistiu de explicar. Retirou-se da vida social, da praia e do bar. Seu patrão mandou-o embora, com a vaga promessa de readmiti-lo quando "melhorasse". Um a um, os amigos o abandonaram, e até a esposa o evitava.
Em suma: uma história de Michael Jackson (que quis ficar branco) ao contrário. E que se mostra o grau de estupidez a que é capaz de conduzir o racismo desenfreado. O "apartheid" já foi tarde.
Confira a seleção de crônicas publicadas por Scliar em Zero Hora:
- 26/03/2000: "Quem és tu, porto-alegrense?"
- 14/09/1997: "Sobre centauros"
- 04/11/1995: "Literatura e medicina, 12 obras inesquecíveis"
- 25/09/1995: "É o ano da paz?"
- 09/01/2000: "As sete catástrofes que nunca existiram"
- 14/11/1999: "Os livros de cabeceira"
- 22/02/2003: "Um anêmico famoso"
- 16/03/1996: "Os dilemas do povo do livro"
- 23/01/2000: "Um intérprete, por favor"
- 22/02/2003: "O que a literatura tem a dizer sobre a guerra"
- 31/05/2003: "Literatura como tratamento"
- 19/10/1996: "A língua do país chamado memória"
- 06/02/2000: "A tribo dos insones"
-15/06/2003: "Um dia, um livro"
- 27/09/2008: "A doença de Machado de Assis"
-20/08/1997: "Médicos e monstros"
- 20/02/2000:"A invenção da praia"
-06/11/2007: "Ler faz bem à saúde"
-19/04/1997: "O ferrão da morte"
-30/11/1997: "Os estranhos caminhos da história"
-05/03/2000: "A gloriosa seita dos caminhantes"
- 08/11/2008: "A Bíblia como literatura"
- 21/03/1998: "Urgência: a visão do paciente e a visão do médico"
- 30/04/1998: "Uma cálida noite de outono de 48"
-16/04/2000: "A imagem viva do Brasil"
- 23/03/1997: " O analista do Brasil"
- 06/02/1999: "Em busca do esqueleto"
- 09/05/1998: "As múltiplas linguagens da literatura judaica"
- 14/05/2000: "Olha só, mamãe, sem as mãos"
- 09/04/1997: "Um grande escritor e um grande homem"
- 30/10/1999: "Medicina e arte: a visão satírica"
- 01/12/1998: "Um patriarca no deserto"
- 04/06/2000: "A porta que falava"
- 17/08/1997: "Menos mágicos, mais realistas"
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